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 TEMA: TEXTO DOS CAPÍTULOS DO LIVRO "1932 - OS DEUSES ESTAVAM COM SEDE"

- de autoria de Antonio de Andrade

 

Prezado/a internauta 

 

Apresento aqui, para você conhecer o texto dos Capítulos (tirei a parte dos combates), com ilustrações, da história que criei para o livro "1932 Os deuses estavam com sede", cuja primeira edição com 358 páginas foi publicada em 1997 (Registrado na Biblioteca Nacional, Escritório de Direitos Autorais, registro nº 123.156, ISBN da 1ª publicação 85-86633-03-8).  Como autor e detentor dos Direitos Autorais deste livro, dentro do sistema "Creative Commons" (CC), autorizo, como licença autoral, o acesso livre sem fins comerciais ao texto dos Capítulos do meu livro, para conhecimento da obra. Os meus direitos como autor são reservados exclusivamente para uso comercial.

As fotografias de fatos históricos são meios das pessoas verem uma realidade que ocorreu e "sentir" os acontecimentos. A utilização das fotos aqui publicadas de fatos históricos, desenhos ou mapas, é um modo de preservar parte da história para a posteridade. Ao apresentar este novo formato do livro, condensado, mas com muito mais fotos e ilustrações, estou reforçando a importância do caráter documental das imagens, reconstruindo assim, um momento importante da história do Brasil.

A história completa desse livro cuja 1ª edição impressa está esgotada pode ser encontrada no site www.editora-opcao.com.br vendida em CD com o texto e com uma riqueza em fotografias e ilustrações (mais de 150), muitas das fotos inéditas e inclusive a cores. Ou veja mais pelos links:  www.editora-opcao.com.br/artigtema1932RevolucaoConstit.htm    ou www.editora-opcao.com.br/deuse.htm 

Este livro no formato impresso, está com a edição esgotada.

 

No formato E-Book é encontrado na Amazon pelo link direto http://migre.me/vLrH8

 

#romancehistórico  #Ficção #militar #politica #1932 #Getuliovargas

   

Atenciosamente,
Antonio de Andrade

 ... Aguarde uns minutos a entrada do texto do livro com as fotos e ilustrações...

 

        Os trabalhos artísticos, colorindo as fotos de 1932 que em seus originais eram em preto e branco, foram feitos pelo design norte-americano  GREGORY  ANTHONY GALLO,  que residiu em Lorena, SP por 2 anos onde tinha um estúdio chamado "Red Man Studios" e reside atualmente em Nova York, Estados Unidos, sua cidade natal. Os direitos da utilização, desses trabalhos artísticos feitos com as fotos, foram adquiridos pela Editora Opção (Antonio de Andrade Editora ME).

 

        Os desenhos, a bico de pena, das cidades históricas do Vale do Paraíba, foram feitos pelo artista TOM MAIA (JOSÉ CARLOS FERREIRA MAIA, Promotor aposentado no Estado de São Paulo), radicado em  Guaratinguetá, SP, a quem agradeço pela gentileza de autorizar a sua utilização neste texto sobre 1932.      

 

              Em vez de eu "criar" 6 irmãos-personagens, dentre os outros personagens criados na história que ira ler,  criando certas características desses personagens, baseei-me nas características de meus 6 sobrinhos, filhos de minha irmã mais velha, Delza de Andrade, e agradeço a eles poder usar seus primeiros nomes nos personagens da história (Robson, Raymundo, Rogério, Reinaldo, Rodrigo e Raul Pacheco de Morais). Na história coloquei inclusive uma foto de quando eles tinham a idade dos personagens do livro. É claro que ao utilizar os nomes deles também estou fazendo uma homenagem a esses sobrinhos que vi crescerem nos anos de minha juventude... 

 

             E  muitos dos nomes que dei a personagens desta história, foi também um modo de homenagear pessoas que conheci ao longo de minha vida... Faço votos que as pessoas fiquem felizes com essa homenagem... E como esta é uma história de ficção, ambientada nos acontecimentos de 1932, qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido mera coincidência. Com personagens fictícios interagindo com fatos históricos reais, a história fica mais interessante para ser lida. Assim, aproveite esse novo jeito de contar a história...

 

Apresentação

 

 

      Cresci ouvindo o meu pai conversar com seus amigos (e minha mãe me explicando o que eu perguntava), nas tardes de fins de semana, sobre a Revolução de 1932, na qual ele  lutou como padioleiro, carregando feridos, levando-os  do front para a retaguarda. E há muito tempo procurei anotar  as histórias ouvidas de ex-combatentes, e os  relatos  e fatos pesquisados em livros e jornais da época, sobre esse movimento revolucionário feito pelos paulistas ¾ uma guerra civil , o maior conflito militar do Brasil neste século, iniciado a 9 de julho e encerrado três meses depois, a 2 de outubro de 1932. 

            A história da Revolução Constitucionalista de 1932 é uma história que todos os brasileiros tem que conhecer melhor  pois deixa grandes lições de idealismo e coragem,  como é o caso, dentre tantos outros, do lavrador  Paulo Virgílio,  da cidade de Cunha, S.P.,  que foi preso e torturado  pelos fuzileiros navais que atacaram a cidade, obrigado a cavar a própria sepultura  e, perguntado pela última vez sobre informações das tropas paulistas (que ele, sendo lavrador, não sabia...) respondeu com bravura: ¾ São Paulo Vence! ¾   Foi morto com 18 tiros nas costas.  Atualmente,  o  bravo paulista está homenageado,  com seu nome  dado  à rodovia  que liga a cidade de Cunha à Guaratinguetá  e por uma estátua,  existente em Cunha.

             A história aqui contada é sobre uma parte dessa Revolução,  a frente de combates do Setor Norte ou Frente Norte, no Vale do Paraíba, vale entre as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro,  região norte do vale  onde nasci e onde resido, englobando as cidades de Lorena, Guaratinguetá, Cunha, Piquete,  Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Silveiras, Areias, S.José  do Barreiro e Bananal. E, além de falar da Revolução,  apresentar alguns fatos  de algumas dessas cidades  que floresceram  na época  do café e que muito influenciaram  a minha juventude.

                                                  

 

            São Paulo era um Estado humilhado pelo governo ditatorial de Getulio Vargas, imposto ao país pela Revolução que ele comandou e venceu em 1930 contra o governo, legalmente constituído, de  Washington Luiz.  São Paulo havia apoiado Getulio contra  Washington Luiz, mas estava  descontente  e muito, com as ações de Getulio Vargas que agia mais pela força,  sem democracia, sem Congresso e com as Leis sendo feitas por ele e seus ministros. Getulio era chefe de um Governo Provisório até serem realizadas eleições e elaborada uma nova Constituição, mas suas ações não demonstravam ir para esses objetivos.  Não havia ainda, depois de dois anos no poder, convocado as eleições para a Assembleia Constituinte e as eleições para presidente e governos estaduais. Getulio impunha interventores militares nos governos estaduais, como  era o caso dos tenentes interventores João Alberto e Miguel Costa em São Paulo.  E o anseio do povo, em especial dos políticos, era um civil e paulista  para governar São Paulo.  O descontentamento era tão grande que fez unir todas as classes ¾ desde os patrões, os operários, os partidos políticos, a classe média, os industriais e  também, todos os grupos de ideias, mesmo as mais divergentes, como os reacionários, os conservadores, os separatistas, os federalistas, etc.  Todos se uniram desejando trazer de volta certos valores como liberdade e democracia representados nas bandeiras: eleições para presidente e governadores, e uma nova Constituição para o país.  Devido a essas bandeiras, a revolução foi chamada de Constitucionalista.  

            A conspiração para a explosão do movimento revolucionário já estava há muito iniciada quando Getulio Vargas - conhecedor dos planos paulistas - convocou as eleições para o ano de 1933 e nomeou uma Comissão para elaborar o anteprojeto da nova Constituição.  Os paulistas não acharam isso suficiente. A insatisfação já era demais com Getulio Vargas. 

             E São Paulo fez a revolução sozinho, lutando  sozinho contra  todo o país. Cumpriu bravamente o seu dever. Nas palavras do Comunicado de 2 de outubro de 1932, quando São Paulo assinou a rendição, comunicado assinado por Pedro de Toledo, governador de São Paulo e outros oito membros do Governo Provisório:

                 "AO POVO DE SÃO PAULO

 ... Cessa destarte, a vida do Governo Provisório Constitucionalista, aclamado  pelo povo  paulista, pelo Exército Nacional e pela Força Pública e hoje,  por  esta deposto.

     Fica encerrada, nesta faixa do território brasileiro, a campanha militar  pela restauração do regime legal.

     Deu São Paulo tudo o que podia dar ao Brasil. Tudo empenhou em prol de sua reorganização político-administrativa.  E disso não se arrependerá. O seu governo, instituído pelo povo paulista, com o apoio das  Forças  Armadas,  encerra  o seu ciclo histórico. Antes,  porém,  que  se  lhe  extinga  a  vigência,  afirma  que  CUMPRIU O SEU DEVER!

      TUDO POR  SÃO PAULO!

     TUDO PELO BRASIL! " (Hernani Donato, A revolução de 32, pp. 168)

           

Esta é uma história  de ficção dentro da história da Revolução Constitucionalista de 1932,  misturada  aos  fatos reais  contados por ex-combatentes e existentes  em livros sobre  a Revolução,  fontes citadas  no desenrolar da história. Contar  um pouco  da Revolução de 1932, apresentando fatos reais e históricos,  junto com a história criada,  é um  modo de homenagear a memória de meu pai Ten. Firmo de Andrade Júnior que nela lutou e por isso,  recebeu em 22/11/1970  a Medalha da Constituição outorgada pela Assembleia Legislativa de São Paulo. 

          

 E homenagear, também, os 135 mil soldados e voluntários paulistas de 1932 que com bravura lutaram nas trincheiras pelo Vale do Paraíba e outras fronteiras de São Paulo, nos morros, nos  túneis e nos vales. E  em especial, tentar resgatar essa parte da história para as novas gerações que raramente, ou nunca, ouviram falar dos heróis paulistas de 1932 e dos personagens  dessa epopeia. As novas gerações, atualmente, sem perceberem ou terem consciência, convivem com personagens dessa Revolução, apesar de muitos anos já terem se passado:  qual é a cidade que não possui ruas, praças ou avenidas com  denominações de datas, como 9 de julho, 23 de maio  ou de nomes, como Pedro de Toledo, Euclydes Figueiredo, M.M.D.C.,  ou até mesmo Osvaldo Aranha, Getulio Vargas e outros?

             E finalmente, prestar  uma  homenagem  póstuma  aos 830 paulistas que tombaram mortalmente  dando a sua vida e o seu sangue, pelos ideais democráticos. 

            E foi tanto sangue derramado nos combates  que um comandante de tropa, após um sangrento combate no Vale do Paraíba chegou a dizer:

      Os deuses estavam com sede...  de sangue.

                                                                  Antonio  de Andrade

 

Capítulo  1

      Em  frente ao  Restaurante  Pissanga, na Rua Alegre nº 112,  rua entre o Largo Imperial e a  Igreja Matriz de Lorena, está  estacionado  um carro Chevrolet 124, preto. A capota permanece  fechada, apesar do sol não estar forte nessa  manhã de verão de 1932, no meio do Vale do Paraíba, vale que interliga as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro.

            Na sala de refeições, com dez  mesas cobertas por toalhas de um xadrez vermelho e branco, somente duas pessoas almoçam: dois jovens senhores, beirando os trinta anos.  O relógio de parede com números romanos e pêndulo dourado, em seu tic-tac constante, marca apenas onze horas da manhã. Para quem tinha saído de madrugada  de São Paulo, onze horas já é uma boa hora para almoçar.  No lado oposto à porta que dá  para a cozinha do restaurante, os dois jovens senhores conversam baixinho, enquanto comem apressados pedaços de polenta frita, junto ao tradicional arroz com feijão, farinha torrada e pedaços de traíra frita, ¾  pescada hoje de manhã no rio Paraíba ¾  segundo as palavras do dono do restaurante, Sr. Pissanga, um senhor alto, de voz mansa e um marcante sorriso e cordialidade.

            O sabor da comida não os afeta.  Seus pensamentos estão longe, lembrando da missão secreta que receberam há dois  dias atrás e do conteúdo do envelope, da maleta de couro cheia de dinheiro e das quatro caixas de metal que estão carregando no porta-malas do Chevrolet 124,  com  40 barras de ouro de meio quilo... 

      O palacete da Rua Sergipe nº 37, na capital paulista, parece  deserto às 10 horas da manhã de 13 de Janeiro de 1932. Quem passasse pela frente e olhasse para ele veria, através de suas grades artisticamente trabalhadas, o seu enorme  jardim e um velho jardineiro italiano, o seu Carlos, com seus longos bigodes brancos torcidos nas pontas, viradas para cima, cuidando das plantas e da grama muito bem aparada.  E, da frente, não poderia enxergar os muitos Chevrolet e Ford estacionados ao fundo, atrás do palacete. Pelo número de  automóveis, nove pessoas estão lá dentro...

            ¾  ...essa situação criada pelo Getulio só tende a piorar e nós não iremos poder ficar às margens dos acontecimentos...

            ¾ O Antunes tem toda razão ¾ corta  abruptamente um dos presentes, o velho Dinardi, um dos industriais paulistas, dono de várias empresas, e continua:  ¾  estou com ele e acredito que todos aqui  presentes.  Nós temos indústrias nesta cidade. Nossos interesses estão aqui em terras paulistas. Do jeito que as coisas estão, com essas greves que não param e com a  situação econômica do país, logo logo seremos afetados. E temos que defender o que é nosso...

            Em volta da grande mesa de mogno escuro, sentados nas cadeiras forradas de palhinha entrelaçadas nos assentos e nos encostos, de espaldar alto, nove senhores  debatem e discutem. A fina flor dos donos das  indústrias  paulistas está ali. Antunes, o mais velho deles e, por isso, mais respeitado em suas opiniões, saboreava o sabor do cigarro Yolanda, enquanto os seus olhos pousavam no desenho pintado do corpo nu da modelo Yolanda D'Alencar. Parecia extasiado ao contemplar o corpo nu da modelo no  maço de cigarros, mas seus olhos refletem a sua satisfação do final do debate que se aproxima e o atingimento de seus objetivos. Ainda soam nos ouvidos dos presentes as últimas palavras do velho Dinardi: ¾  e temos que defender o que é nosso ¾  quando Antunes levanta-se enquanto  larga o maço de cigarros que segurava com a mão esquerda, com a direita tira  o cigarro da boca, e após pigarrear  fala em tom sério:

            ¾ Senhores, qualquer um de nós pode concluir que o Getulio Vargas vai querer se perpetuar no poder e abafar São Paulo. A revolução que ele venceu em 1930, só venceu porque teve o apoio dos tenentes.  Sabemos todos que o Getulio não tinha poder próprio, mas agora quer ter poder, cada dia mais. E ele sabe que aqui em São Paulo há muito poder em  nossas mãos, nas mãos dos nossos amigos fazendeiros de café e nos  políticos. E, não há dúvida  que ele quer acabar com todos nós, amarrar nossas mãos e pés.   E,  além  de São Paulo, Getulio vai querer pôr sob seus pés nossos amigos que tem poder no Rio Grande do Sul e em Minas. Nós não podemos deixar isso acontecer!  E o Getulio não vai ceder um pé  se  não  for  pela  força!   Conversar com ele é perder tempo! É claro que nós todos -  e os que comungam nossas ideias e valores - iremos ajudar a mudar isso que está aí,  apoiando nossos aliados políticos dos vários partidos, para que consigam que o Getulio marque logo a convocação das eleições para a Assembleia Constituinte e, também, as eleições para os governos estaduais. Nós não podemos continuar aceitando esse regime de exceção, sem Congresso e o Getulio e seus ministros fazendo quantas leis eles querem. E não podemos mais aceitar esses interventores impostos pelo Getulio, no lugar dos governadores. Chega de ter esses tenentes que o apoiaram em 30 como nossos governadores...  Senhores, vai chegar o dia  do basta!...

            Antunes, antes de continuar, olha fixamente para cada um dos oito participantes da mesa para sentir o efeito de suas palavras.

            ¾  Senhores, vai chegar o dia do basta ao Getulio!  E esse dia chegará, quer nós queiramos ou não!  ¾  Depois de uma pausa calculada, dando tempo para cada um pensar um pouco, continua:  ¾ Os senhores souberam ontem do resultado da conversa que dia nove a delegação do Partido Democrático teve no Rio de Janeiro com o Getulio. A delegação saiu de São Paulo composta pelo Joaquim Sampaio Vidal, Vicente Rao, Waldemar Ferreira e Paulo Moraes Barros. No Rio juntou-se a eles o Paulo Nogueira Filho. O plano era tratar logo de solucionar o CASO PAULISTA junto ao Getulio: queremos já um interventor civil e paulista, enquanto não são realizadas as eleições. O Partido Democrático sempre apoiou o Getulio, mas a arrogância dos militares está fazendo o Partido rever esse apoio. O Partido não aceita mais que os militares reunidos nos Campos Elíseos decidam manter como interventor o coronel Manoel Rabello. E não aceita o poder,  de decidir isso,  que o capitão João Alberto se dá.  O Partido Democrático, então - notem bem Senhores - foi  EXIGIR  do Getulio uma mudança nessa situação, caso contrário o Partido deixaria de apoiá-lo e se uniria a todas as alas políticas que fazem oposição ao Governo Federal. O Getulio, Senhores, não quis receber a delegação. Ela foi recebida pelo ministro da Justiça. E este, junto com um representante da delegação - foi escolhido o Paulo Moraes Barros - avistaram-se com o Getulio. E todos vocês sabem do resultado: NADA FOI CONSEGUIDO!  Voltaram todos de mãos abanando para São Paulo.  Por aí os  Senhores sentem o que iremos obter do Getulio: NADA!  O rompimento do Partido Democrático com o Getulio é um sinal grave de alerta para todos nós, Senhores!   VAI HAVER LUTA !  E LUTA ARMADA!  ¾  Antunes destaca bem com a mudança do tom de voz:   ¾  Nós não vamos aguentar essa situação por muito tempo. E temos que nos preparar  rapidamente para a luta. É aí que nós temos que unir nossas forças e poder...

            Antunes faz uma pausa, puxa uma baforada do seu Yolanda que quase estava se apagando no cinzeiro de cristal  à  sua frente, solta a fumaça para cima e continua:

            ¾ ...nós temos que unir nossas forças, Senhores. E temos dois caminhos, ambos necessários: Primeiro, em nossas indústrias começarmos a fabricar fuzis. Os desenhos do fuzil 1908 já estão à disposição. Mas fabricar escondidos em salas fechadas, para manter o sigilo. Temos que escolher bem os operários que irão fabricá-los. E capacetes e outros  equipamentos, cujos desenhos e plantas os senhores receberão ao saírem desta sala, junto com os desenhos do fuzil.  O segundo caminho, essencial, é mandarmos vir do exterior, especialmente, as munições para esses fuzis e outros equipamentos. Pelos cálculos que um amigo especialista fez teremos que encomendar no mínimo  8  milhões de tiros de fuzil para podermos iniciar a luta, pois não temos ainda  condições de fabricar por aqui. A única fábrica de pólvora é a de Piquete, no Vale do Paraíba e é controlada pelo Governo Federal. E vamos ter que pagar em ouro. Os fornecedores já contatados no exterior, só aceitam ouro em barras como pagamento. A encomenda já foi feita e estará a caminho em 40 dias: 8 milhões de tiros e mais alguns apetrechos. E, agora, Senhores, é a hora de cada um dar uma parte do seu ouro. É preferível perdermos um pouco do que temos do que perdermos tudo...

            Antunes senta-se e a lista com as adesões começa a circular. Ele faz questão de iniciar com seu nome e 10 barras de  meio quilo. Antunes quer forçar os outros a uma boa contribuição. A lista, depois de algum tempo, volta ao Antunes. Como cada um dos presentes deu 10 barras, há na lista 90 barras de ouro doadas. 45 quilos de ouro! Ele quer e precisa de 40 barras, para iniciar, pois esse era o preço dos vendedores de armas e munições, para a encomenda feita. O restante das barras irá para o fundo especial para mais compras de outros materiais e pagamento das empresas que os  fabricarem.

            Antunes levanta-se.  ¾  Senhores, vejo que todos nós estamos unidos na causa por São Paulo e, por que não dizer, na defesa de nossos interesses. E vamos precisar  de todo esse ouro, e talvez mais algum, para podermos armar o povo na hora que  desejarmos.   Armas,  munições,  uniformes  e  outros apetrechos, Senhores, não custam barato! Iremos pagar os fornecedores estrangeiros com 40 barras de ouro; as restantes serão para pagar as despesas de nossas próprias fábricas na compra de matérias primas para fabricarmos o que pudermos, além de mantermos alimentado  o nosso futuro exército de paulistas. Acho que serão necessárias umas 150 barras para podermos realizar a nossa luta e vencermos. Ainda faltam 60 barras para completar as 150 planejadas. Alguns dos senhores tinham a responsabilidade de angariar doações com outros amigos que não iam poder comparecer hoje. O que conseguiram?

            Um industrial do ramo têxtil, Gert Herbert, sentado ao canto da mesa, levanta-se e com um largo sorriso dado por baixo do bigode grisalho, fala  em um português com leve sotaque alemão:

            ¾  Antes da reunião levantei os dados dos que ficaram com essa missão. Temos exatos  59  barras e eu coloco mais uma barra, completando as 60 de que precisamos. E continuamos a manter contato com outros industriais  que querem contribuir para a causa paulista.

            ¾  O meu amigo Gert está de parabéns pela sua grande generosidade. Tudo pela causa e pelos nossos interesses! ¾  completa Antunes.  E  continua:

             ¾  Senhores, na antessala, está o  Dr. Ruy, meu  sobrinho e homem de confiança. Ao saírem desta sala peguem com ele os desenhos do fuzil e dos outros equipamentos e acertem com ele  o horário, hoje e amanhã, e o local para mandarmos buscar as  barras de ouro. E, logo que puderem, me avisem o que irão produzir para acertarmos as despesas da compra  dos materiais para a fabricação. Temos que agilizar a reunião desse material. E, para informação de todos, já que todos aqui somos de confiança, as munições e outros equipamentos entrarão pelo porto de Mambucaba, em Angra dos Reis, já que no porto de Santos há  muitos olheiros do Getulio. E, de lá chegarão até São Paulo, por terra. Fiquem sossegados que o caminho escolhido é seguro e já tenho  tudo  organizado...

 

      Os dois homens no Restaurante do Pissanga ainda se lembravam da seriedade com que seu velho tio Antunes lhes falara e da missão que os encarregara. E suam frio só de lembrar das 40 barras de ouro que estão transportando no carro e  da maleta de couro cheia de dinheiro.

            Eunildo e seu irmão Celio se entreolham. Chamam o seu Pissanga e pedem a conta. Estão com  pressa de continuar a viagem. Pelos cálculos, pela nova  rodovia Rio de Janeiro - São Paulo, levarão de Lorena a Bananal,  o destino, sem correr muito, umas 5 horas. Será a última etapa dos 314 km que separam São Paulo de Bananal.  Pagam a conta e saem apressados, entrando a seguir no Chevrolet 124. Desta vez Celio senta-se ao volante. Conhece  melhor os trechos  cheio de curvas da estrada que vão  enfrentar. Descem a Rua Alegre até a primeira esquina.

            Antes de virarem a esquina, Eunildo repara  em um  homem, que no alto de uma escada, substitui a placa com o nome da rua. Eunildo lê: Rua Manoel Prudente e fica  a matutar como é estranho o costume de uma cidade homenagear algum emérito cidadão depois do seu falecimento. E, pensando nisso, ri sozinho ao lembrar-se de outro costume que observou  nesta cidade ao entrar no restaurante: na parede estava afixado uma folha impressa, com uma tarja preta em um dos cantos, anunciando o falecimento de mais um cidadão...

            O Chevrolet 124  passa  pelo Largo Imperial, bonito jardim público, todo cercado de grades, com portões nos  seus quatro cantos,  com palmeiras imperiais, plantadas por D.Pedro I quando em uma de suas passagens por Lorena, plantadas de tal modo que forma o brasão imperial, se pudessem ser vistas do alto. D.Pedro gostava de deixar sua marca pessoal  por onde passava...

 

              Logo após o Largo Imperial, o Chevrolet  toma  a Rua do Comércio, rua cheia de  armazéns, ferreiros, lojas e bares, rua que vem  da  única ponte que cruza o ribeirão, localizada na rua  Direita, também chamada de Rua das Palmeiras Imperiais, com suas 30 palmeiras de cada lado da rua, como se fossem cavaleiros com lanças homenageando  todos os tropeiros  e viajantes que entram na cidade por essa  rua - estrada, passagem obrigatória  para os que viajam a cavalo ou de carro. Há  tantas palmeiras imperiais que a cidade  é  conhecida como a cidade das palmeiras imperiais...

      Depois da fundação da cidade de São Paulo, em 1554,  muitos homens lançam-se  para os sertões paulistas e outras terras, em especial a terra dos Cataguás, conhecida como Minas Gerais, em busca de ouro e de aventura. Homens audaciosos. O Vale do Paraíba, caminho natural para se chegar às Minas Gerais, recebeu muitos desses aventureiros. E, logo começam a surgir pequenos lugarejos, espalhados pelo Vale, à beira do rio Paraíba, para apoio às expedições.

                A cidade de Lorena nasce assim, a 182 quilômetros de São Paulo, como um  lugar onde os bandeirantes e viajantes fazem a travessia do rio para subir a serra em direção às Minas Gerais. O lugar fica conhecido como Porto Guaypacaré, que na língua Tupi dos índios que habitam  a região, significa  Braço ou seio da Lagoa Torta,  pois o porto fica em uma parte calma do rio,  parecida com um cotovelo, tendo uma parte de várzea ao lado do rio, que nas cheias, forma uma lagoa.

        Os primeiros a se fixarem no local o fizeram pelo fim do século XVII e fizeram plantações no local para abastecer os viajantes. A plantação fez o local ser conhecido como as Roças de Bento Rodrigues Caldeira, o  mais abastado dos que fizeram as plantações. De pequeno vilarejo incrustado nos sertões de Guaratinguetá, passa  a ser Vila da terra de Bento Rodrigues Caldeira. Com o levantamento de uma capela em 1705 dedicada a Nossa Senhora da Piedade, mais tarde, em 1718, passa  a ser Freguesia de N.Sra. da Piedade, mas todos, inclusive os índios chamam o local de Guaypacaré. Mas os viajantes não sabem  pronunciar direito esse nome.  Com o tempo,  por corruptela, fica  conhecido como Hepacaré, em língua Tupi significando Lugar  das Goiabeiras. Fica  tão conhecido o lugarejo  pelos viajantes que o Capitão-General que ocupa o posto de Governador de São Paulo, Bernardo José de Lorena,  mais tarde elevado a Conde de Sarzedas, baixa  um Decreto em l4 de Novembro de 1788 elevando  o lugarejo à Vila, dando-lhe o nome de Lorena. E a vila é  oficializada como cidade em 24 de abril de 1856  e dez anos depois, no dia 20 de abril de 1866 a cidade torna-se Comarca. Em 1877, com a inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil, passando  pela cidade de Lorena, há  um maior desenvolvimento das culturas cafeeira e canavieira, culturas típicas da época, utilizando  escravos nas fazendas pertencentes a grandes proprietários, situação que começou o seu declínio lento a partir do fim da escravidão em 1888.

 

 

O  Chevrolet 124  sobe  a Rua do Comércio. Passa  em frente  à Igreja Basílica de S.Benedito, com suas duas torres pontudas. Eunildo não deixa  de fazer o sinal da cruz, ao passar por ela, religioso e supersticioso que é...  Ao final da rua, o automóvel contorna  a grande e secular figueira existente  no alto de uma colina, último marco existente na saída da cidade. Em seguida toma  o rumo do  Caminho Novo,  rodovia  de terra e pedrinhas. Eunildo, começa  a cochilar de olhos fechados, passando pela sua mente os acontecimentos de que participou  em Bananal, no dia 28 de maio de 1928... Ele havia chegado a Bananal, última cidade paulista  em direção ao Rio de Janeiro, uns dias antes, a convite da família Alves de Algarve, junto com o seu tio Antunes...

     

 

 

     

           O sobrado dos Alves de Algarve é  de impressionar a quem o vê  pela  primeira vez.  É  a terceira vez  que se hospeda  nesse sobrado, localizado no centro da cidade, bem no meio da Rua Prudente de Moraes, paralela à Rua Comendador Manoel de Aguiar, rua principal da cidade, chamada por todos de Rua do Comércio.

         O sobrado construído em velho estilo português, situa-se no meio de uma chácara, com a extensão de um longo quarteirão. À sua entrada, um muro baixo, com grades na parte de cima, toda artisticamente fundida. Ao meio do terreno, um grande portão de ferro fundido, com duas letras A,  entrelaçadas dentro de um círculo, inicia o caminho que leva ao casarão.  No meio do enorme e florido jardim, cultivado com capricho, o caminho forrado por pequenas pedras abre-se em dois, tendo ao centro um repuxo jorrando água  sobre um tanque redondo de azulejos azuis, contendo peixinhos de um vivo vermelho dourado e algumas plantas aquáticas. O caminho volta a se unir,  e alguns metros à frente, desemboca  na escada   que dá  acesso ao alpendre de entrada no 2º piso, escada de grades  enfeitadas com buquês de flores fundidas no ferro..

            O enorme sobrado tem, na  sua frente, 12 janelas em seus dois andares.  Por dentro, o casarão possui,  no  2º piso, 3 salas, 2 salões, 10 quartos e 2 alcovas, além de cozinha e de 3 banheiros. E no térreo, acomodações para os empregados. Ao lembrar das alcovas, Eunildo parou para refletir a estranheza destes cômodos sem janelas, tendo só porta de entrada, sem ventilação e iluminação direta e natural.   ¾  Como  deve  ser  difícil  dormir  com uma mulher num lugar como este  ¾  pensou ele.  E visualizou mentalmente os quartos, amplos, com camas tão altas que uma criança de 10 anos teria que dar um pulinho para subir nelas. E todas com os quatro pés como se fossem pilastras, segurando no alto  cortinados brancos que desciam pelos quatro  lados, protegendo seus ocupantes dos pernilongos. Ao pensar em crianças, lembrou-se do pomar que existe  atrás e do lado esquerdo do casarão,  até o terreno chegar ao rio Bananal. Maçãs, pêras, jabuticabas, abacates, uvas, bananas, laranjas, todas conviviam  bem no pomar e é a alegria da garotada. Nunca vira tantas  frutas juntas!  É só entrar no pomar  e pegar a fruta no pé, saboreando-a ali mesmo. E, no pomar, sempre se encontravam os moleques das redondezas que aventuravam entrar lá para pegar frutas. E é  realmente uma aventura pois é  constante a dona da casa, dona Nimpha, com seu gênio terrível, correr atrás dos meninos com uma vara de marmelo a estalar em suas pernas...

            Eunildo sorri por baixo do vasto bigode preto ao lembrar-se  dos três dias divertidos, com banhos no rio Bananal. Como foi  gostoso pular dos galhos  das árvores no Poço da Pedra ou no outro poço, distante uns 300 metros deste, o Poço dos Tocos. No outro dia, junto com os amigos que tinha feito na cidade e algumas moçoilas, tinham feito um pic-nic à Cachoeira da Barra, no rio Formoso e à tarde tinham ido tomar outro banho na Cachoeira do Gordo, no rio Barreiro.  Eunildo lembrou-se até da ida ao rio da Paca,  munidos de pás e bateias, a leste de Bananal, onde seus amigos da cidade diziam existir ouro em seu leito arenoso. Não achou nada, nem uma pepita, mas valeu a emoção de sentir-se um garimpeiro como os velhos bandeirantes que se  aventuravam pelo sertão em busca de ouro. Não teve sorte em encontrar ouro, mas seus amigos também não. Voltaram à cidade com os bolsos vazios. ¾ Acho que é mais uma das lendas que os velhos moradores contam em Bananal. Será que alguém já achou alguma pepita de ouro no rio da Paca? Se achou ficou quietinho e não contou nada para ninguém...

      O Chevrolet 124 sacoleja  pela rodovia de terra batida, com cascalho, em direção à Cachoeira Paulista e logo após esta cidade, em uma curva fechada, toma  a direção da Serra da Bocaina, no maciço da Serra do Mar. Até chegar a Bananal haverá  muitas curvas e muito chão a percorrer. Mas a paisagem montanhosa agrada-o  sobremaneira. Eunildo não se incomoda  nem com os sacolejos mais fortes que de vez em quando um buraco na estrada provocava no Chevrolet 124. Os sacolejos embalam seus pensamentos e lembranças...

 

            ... Lembranças do dia 28 de maio de 1928 quando foi inaugurada a rodovia Rio de Janeiro - São Paulo, o antigo  Caminho do Imperador (a partir de agosto de 1822), agora uma estrada melhorada, de terra batida com cascalho, chamada agora de Caminho Novo.  Por essa estrada, em 1822, a cavalo, do Rio de Janeiro até Lorena, percorria-se em  14 dias e de Lorena a São Paulo, em 6 dias. E o primeiro carro a passar por Bananal no  Caminho Novo, foi em 1908, dirigido por um conde francês,  Lesdain.

 

            ¾ Grande festa aquela  ¾  Eunildo começa  a lembrar  ¾  uma das maiores festas que a cidade de Bananal presenciou e participou. Todo mundo com sua melhor roupa, a usada nos domingos de festa. As mulheres com seus vestidos  até a altura dos joelhos, meias brancas 3/4 e sapatos com uma grande fivela quadrada e dourada, além de o costumeiro e charmoso chapéu com fita na cabeça, colocado na cabeça até à altura dos olhos. Só se diferenciavam umas das outras pelo corte e comprimento dos vestidos, a cor dos tecidos e dos chapéus, já que todas com cintos apertando e delineando bem a cintura, como é a moda. Ah! e a bolsa pendurada no ombro direito ou segura por uma das mãos.  E os homens,  elegantes em seus ternos pretos ou cinzas, com gravatas em cima das camisas de linho branco, com um chapéu da mesma cor do terno, tendo uma fita escura circundando toda a base do chapéu, junto à aba, ou o tradicional chapéu de palhinha clara com a fita escura.  Até os guris estavam  em suas melhores roupas, meias soquetes, calça curta até os joelhos e um paletó. E alguns com a gravatinha de duas pontas. E. na cabeça, um gorro caído para a frente, cobrindo a testa. E as donzelas, com seus vestidos rodados, a maioria na cor branca, cor que acentuava a pureza de seus corpos, com fitas cor de rosa claro à cintura, meias e sapatos brancos, além de um chapéu na mesma cor do vestido.

            Todo mundo na sua melhor aparência para presenciar a passagem do presidente da República, Dr. Washington Luiz - cujo lema era  Governar é abrir estradas - e sua enorme comitiva de gente importante. Os notáveis da Primeira República ou República Velha, como diziam as más línguas, estavam presentes:  o vice-presidente Melo Viana, o presidente do Senado Dr. Dino Bueno, o presidente da Câmara dos Deputados Dr. Aguiar Whitaker, o presidente do Tribunal de Justiça Dr. Luiz Aires...

            Diziam presentes, também, autoridades dos Estados de  São Paulo e do Rio de Janeiro: Dr. Júlio Prestes, Governador do Estado de São Paulo; Manoel Duarte, Governador do Estado do Rio de Janeiro; Dr. Fábio Barreto, Secretário do Interior; Dr. Mário Rolim Teles, Secretário da Fazenda; Dr. Sales Júnior, Secretário da Justiça; Dr. Fernando Costa, Secretário da Agricultura; Dr. Oliveira Barros, Secretário da Viação e tantas outras autoridades civis... E, não faltaram as autoridades militares:  General Hastinfilo de Moura, comandante da 2º Região Militar;  Coronel Pedro Dias de Campos, comandante da  Força  Pública  de  São Paulo. Além deles,  lá estavam,  também, dizendo presente, autoridades religiosas. E somando-se a eles, estudantes da cidade, no seu melhor uniforme. Ah! sim, e o povo. Todo mundo vibrando de alegria pela festa de inauguração da nova rodovia.

            A festa começou nas divisas do Estado do Rio com São Paulo - em Pouso Seco - onde aconteceu o cerimonial oficial de interligação dos dois Estados. Após a inauguração da placa comemorativa, todos se dirigiram a Bananal para a festa popular programada.  ¾  O povo ¾  exigira o presidente  ¾  tem que participar e se alegrar. ¾ E essa alegria era musicada: Bandas de músicas de várias cidades, Bananal, Resende e Barra Mansa tocavam a pleno pulmões e músculos seus instrumentos estridentes.

            Da multidão, aglomerada na Rua do Comércio, da ponte sobre o rio Bananal até o largo  da  Praça da Matriz,  subia um murmúrio constante. E mais alto subiam os rojões, estourando nas alturas. Todos mantinham um sorriso constante no rosto e os olhos se extasiavam com o movimento dantes nunca visto na cidade. Palmas eram freqüentes aos cavaleiros que desfilavam imponentes em pose marcial em seus uniformes de gala. O povo aplaudia alegre a passagem do pelotão de soldados em seus belos cavalos do 1º Regimento de Cavalaria e aplaudia em seguida o desfilar cadenciado e marcante do outro pelotão do 1º Batalhão, da Força Pública de São Paulo. Das sacadas dos sobrados da Rua do Comércio, pétalas de rosas eram jogadas sobre os soldados. O grupo mais entusiasmado estava nas sacadas da Pharmacia Popular, no número 156, farmácia inaugurada em 1830, no Brasil Império, pelo francês Tourin Mormier que foi seu dono por 30 anos. Nas sacadas dos prédios da Praça outros grupos aplaudiam...

           E outro grupo mais animado estava nas sacadas do Hotel Luso-Brasileiro, no número 42, hotel que tinha na porta de entrada uma placa de metal onde se lia:

     ON PARLE FRANÇAIS,  ENGLISH SPOKEN HERE,

       MAN SPRICHT DEUTSCH,   SE HABLA ESPAÑOL,

    SE  PARLA  ITALIANO,  FALA-SE PORTUGUÊS.

          Na Praça da Matriz, em frente à igreja  do Senhor Bom Jesus do Livramento, quando o relógio da torre da esquerda marcava 11 horas e 15 minutos, o presidente e sua comitiva pararam para o cerimonial popular de inauguração: discursos e foguetes. ¾  Se o povo gosta de festa e barulho, então dê-lhe festa e barulho  ¾  era a opinião do presidente...

            A manhã estava terminando quando os numerosos carros com as autoridades, passando pelo Hotel Chinês, em frente à Santa Casa, entrando no Largo do Rosário, antigo local do cemitério dos índios Guaianis, deixaram Bananal em direção ao  Clube dos 200, para ao almoço.

            Eunildo, em seus devaneios mentais lembrou até da comida servida pelas inúmeras netas de mucamas, serviçais no Clube, descendentes dos escravos que trabalharam nos grandes cafezais da região. Sentiu água na boca ao lembrar dos doces  e biscoitos deliciosos que saboreou após o almoço, enquanto tomava um café brasileiro tipo exportação, feito somente das folhas do topo do pé de café. Isso sim é que é café!  Enquanto sentia na boca a lembrança dos petiscos saboreados naquele almoço, relembrou a continuação da viagem, acompanhando a comitiva presidencial, junto ao seu tio Antunes.

            Em todas as cidades da região - São José do Barreiro, Areias, Silveiras, Cachoeira Paulista - havia uma pequena parada para o povo homenagear o presidente e autoridades. E, sempre, havia discursos elogiosos ao presidente, pelos políticos de plantão em cada cidade que não poderiam deixar passar a oportunidade de se projetarem perante o povo...

            A noite já estava com a lua quase no alto do céu, quando a comitiva chegou a Lorena. Todos da comitiva do presidente participaram do banquete oferecido nos salões do Solar dos Azevedo, oferecido pelo Dr. Arnolfo de Azevedo e esposa. Estava presente D. Odila Rodrigues, sua irmã, chamada carinhosamente por todos de Dona Fiúta ou  Vovó  Fiúta, muito admirada pela dedicação esmerada que tinha à educação do povo.   O banquete terminou com o raiar do sol, quando a Comitiva do presidente  retornou para o Rio de Janeiro, a capital  federal e os paulistas para São Paulo.

            ¾  Grande festa!  Grande festa!  ¾  Eunildo encerra  as suas lembranças, despertado pela fala de seu irmão:

            ¾  Hei mano, vamos parar em Silveiras para comer alguma coisa?  ¾  indaga  Celio ao irmão, tirando-o de seus pensamentos.  ¾  Só se for um café bem forte, pois  ainda não fiz bem a digestão.  ¾  Está bem  ¾  conclui Celio enquanto  dirige  o Chevrolet 124 pela estrada de terra batida. Pelos seus cálculos, mais uns minutos e avistaria a torre da igreja de Silveiras, em cima de um morro, e em seguida a cidade à beira da estrada...

            Eunildo ajeita-se no banco do carro, aprumando a espinha pois já está  começando a sentir umas pontadas de dor nas costas devido à postura inadequada.  Puxa um cigarro enquanto  aprecia a nudez da modelo Yolanda estampada no maço.  ¾  Essa Yolanda numa cama deve levar um homem a desejá-la a noite inteira...¾ pensa ele.  Depois de saborear o sabor do cigarro perfumado em longas inspirações, sonhando acordado e excitado com  a imagem que fez fazendo amor  com a Yolanda,  nua na cama com ele, jogou o toco do cigarro pela janela, tendo o cuidado de jogá-lo na estrada de terra, para o toco não cair  no mato e iniciar algum incêndio.

            ¾ Essa cidade de Silveiras que vamos chegar daqui a pouco tem,  em sua história,  algumas coisas interessantes...

            Eunildo começa a contar  a seu irmão:

            ¾ ... li em algum lugar, na biblioteca do tio Antunes, que Silveiras surgiu lá por volta de 1778 quando esta estrada era ainda uma trilha usada por índios e aventureiros. Aqui perto tinha uma trilha, a Trilha dos Guaianás  e por ela vinha das Minas Gerais o ouro, através da Serra da Mantiqueira, passando pela Garganta do Embaú, que fica logo após Cachoeira Paulista. Daí seguia pelo Paraíba até o porto de Guaypacaré, hoje Lorena e, em seguida, até Guaratinguetá. Depois seguia por terra para Cunha, descendo a serra do Mar até Paraty. E dali até o Rio de Janeiro ia de navio, seguindo depois para Portugal. Como aconteciam muitos ataques de piratas roubando o ouro, entre Paraty e o Rio, resolveram abrir um caminho que fosse por terra até o Rio de Janeiro. E, foi assim que abriram este caminho, hoje uma estrada melhorada. E por este caminho passavam tropeiros e soldados que protegiam o ouro. E onde está Silveiras, era um local de parada e pouso para os que vinham da serra das Minas Gerais. Surgiu uma pequena capela rodeada de folhas de pita. Conta-se que uma mulher - uma tal de Maria Mota e seus filhos - rezavam o terço todas as tardes para N.Senhora da Conceição, isso nos primeiros tempos da Vila.

            ¾ Com a capelinha ¾  Eunildo continua a contar ¾  algumas casas de sapé foram sendo levantadas à sua volta. Com o passar dos anos, o lugarejo foi crescendo. Os primeiros moradores possuíam  sobrenomes  ainda  conhecidos  hoje:  os  Silveiras, os Guedes, os Castros, os Rodrigues, os Abreus, os Ferreiras, os Ramos.  Os irmãos Silveiras, com o movimento dos tropeiros no caminho, ergueram um grande rancho, com a ajuda dos seus escravos e índios e começaram a plantar alimentos. Nesse grande rancho os viajantes encontravam boa comida e pousada, além de um tanque natural no riacho ao lado para se refrescarem. E esses viajantes se referiam ao local como o Rancho dos Silveiras. Daí para o nome da cidade é fácil concluir...

            ¾  Sabe outra coisa interessante sobre Silveiras? ¾  indaga Eunildo.  Celio, concentrado na estrada e desviando-se dos inúmeros buracos, responde  com um balanço da cabeça. ¾  Dizem que em 1822 o Príncipe D.Pedro, em sua viagem histórica a São Paulo, a mesma que o levou a dar o famoso grito  de Independência ou Morte, ao lado do riacho Ipiranga em São Paulo, parou o seu cavalo em frente à casa de um tal de Antônio Pinto da Silveira, apeou-se, sentou em um canapé, esticou as pernas e tomou um copo de garapa coada. Esse Príncipe almoçou em Silveiras, foi jantar em Cachoeira Paulista e passou a noite em Lorena. Ao entrar em Lorena ele fez um pequeno descanso embaixo de uma frondosa figueira, a mesma que circundamos ao sair da cidade hoje. E, nesse descanso, chegou a gravar suas iniciais no tronco daquela árvore. Sempre deixando a sua marca por onde passava...

            ¾  Esse Príncipe deixava suas marcas em todo lugar, não? ¾  reage  Celio, saindo do seu mutismo.

            ¾  Realmente, mas ele preferia deixar suas marcas nas mulheres...

            Eunildo e Celio riem. E  Eunildo continua a descrição das curiosidades de Silveiras, cuja torre da igreja já era vista ao longe:

            ¾  Outra coisa que se conta sobre Silveiras é que passou por aqui um engenheiro alemão quando ela ainda era uma vila e traçou as ruas da  cidade que se formava. Isso é conjetura, mas como explicar que as três praças da cidade têm as mesmas medidas, formando retângulos exatamente iguais? E como explicar que as quatro ruas transversais são exatamente do mesmo comprimento e colocadas geometricamente de tal modo que dão  a impressão de que foram traçadas antes no papel?

            O Chevrolet 124  atravessa pelo largo do Chafariz, logo após ter passado pela Santa Casa de Misericórdia, quando Celio comenta:

            ¾  Mas quem veio após esse alemão não gostava de coisas retas, pois as duas ruas grandes, se não me engano, são tortas e desalinhadas.

            ¾  Você tem razão, irmão. Duas ruas são tortas enquanto as outras são alinhadíssimas. Entra ali, Celio, naquela rua. Acho que tem um lugar lá na frente para tomarmos um gostoso café caipira. ¾ O Chevrolet 124 entra  na rua da Tijuca e um quarteirão à frente, logo após passar pelo Salão de Bailes do Sodero, anunciado em vistosa placa, estaciona  em frente à Casa Abreu, um misto de casa de secos & molhados  e restaurante.

            A parada é  curta.  É  o tempo de apreciarem o sabor do puro café colhido na região, fervido na hora em fogão a lenha e adoçado com rapadura. Mas deu tempo de trocarem alguns olhares compridos e marotos com três bonitas moças que entraram na Casa Abreu. E Eunildo não deixou de observar que apesar de na cidade já haver luz elétrica produzida por usina, desde 1921, ainda se vendia e era muito usado na região ¾  segundo lhe contara o dono da casa depois que  ele perguntou ¾  o azeite para candeeiros, feito de mamona, fácil de plantar e colher.  Após o café, tomam o rumo da Rua da Palha, passam em frente ao campo de futebol dos Silveiras, onde uma placa de madeira anuncia : Fundado em 1921¾ , e rumam para o norte...

            Ao saírem de Silveiras, em direção a Bananal, Eunildo comenta:

            ¾ Nessas histórias que contam sobre Silveiras, há uma outra interessante. Aqui existe um bairro chamado Tijuca. Por volta de 1850 era muito movimentado pelos tropeiros viajantes, isso porque havia bons ranchos de pousada e alguns deles tinham  palco com dançarinas permanentes.

            ¾ Esses ranchos com dançarinas em 1850 podem ter sido os verdadeiros precursores dos cabarés que temos em São Paulo  ¾  comenta  Celio, desviando-se de uma tropa  de burros carregando grandes balaios cheios de  espigas de milho, pendurados no lombo dos animais, um de cada lado.

             ¾  E, sabe da  maior, Celio?  Silveiras, por volta de 1880, na época do apogeu da aristocracia do café que existiu nesta região, tinha um teatro em forma de ferradura, com 300 lugares na plateia. Conta-se que quando a princesa Isabel visitou a cidade, estava se apresentando no teatro uma Companhia Teatral Francesa. E os espetáculos eram aos sábados e domingos, sempre com a casa cheia.

            ¾ Esta cidade deve ter bons bailes dominicais, pois vi duas placas anunciando  Chá dançante no domingo, uma no Salão do Sodero e outra no Salão dos Rodrigues.

            Eunildo não responde  pois tragava a fumaça do cigarro Yolanda que segurava com a mão esquerda e se distraía vendo a paisagem montanhosa da região, enquanto torcia a ponta do bigode com a mão direita e entrava em  devaneios...

            ... alguma coisa o  tinha feito lembrar-se da desilusão que teve com a polaca Julika com quem saiu algumas vezes em São Paulo e estava se apegando afetivamente. A raiva  atingiu seus pensamentos: ¾  Que mulher rameira! Só tem  pose e estampa, com seu corpo bonito de mulher jovem de 23 anos, o que me  havia atraído, além  de algo misterioso por ser estrangeira, diferente das brasileiras que conheço...  Demorei para descobrir que além do verniz superficial de uma pseudo-cultura mais desenvolvida do que a brasileira, ela não tinha nada  como pessoa humana, completamente vazia...   E  a danada era  tão vazia,  interesseira e leviana, que na última discussão me jogou na cara que o que ela queria mesmo era um homem rico e como não sou rico estava me jogando fora... ¾  E Eunildo encerrou seus devaneios e sua raiva:  ¾  foi ótimo eu ter me desiludido, pois a desilusão  me fez abrir os olhos saindo da ilusão que estava com ela...fazendo morrer de vez o sentimento que  estava sentindo...

            Quando saiam de Silveiras, Eunildo deixa  o seu  mutismo  e devaneios e  volta  a falar:

            ¾  Aqui à esquerda de Silveiras existe outra cidade, chamada Queluz, do lado direito do rio Paraíba, com sua bonita igreja no alto do morro...

 

           A igreja de Queluz tem uma imagem do padroeiro da cidade,  São João Batista,  trazida em 1870 direto de Portugal. O interessante, Celio, é que essa cidade primitivamente, por volta de 1800, era uma aldeia de índios Puris. O então governador de São Paulo para tentar  civilizar  esses índios, criou ali uma aldeia  que chegou a ser vila em 1842 e município em 1876.

            ¾ Outra curiosidade é que o nome Queluz  é o nome do solar onde nasceu D.Pedro I, por isso o governador fez uma discreta homenagem à família real...  E à direita, no meio  da serra,  está a cidade de Cunha. A próxima cidadezinha que vamos chegar daqui uns 18 km,  Celio, é Areias.  

            ¾  Essa cidade de Areias  surgiu logo após a construção deste caminho. Areias  já foi grande produtor de café,  sendo em 1854 o segundo maior produtor de café de São Paulo, depois de Bananal. 

E antes de Bananal, Celio, vamos encontrar São José do Barreiro. Essa cidadezinha, na época do apogeu do café, tinha belas residências dos senhores do café que ainda hoje podemos apreciar...

 

            Trocando de tempos em tempos, cada um dirigindo um pouco, chegam ao destino, nesse dia.  A noite já vinha caindo no pequeno vale no alto da serra, entre Formoso e São José do Barreiro, onde está localizado o hotel  e  restaurante   Clube  dos  200, quando o  Chevrolet  124 entra resfolegando no estacionamento em forma de meio círculo.  Uma boa noite de sono os fará descansar da longa viagem. Após o jantar, o cansaço os fez dormir logo e não pensarem muito no conteúdo das duas caixas de metal, da maleta de couro e do envelope, escondidos no carro e o que teriam que fazer no dia seguinte, em Bananal...

 

 Capítulo  2  

      O Brasil, desde o Império, mantém  o equilíbrio no poder alternando a presidência entre os dois Estados de maior força: São Paulo e Minas  Gerais.  É o regime café com leite.  Os outros Estados, como o Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, contentam-se com a vice-presidência. Somente quando os Estados donos do poder não se entendem, a presidência é assumida por outro, como é o caso do paraibano Epitácio Pessoa, em 1919, presidente eleito entre o paulista Rodrigues Alves e o mineiro Artur Bernardes.

           Em 15 de Novembro de 1926 é eleito para presidente da República  Washington Luiz Pereira de Souza. Seu lema de governo era "Governar é abrir estradas" e realiza muito, pelo país, com seu Programa Rodoviário. Seu governo diminui a dívida externa e impõe moralidade administrativa. Apesar de suas realizações surgem muitas insatisfações com seu governo na área militar e política, em especial dos Governadores Getulio Vargas, do Rio Grande do Sul, Antônio Carlos de Minas Gerais e de João Pessoa, Governador da Paraíba, apoiados pelas classes média e de outros setores da sociedade.

            Pelo rodízio da política café com leite é  agora a vez de Minas Gerais assumir a Presidência da República e o candidato é seu governador, Antônio Carlos.  Mas Washington Luiz muda as regras, escolhendo  como candidato o governador  de São Paulo, Júlio Prestes, porque quer com isso, garantir um sucessor que continue  suas ações e programas de governo, em especial na área econômica. O governo controla de tal modo as eleições que é  praticamente impossível vencer os seus candidatos.

            Antônio Carlos  não abre mão de Minas assumir a presidência: Se o próximo presidente não for mineiro, não o será, paulista!   Por isso, os enviados de Antônio Carlos ao Rio Grande propõem: o próximo presidente pode ser gaúcho, no caso, Getulio Vargas.  Está  lançada a candidatura a presidente de Getulio Vargas, sendo seu vice, João Pessoa, da Paraíba. Com isso, aumenta a confrontação política  com o presidente Washington  Luiz.  A situação política é agravada  pela situação socioeconômica do país , reflexo da queda da economia mundial em outubro de 1929, afetando todos os setores econômicos do país, de modo catastrófico: em dezembro há  400.000 desempregados na cidade de São Paulo e 2 milhões no país.

            Está  chegando ao fim, com essa crise, o sistema socioeconômico cujo  alicerce é  a monocultura do café. O café é  o principal  produto de exportação do país, representando 60% das exportações, com 1 bilhão e 550 milhões de pés de café plantados. O Brasil controla  metade do mercado de café no mundo. Desde o Império os barões - ou coronéis -  do café, paulistas e mineiros, uma elite agrária e econômica ocupam  os principais postos de comando do país - com seus filhos, genros ou netos - alternando-se no poder, mantidos pelo Partido Republicano. Em São Paulo, esse Partido domina sozinho o ambiente político. Os únicos setores que aceitam pessoas não oriundas das classes  dominantes são  o Exército e a Igreja.

E muitos dos barões do café já dominam indústrias porque investiram, além de outros recursos,  o dinheiro que durante a  Primeira Guerra, de 1914 a 1919, não puderam gastar viajando com a família para a Europa. E novos imigrantes empreendedores, de várias nacionalidades,  também  fazem surgir novas indústrias, pequenas e médias.  Florescem novas indústrias e o comércio é fortalecido. De 6.000 indústrias em 1914 passa-se para mais de 20.000 em 1929. E começa  a fortalecer-se, também, o espírito classista dos industriais.

         A industrialização do país, em especial de São Paulo, traz uma maior concentração urbana da população, progresso material e novos movimentos sociais e trabalhistas, com encontros e debates de ideias novas, emergentes, ajudados pelos novos jornais que são fundados.   Ideias novas como a jornada de 8 horas, já existentes em outros países,  o  que agita  o  operariado  que  trabalha   12  horas  diárias, inclusive 6 horas no domingo, e também, férias remuneradas.  Apesar desse progresso, há  desemprego, fazendo a classe média, em especial, diminuir o seu nível social, além de descontentamento na classe operária que junto com a classe média não veem mudanças acontecerem para melhorarem as suas vidas. Essa insatisfação provoca frequentes  movimentos sociais e trabalhistas, como as greves, violentamente reprimidas pela polícia.  A população anseia  por mudanças políticas, sociais e econômicas, mudanças que melhorem suas vidas.

           A crise mundial de 1929 faz o café  despencar em seu valor econômico e com essa queda,  diminuir o poder das classes até então dominantes no cenário nacional.  Novas classes surgem para assumir o poder, os militares, os industriais e a classe média, que querem fazer-se ouvir e participar  ativamente no que acontece no país.  Os problemas sociais e políticos se agravam e todos querem encontrar uma  saída: mudanças em tudo o que pode  ser mudado.  Mas Washington Luiz não faz as mudanças esperadas por todos, agindo com poder e rigidez, fazendo desencadear a Revolução de 1930.

            Em 1º de Março de 1930  são realizadas as eleições e Júlio Prestes obtém vitória com 1,1 milhão de votos, enquanto Getulio Vargas obtém  737.000 votos.  ¾ Houve fraude! ¾  foi a reação da Aliança Liberal. E o Governo, também, achou que houve fraude pois em São Paulo Getulio Vargas teve surpreendente votação e no Rio Grande do Sul  99% compareceram às urnas, votando maciçamente em Getulio Vargas.  O Congresso reconhece Júlio Prestes como o novo presidente eleito, aclamado em 22 de maio.

            Getulio Vargas, em 1º de julho, lança Manifesto denunciando a eleição e agredindo o novo presidente. E, para piorar, em 26 de julho João Pessoa é assassinado, por motivos pessoais, em uma confeitaria no Recife.  Os  motivos pessoais  logo são transformados em políticos e o morto transformado em vítima do governo. No Congresso, na capital federal, no Rio de Janeiro, o grito que se ouve  é:  ¾ Presidente da República, o que fizeste do Presidente da Paraíba? 

 

¾  O assassinato de João Pessoa mobiliza toda a oposição e faz detonar o movimento

 militar.  

      

 

 

 

             No dia 3 de outubro de 1930 explode o movimento contra o presidente Washington Luiz,  primeiramente no Rio Grande do Sul, seguido de  Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba. Na maioria das cidades o povo aceita  o movimento como uma nova esperança para um novo tempo. No dia 12 em Ponta Grossa, Paraná, Getulio Vargas assume o comando militar dos revolucionários que, de trem, se dirigem para o Rio de Janeiro. Getulio Vargas com Estado-Maior chega em Curitiba, 20 outubro 1930. Tropas mandadas contra os batalhões revolucionários passam-se para o lado deles...

 

                Em 31 de outubro de 1930 a Junta Militar dos generais Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e do almirante Isaias de Noronha, entrega o poder a Getulio Vargas que oficialmente é  empossado a 3 de novembro como presidente, em caráter provisório.

          As vozes contrárias a Getulio Vargas, que exigem sejam  determinados os limites de seu governo  provisório são silenciadas ou ignoradas. Getulio, desde o começo, mostra  que o movimento revolucionário que comandou era uma catástrofe para o país, pois incentiva os aventureiros audaciosos e, desse modo,  decepciona todos que para ele cooperaram com sadias intenções patrióticas. O decantado programa da Aliança Liberal fica como letra morta, após a vitória da sua pregação, pois as intenções são  desfiguradas...

         O poder, tradicionalmente nas mãos de paulistas e mineiros, é  agora ocupado por um gaúcho, pela força de decisão dos generais e pela força das tropas  que envergando o uniforme rebelde, com lenço vermelho e chapéu gaúcho fazem nascer  a República Nova. Ao assumir, Getúlio imediatamente suspende a Constituição de 1891, dissolve o Congresso Nacional e nomeia  interventores federais para substituir todos os governadores e assume,  por decreto,  poderes ilimitados de governo.  E valoriza  as Forças Armadas, em especial os  tenentes que o ajudaram na revolução de 3 de outubro...

 

    Morre  a República Velha e com ela o poder  do  Partido Republicano,  fazendo diminuir a força dos  seus correligionários, os perrepistas.  Os vitoriosos do Getulio são  chamados de tenentes e estes sabem, em São Paulo o que querem:  tirar do poder os  membros do PRP - Partido Republicano Paulista  que desde 1894 mandam no poder  no Estado. E conseguem isso fazendo mudanças nos altos escalões do Governo, censurando a imprensa, fazendo maior controle das ruas, evitando manifestações operárias, fazendo vigilância sobre Clubes e outras sociedades... Os olhos e ouvidos dos tenentes e dos vitoriosos de Getulio são os membros do Clube Três de Outubro e a Legião Revolucionária, recém-criados,  "policiando governo, povo, economia, ruas e quartéis da Força Pública. E fundam o PPP - Partido Popular Paulista para agrupar esse contingente  defensor de 1930. E nas gráficas do governo estadual imprimem o jornal  O Tempo, seu porta-voz. Nenhuma medida para reativar a vida econômica - com toda a sua riqueza, São Paulo arranje-se sozinho! Determinadas produções são limitadas para enfraquecer o poderio econômico do Estado".

         São Paulo passa a ser uma  terra conquistada pelos revolucionários de Getulio Vargas, representados por  Miguel Costa e João Alberto. O  general Miguel Costa é  colocado por Getulio  sobre todos as forças militares, criando acima do comando geral da Força Pública, uma Inspetoria e colocou em postos de comando, capitães e tenentes revolucionários do Exército. É um modo de minar as forças militares paulistas... E o pernambucano João Alberto em suas funções, de delegado militar, na realidade, é  o interventor político de Getulio em São Paulo, o que é  confirmado  em 25 de novembro quando o delegado é transformado em interventor...

                Em 25 de Janeiro de 1932, dia do aniversário da fundação de São Paulo, uma multidão comparece ao Largo da Sé, convocada pela Liga de Defesa Paulista, para manifestar sua vontade de libertação da terra paulista. A forte chuva que cai não dispersa  a multidão, que entre um orador e outro grita:     ¾  São Paulo para os paulistas.         

            Esse grande comício é  um aviso para o Getulio. O jornal carioca  Correio da Manhã  entende o recado e publica  em 26 de Janeiro:

“São Paulo esperou demasiadamente... Não há duas maneiras de encarar a situação paulista: ela é clara e tem a virtude de constituir um aviso, com a vantagem, a um tempo, da eloquência e da antecedência”.

            Mas , em São Paulo, os representantes de Getulio não compreendem o sentido da reação cívica do povo paulista. Convocado por Góes Monteiro, os tenentes reúnem-se nos Campos Elíseos para analisar a situação e concluem: São Paulo quer separar-se do Brasil. Góes Monteiro ordena ações para coibir isso.

           As nuvens da tempestade aumentam  sobre São Paulo...

 

    O dia 21 de Janeiro de 1932 amanhece com um sol radiante. Atrás dos morros de formas arredondadas pela erosão dos ventos e chuvas, surge a luz solar tingindo, no início, as nuvens esparsas, de um tênue dourado. O céu, de um azulado escuro, vai clareando devagar e mudando para alaranjado, até ter todo o firmamento iluminado pela luz que dá vida ao planeta Terra.

        Os passarinhos, em alegre algazarra sonora, anunciam o novo dia que promete  ser ensolarado e quente. No pomar do Clube dos 200, nas bananeiras com vários cachos de banana madura, os pássaros fazem a festa, se deliciando com as chamadas bananas de macaco (Montrichardia arborescens), açucarada, sem filamentos, contendo em sua polpa grãozinhos escuros, bananas típicas da região. Os bem-te-vis são os mais barulhentos e seu canto característico faz coro com o barulho do rio encachoeirado que passa nos fundos do Clube dos 200...

            ...Clube inaugurado em 24/3/1928 com a presença do Presidente da República, Dr. Washington Luiz e do governador do Estado de São Paulo, Júlio Prestes. O Clube, com um grande prédio térreo em forma de T, foi construído pelo presidente para abrigar políticos que desejassem sair um pouco da agitação da capital federal, o Rio de Janeiro. Funciona como uma espécie de Clube Prive para políticos, industriais e fazendeiros influentes e endinheirados.

            O sol já caminha alto no céu quando Celio e Eunildo aparecem na sala de café. O cansaço do dia anterior está  visível nos seus rostos. Sentam-se no amplo salão de refeições do Clube, perto de uma janela, de onde olham, de vez em quando, para o Chevrolet 124 no estacionamento. Mais algumas horas e estariam livres do encargo que seu tio Antunes lhes responsabilizara. 

            Tomam um lauto café, com frutas e o delicioso café com leite feito no Clube dos 200.

            - Nunca tomei um café com leite tão gostoso como este servido aqui no Clube.  - comenta  o irmão mais moço.

            - Como dizem os americanos,  So do I, eu também  - assente Eunildo. - E este pão, então? Que delícia que é, parece crocante! - Eunildo, sempre curioso, chama a distinta senhora que servira o café e pergunta do que era feito o pão. A senhora dá-lhe uma aula:

            - Esse pão é 80% igual aos outros, mas tem 20% de diferença. Ele tem 20% de farelo de arroz, misturado na massa de trigo. Meses atrás hospedou-se aqui no Clube uma jovem senhora, de personalidade marcante e nome diferente. Dona Delza, como era chamada, muito alegre e entusiasta pelas coisas da vida, contagiou a todos nós com sua alegria de viver feliz e em harmonia consigo mesma, com a natureza e com os outros.  - Procuro estar em harmonia com o Universo - dizia ela. E essa jovem senhora deixou para todos nós algo muito especial. Nos dias que passou hospedada aqui ela nos ensinou, especialmente ao nosso cozinheiro, a importância de nós nos alimentarmos melhor para termos uma melhor saúde. E o algo especial que contagiou o cozinheiro é o uso da casca interna do arroz, chamada de "película", retirada quando do beneficiamento do arroz. Essa película é muito rica em tiamina ou vitamina B1. E, quando falta tiamina em nossa alimentação, especialmente se comermos arroz branco  beneficiado, nós sofremos de Beribéri, aquela doença que os navegadores  antigos sofriam quando faziam longas travessias marítimas. A Beribéri provoca em nós dores musculares e nas articulações, paralisia e adormecimento de partes do corpo, edema progressivo, inflamação dos nervos afetando o raciocínio, edema nas pernas, alteração das suprarrenais e insuficiência cardíaca. E, o mais interessante, é que quando falta tiamina na nossa alimentação, o intestino não funciona direito porque a beribéri ataca principalmente os intestinos. E quando os intestinos não funcionam direito o sangue fica grosso e sujo, provocando distúrbios do sistema nervoso. Com isso, o raciocínio fica lento. Quando você come tiamina, como é o caso do farelo de arroz no pão, no bolo ou em outros alimentos, ou come arroz integral em vez do arroz beneficiado, seus intestinos funcionam melhor. Com isso você tem maior agilidade mental. E o seu corpo, com a melhoria do sistema nervoso e do seu sangue, funciona todo bem melhor... Por tudo isso, o meu amigo cozinheiro se entusiasmou e resolveu ajudar as autoridades, industriais e grandes fazendeiros que se hospedam freqüentemente aqui no nosso Clube dos 200. Enquanto eles estão hospedados aqui vão comer pão enriquecido com farelo, bolo enriquecido com farelo e outras coisas que ele faz na cozinha. Ele acha que é a contribuição dele ao bom funcionamento dos intestinos e dos cérebros da República. E, quando os cérebros das autoridades funcionam melhor, logicamente o país funcionará melhor... - E a senhora encerra sua explicação com a pergunta: - Os senhores estão bem servidos? Desejam mais café, frutas ou pão enriquecido com farelo? - E, enquanto falava pão enriquecido com farelo sorri feliz aos dois hóspedes. O sorriso contagia seus olhos,  resplandecendo o seu rosto inteiro. Parece  muito feliz de sua missão. Ela se acha parte, figurante, da missão que atribui ao seu amigo cozinheiro... E sorri, esperando a resposta dos hóspedes...

            Eunildo e Celio, muito educados como convém  a hóspedes especiais que portam carteirinhas de sócios do Clube dos 200, sorriem à senhora, agradecendo o bom atendimento e solicitando um pouco mais de café com leite e mais algumas fatias do delicioso pão enriquecido com farelo... A senhora se afasta para providenciar o pedido. Os dois irmãos se entreolham. Celio, o mais jovem deles, toma a palavra:

            - Que aula que essa senhora nos deu, hein mano? Interessante a empolgação com que ela fala sobre os resultados do farelo de arroz na saúde. E achei interessante a relação que ela fez sobre o bom funcionamento dos intestinos e a agilidade mental.

            - Você tem razão, mano. E o que mais me impressionou foi constatar a erudição que ela possui sobre coisas fundamentais em nossa vida e que a maioria do povo desconhece, inclusive nós dois, representantes das classes dominantes deste país. Nós temos ainda muito o que aprender, muito mesmo! Viva e aprenda sempre, não?

            A senhora traz o café com leite e o pão enriquecido com farelo. Os irmãos se deliciam de novo com o sabor do pão e do café...

            Depois de pagarem a conta, pegam o Chevrolet 124 e iniciam  a viagem.  - Próxima parada - brincou Celio, com seu largo sorriso, - Bananal,  na chácara dos Alves de Algarve... - Desta vez Eunildo senta-se na direção do Chevrolet enquanto Celio vai lendo as notícias da semana anterior ocorridas em Bananal, estampadas no jornal O Progresso, que ganhara na recepção do Clube dos 200...

 

 

 

  

 

 

       A Serra das Perobeiras é um espigão entre os rios Paca Grande e o rio Mambucaba. É coberta de densa floresta com altas árvores de peroba, canela,  jacarandá, graúna, sucupira, cedro, quaresmeiras, ipês, surinãs e outras árvores nativas da região nordeste do Estado de São Paulo. A terceira lombada de morros, o morro Formoso, marca com sua altura o limite com o Estado do Rio. Da ramificação oriental da serra das Perobeiras avista-se Bananal ao longe. Entre os morros de contornos arredondados da Serra das Perobeiras, alguns vales  luminosos com lagoas, rios e campinas ótimas para pastagens de gado. Um paraíso intacto da natureza. Os pássaros cantam  alegres nesse paraíso de florestas. O sol estende os seus raios dourados pelas folhas em galhos abertos para o alto como braços em prece e saudação à Vida. Os raios luminosos iluminam o chão. O mato rasteiro, baixo, cobre alguns pedaços aqui e outros ali, entre uma moita e outra de frutinhas silvestres, alimento dos pássaros e animais. O barulho da água do Córrego dos Coelhos, encachoeirado, envolve o barulho das folhas balançando e o cantar dos pássaros.

            De repente, o cantar dos pássaros cessa. Um silêncio toma conta da mata. Os pássaros pressentem alguma coisa que quebrava o ritmo normal da natureza. Um cano de espingarda surge atrás de uma árvore, lentamente. Uns metros à direita, surge outro, sem fazer barulho. E mais três canos de espingarda aparecem atrás de outras árvores. Os cinco homens avançam sorrateiramente e devagar, tomando cuidado para não fazerem barulho ao pisarem no chão,  evitando especialmente os galhos secos. Os cinco avançam em formação de semicírculo. Mochilas às costas, bonés verdes com dois A entrelaçados, desenhados com feltro amarelo à frente dos bonés, botas de cano curto e cartucheiras na cintura, somadas às roupas civis, indicam a um bom observador que não são  militares em treinamento, apesar de dois deles serem oficiais da Força Pública, recém-formados. Gozam de merecidas férias...

            São  jovens na aparência, mas mostram que sabem o que estão fazendo, agindo com grande segurança no mato e no empunhar das espingardas. Mal sabem eles que essa experiência que possuem e essa brincadeira que fazem em alguns fins de semana ou, como agora, nas férias, caçando animais na grande terra com florestas, que vai de Bananal a Angra dos Reis e que pertence à sua família, Alves de Algarve, conhecida como Duplo A, será  de grande serventia na Revolução que está se aproximando como uma tempestade... Robson, o mais velho dos 5 irmãos ali presentes, avança atrás de uma moita e levanta o braço esquerdo. É o sinal para os outro quatro, Raymundo, Rogério, Reinaldo e Rodrigo, pararem. Ficam atentos e procuram olhar na direção que o irmão indicava. Veem à beira do riacho, bebendo água, dois gordos coelhos. A primazia dos tiros será dos caçulas. A um sinal, dois tiros certeiros atingem suas cabeças. Os irmãos já tem  carne para o churrasco no almoço e no jantar.

            Algazarra geral. Gritando IURRÚ e dando urros de alegria, correm em direção ao riacho. Os pássaros se assustam com os tiros e, em bandos, alçam vôo para longe. Os 5 irmãos retornam ao caminho por onde tinham vindo. Rodrigo e Rogério, os mais jovens deles, carregam, cada um, um coelho seguro pelos pés.

            - Você está ótimo de mira, hein irmão? - diz Robson para o caçula do grupo, Rodrigo, um rapaz forte no esplendor dos seus 18 anos incompletos.

            - É que ele está treinando tiro ao alvo lá no fundo de nossa casa, na curva do rio.

            - Mas ele é bom mesmo, Raymundo!

            - Hei, eu também não recebo elogios? - reage Rogério, o irmão acima do caçula, com 21 anos e largo sorriso, como característica  pessoal - eu acertei o outro coelho bem na cabeça! - completou.

            - Ora, você não precisa de elogios  - diz o mais velho, com 25 anos. - Nós sabemos a boa mira que possui. - E, enquanto fala, puxa a aba do boné do irmão, cobrindo seus olhos, enquanto lhe dá um abraço com o braço direito. 

              E conversando sobre mira e tiros, andam mais de uma hora pela mata, atravessando o pequeno vale, chegando à cabana que haviam construído há uns anos atrás, com troncos de árvores, no meio da grande floresta. Localizada em uma clareira natural, perto de água corrente, a cabana fica no fim de uma picada na floresta, aberta a facão, ligando-a até a Estrada Geral de Bananal, estrada que sai da cidade pela Rua do Fogo, atrás da igreja matriz.

            De forma quadrada, coberta de sapé e com uma janela e uma porta feitas de tábuas, a cabana abriga bem 7 pessoas. Em um canto, um fogão a lenha com grade de ferro para se fazer churrasco. Ao lado, uma pia com água corrente que vem de uma nascente ali perto, canalizada até a cabana em bambus gigantes, furados nos nódulos a ferro em brasa. Fora da cabana, uma fossa cercada de bambus e coberta de sapé serve de banheiro. Pendurada ao lado da cabana, uma lata de banha, toda cheia de furos ao fundo, faz escorrer água que vem pela canalização de bambu, como se fosse um chuveiro natural. Atrás da cabana, um cercado de bambus grossos abriga cinco cavalos.

            Os irmãos estão acabando de saborear o coelho assado e a farofa frita que fizeram em uma frigideira quando escutam ao longe dois tiros. Saem todos em correria e param ao lado da cabana, ouvindo o barulho da floresta. Passados uns minutos, outra sequencia de dois tiros, desta vez mais perto. Reinaldo e Raymundo, precavidos, entram em um pé na cabana e no outro já voltam com suas espingardas à mão, escondendo-se rapidamente, cada um de um lado da trilha, atrás de uma árvore.

            A tensão toma conta deles. Um olha para o outro tentando sentir o que os outros pensam ou buscando apoio recíproco, especialmente nos dois irmãos mais velhos, que já são oficiais recém-formados da Força Pública de São Paulo. O silêncio deles é tal que dá  para ouvir o tic-tac do relógio de bolso que Robson usa, prêmio por ter sido o 1º da turma na Academia da Força Pública em São Paulo.

            O tempo de espera dos acontecimentos parece uma eternidade. De repente, outro tiro, desta vez mais perto ainda, criando um  alvoroço emocional neles, especialmente os três mais jovens.  É alguém que vinha a galope pela  trilha que ia desembocar na cabana e estava dando tiros para o ar para alertá-los.

            - Quem poderá ser e que notícia urgente está trazendo? - essa é a pergunta jogada ao ar pelo mais velho dos irmãos, quebrando o tenso silêncio.

            -  Quem conhece este caminho que abrimos na floresta, além de nós? -  indaga Raymundo, também jovem oficial da Força Pública, colocando em prática seus conhecimentos de Analista de Informações, área em que se especializou na Academia. Ninguém lhe responde. Estão atentos ao barulho de um cavalo sendo forçado a correr pelo seu cavaleiro, por gritos constantes de IÍIIIÁÁÁ... De repente, surge na trilha, envolto em uma poeira levantada pelo cavalo em galope, um guri de 17 anos, pretinho, que trabalha na casa deles em Bananal, cuidando dos cavalos. Hábil cavaleiro e atirador...

            -  É o Carlinhos dos cavalos! -  exclama Reinaldo.

            - Pelo jeito que corre deve ser algo urgente  -  pondera Robson.  - Será que as greves de operários pioraram a situação em São Paulo, fazendo a Força Pública cancelar nossas férias? - indaga Robson ao irmão Raymundo. Não obtém resposta. Carlinhos puxa as rédeas do cavalo com força obrigando-o a parar perto da cabana. Os cinco irmãos o rodeiam. Raymundo, o mais alto deles, segura o cavalo pelas rédeas. E pega  a espingarda da mão do guri. O cavalo resfolega de cansaço da corrida que fizera nos últimos quilômetros. O menino desce do cavalo com agilidade e com a respiração entrecortada de cansaço, fala aos cinco irmãos o recado que trouxe:

            - O patrão vosso pai pede para voltarem urgente para casa.

            - Mas, o que aconteceu de tão urgente para nosso pai pedir para voltarmos?  - indaga Robson. E o menino desinibido fala:

            - Não sei porque. Só sei que chegou ontem de São Paulo um carro com dois homens, seus amigos, Eunildo e Celio. Eles se fecharam com o seu pai um tempão e ficaram a conversar. Eu estava ajudando a limpar os vidros das salas e salões quando isso aconteceu. E seu pai me chamou ontem à noite e me ordenou para pegar um cavalo selado bem cedo hoje de manhã, uma espingarda, uma bolsa de pano para carregar um bom lanche e vir correndo até a cabana avisar prá vocês.

            Os irmãos se entreolham. Sem dizer palavras, movimentam-se preparando a partida da cabana. Enquanto Robson, Raymundo e Reinaldo pegam as selas na cabana e começam a arrumar os cavalos, Rogério e Rodrigo limpam a cabana, dando para Carlinhos comer o que restou do churrasco de coelho e da farofa. E deram-lhe o segundo coelho para levar em seu cavalo. Guardam as esteiras de palha trançada, usadas para dormir, encostando-as de pé a um canto. Lavam a frigideira onde fizeram a farofa, os pratos e talheres usados. Penduram esses materiais em uma estante feita de bambu, a um canto e, em seguida, pegam as cinco mochilas. Foi só o tempo de cada um colocar às costas suas mochilas, enfiar as espingardas nos alforjes ao lado das selas dos cavalos, firmar à cabeça os bonés verdes e montar em seus belos cavalos tordilho, alguns negros totalmente e outros castanhos. Carlinhos, depois de lavar o prato e talher que havia usado, junta-se a eles.

            Os dois irmãos militares, por serem mais velhos, tomam à frente do grupo, depois de se certificarem que o fogo e as brasas do fogão estão apagadas e a cabana fechada. Tomam o rumo de Bananal, seguindo a trilha que vai pelo meio do pequeno vale, contorna alguns morros até desembocar, quatro horas depois de marcha normal a cavalo, na Estrada Geral que liga o sertão à cidade. E dali até a casa da família, mais vinte a trinta minutos.

            A tarde vai  chegando ao seu final quando os cinco irmãos com seus cavalos a trote, seguidos pelo menino Carlinhos montado em um cavalo baio na cor castanho,  depois  de passarem pela curva do morro do Tanque, chegam ao final da Rua do Fogo, passam pelo Beco dos Velhacos com seu armazém no sobrado da esquina e depois pela Travessa do Sacristão, também chamada de Rua das Flores, rua pequena com o Asilo dos Velhos em um dos cantos. Passam  por trás  e depois ao lado da Igreja do Senhor Bom Jesus do Livramento, cujo relógio da torre esquerda marca 17:45 horas em seus algarismos romanos. Saem na Praça da Matriz e, depois de contorná-la, seguem à esquerda, tomando a rua Prudente de Moraes.

            Da sacada principal do sobrado da família, seus pais Otávio e Nimpha, ele com seu costumeiro charuto no canto esquerdo da boca, embaixo do vasto bigode, os saúdam com um aceno de braço, enquanto cruzam a entrada em direção ao curral dos cavalos, à direita do grande sobrado, uns 100 metros  em direção ao rio nos fundos da chácara. Irmãos do Carlinhos logo aparecem para ajudar a tirar as celas e arreios dos cavalos, todos com metais de boa prata portuguesa e levá-los para o depósito de arreios de montaria, perto do curral.

            O caçula dos seis irmãos, Raul, de 10 anos, um alegre menino de cabelos pretos, em barulhenta algazarra perto deles, pega  da mão do Carlinhos o coelho e sai  correndo em direção à cozinha. Vai pedir, à cozinheira, coelho assado no jantar.

            Depois de entregarem as mochilas para dois empregados da casa cuidarem,  os cinco irmãos lavam a poeira com um bom banho ensaboado. E a seguir vão à saleta reservada onde seu pai os espera, na companhia dos dois visitantes. Após os esfuziantes abraços e cumprimentos aos dois amigos paulistanos, todos sentam em volta da enorme mesa, com mármore branco, sustentado por pernas de madeira escura trabalhadas artisticamente. As cadeiras possuem assento de palhinha, espaldar alto de madeira escura e recortes arredondados.

           Os irmãos olham curiosos para seu pai, à cabeceira da mesa. Depois de pedir ao caçula dos irmãos ali presentes, Rodrigo, para fechar a enorme porta, de duas folhas, com trinco ao meio, ele tira  o charuto da boca, pigarreia  e fala  em tom formal e sério:

           - O que vou falar aqui nesta sala é segredo e não deve ser comentado com ninguém fora daqui. Se isso acontecer, nossas vidas correrão sério perigo. E, especialmente aos meus filhos que são militares da Força Pública e têm compromisso com ela, peço o máximo sigilo. A partir de agora nós estamos em um compromisso de sangue e de honra. De nós dependerá a vida de muitas pessoas e o destino do nosso país, especialmente de nosso Estado de São Paulo... - Depois de uma pausa para tirar três baforadas do charuto, continuou:

         - O nosso estimado amigo Antunes, representando os industriais de São Paulo, encarregou seus sobrinhos aqui presentes de trazerem uma árdua missão para nós. Não vou ler a carta que ele me escreveu, mas fazer um resumo do assunto. O Antunes e seus amigos de São Paulo chegaram à conclusão que o Getulio quer ficar no poder por muito tempo e tirar o poder que hoje está com São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, especialmente com os industriais e fazendeiros de café. Concluíram que o único modo de evitar isso é pela luta armada. E essa luta vai acontecer ainda neste ano de 32. Já estão sendo preparadas algumas coisas, como fabricar armas e equipamentos para a luta, secretamente em indústrias de gente que quer o melhor para São Paulo e nosso país. Poucas pessoas sabem disto. Na Força, alguns coronéis - como os seus tios Wilson e Olavo - sabem do que está sendo preparado. E no Exército há alguns oficiais que apóiam a idéia, como é o caso do general Bertholdo Klinger e do coronel Euclydes Figueiredo. Este, inclusive, está preparando os planos da ação militar, coordenado pelo general Isidoro Dias Lopes, o chefe da conspiração paulista...

           Depois de  dar outra tragada no charuto, continua:

          - Como eu dizia, vai  haver ação armada. E, para isso o Estado de São Paulo precisará de munições e muita munição. Uma boa parte  já está sendo controlada nos estoques existentes nos quartéis na capital e no Estado, mas uma outra parte necessariamente terá que vir do exterior. Aí é que nós fomos convidados a colaborar, pelo nosso amigo Antunes e pela cúpula militar que está preparando a ação militar. Nós iremos receber essa munição no porto de Mambucaba, em Angra dos Reis, transportá-la em lombo de burro até Bananal e, daqui para outros pontos da Vale do Paraíba e a capital, outros amigos nossos levarão de caminhão...

             -  Você está pensando em utilizar o Caminho do Café,  pai? 

               - Exatamente, Robson. O Antunes e eu andamos muito por esse Caminho, quando fazíamos nossas caçadas pelo sertão. Certa vez fomos até Angra dos Reis por esse Caminho de quase 50 km.  Ele é calçado, feito de pedra, pelos escravos, no tempo do Império e, conta-se as lendas, muito antes da chegada do homem branco a este continente, os índios já utilizavam a trilha que existia, antes de o Caminho ser aberto e calçado em alguns trechos, para atravessar a serra da Bocaina, pela bacia do rio Mambucaba, e chegar ao Vale do Paraíba. E por esse Caminho, muitos escravos africanos foram levados, do porto, para o trabalho nas fazendas paulistas e  mineiras.  Acredito que o seu pavimento de pedra deve estar intacto,  daqui do sertão de Bananal até o pé da Serra de Angra dos Reis. E tem a vantagem de estar todo dentro de nossas terras e de poucas pessoas o conhecerem, o que nos ajudará a manter em segredo nossas viagens por ele.

            - Que caminho é esse que vocês estão falando, pai?  É a primeira vez que ouço falar dele. Se eu entendi, ele é feito de pedra em sua maior parte da serra e  vai até Angra dos Reis? - indaga o caçula, Rodrigo, com um espanto no rosto juvenil.

            - Exatamente, filho. Por volta de 1820, quando nesta região havia a riqueza do café, chamado de rubiácea,  Bananal era a Capital do Café. Plantava-se e beneficiava-se nas fazendas  variados tipos de café: amarelo, Bourbon, Ceilão, Egípcio, Libéria, Java e Moca. E como Bananal faz limite com Angra dos Reis, o mais fácil era levar o café aqui produzido até os portos de Angra dos Reis (Ariró, Jurumirim e Mambucaba). Para escoar o seu café, os grandes fazendeiros da época resolveram pavimentar com enormes pedregulhos um bom trecho do caminho que abriram até Angra dos Reis, na antiga trilha feita pelos índios. Esse caminho foi feito dentro de nossas terras, cedido pelo meu avô, utilizando escravos que os fazendeiros tinham em suas fazendas. Dinheiro não era problema para eles. Tinham tanto dinheiro que chegaram a possuir vultosos depósitos em Bancos de Londres. E, quando o Brasil, a Coroa Imperial, precisava fazer empréstimos, os banqueiros londrinos emprestavam desde que os fazendeiros de Bananal avalizassem os títulos da Coroa.

            -  Essa eu não sabia! - reage  espantado o 3º filho mais velho, Reinaldo.

            - Café, aqui em Bananal dava como chuchu em bom pé. Era tanto café que por ano chegavam a cem mil arrobas. Em 1860 a região chegou a produzir ao ano um milhão de arrobas... Era tanto café que em 1889, os fazendeiros resolveram financiar a construção de uma ferrovia, ligando Bananal até a Estação da Saudade, em Barra Mansa. São 28 km de trilhos que ligam Bananal à Estrada de Ferro D. Pedro II que em 1918 passou a chamar-se Estrada de Ferro Central do Brasil e por ela, até o Rio de Janeiro ou São Paulo.  Por essa ferrovia particular os fazendeiros escoavam o seu café, deixando de utilizar o Caminho do Café. Essa ferrovia foi inaugurada em 1º de Janeiro de 1889, doze anos após ter sido completada a ligação ferroviária de São Paulo com o Rio. Até a nossa bonita estação ferroviária, construída com 2.000 placas de ferro e aço pré-moldados, foi toda importada da Bélgica...

 

            - ... Para a época em que tudo foi importado, era uma tecnologia avançada. Tudo dessa estação é de metal, artisticamente trabalhados: o forro, o teto e até uma escada para o segundo andar. E os assoalhos eram de autêntico pinho de Riga, madeira ainda  hoje bem conservada. Isso mostra como os fazendeiros do café tinham dinheiro. Era tanto dinheiro naquela época que os fazendeiros, em 1880, inauguraram o chafariz do Largo da Matriz, todo de cobre artisticamente trabalhado, que trazia água encanada do reservatório Água do Marcos.

            -  E produziam, também, em suas fazendas, em pequenas indústrias: fubá, farinha, açúcar, azeite, sabão. E muitas fazendas tinham oficinas de marcenaria e carpintaria que produziam móveis artisticamente trabalhados, ferraria, sapataria e até alfaiataria. Mas, vamos voltar ao nosso Caminho do Café. Vamos utilizá-lo com burros, como era feito pelos fazendeiros. Robson, você já esteve nesse Caminho comigo, lembra? E, se não me engano, o Raymundo também o conhece inteiro...

            Raymundo, com a cabeça fazia que sim...

            -  Então vamos examinar os detalhes do trabalho. O Antunes enviou algumas ideias de São Paulo e algumas providências. Através de meus irmãos que estão no Q.G. da Força Pública, o Antunes conseguiu - e aqui estão os documentos para vocês examinarem - que Robson e Raymundo fossem enviados a um Curso de Aperfeiçoamento por 5 meses no Rio de Janeiro, por terem sido os dois primeiros colocados nas suas turmas. Na realidade, vocês estão em missão secreta a partir de agora. Não precisarão apresentar-se, ao término de suas férias, em São Paulo. Isso facilita bastante nosso trabalho, pois a experiência de vocês dois adquirida na Escola Militar pode ser de grande valia...

            E o planejamento do pai com os 5 filhos mais velhos, ajudados pelos dois visitantes, Celio e Eunildo, só foi interrompido pelo chamado para o jantar, continuando logo após este e entrando no início da madrugada... O cansaço os faz parar logo após o relógio bater meia noite e meia.

           A manhã de 23 de Janeiro de 1932 vai caminhando pelas sete e meia  quando todos são acordados, em seus quartos, pelo mais velho dos serviçais da casa, o velho Paulo... com sua voz mansa  e gutural sacode devagar cada um  enquanto fala  baixinho: - Sinhôzinho! Sinhôzinho! Acorde! Está na hora de levantar. Às nove horas a reunião com vosso pai terá continuação... 

            Passava uns 15 minutos das oito horas da manhã radiante quando começam a reunir-se na ampla sala onde o café vai ser servido. Uma mesa com frutas variadas, todas já bem lavadas, algumas já descascadas, como é o caso do abacaxi, cortado em rodelas em uma bandeja oval, estão em uma pequena mesa ao canto. Na mesa do centro da sala, uma longa mesa, com toalhas de linho branco, com o emblema da família - Duplo A entrelaçado - bordado nos cantos. E, em frente a cada cadeira de espaldar alto, com palhinha entrelaçada, em cima de um pano de linho branco com debruns em toda a sua volta, uma grande xícara, virada no pires, tendo embaixo deste, um prato maior. Para completar, talheres de prata, todos com o emblema da família no topo do cabo. E, em frente à xícara, um guardanapo, também de linho branco, com o emblema de Duplo A, bordado em tamanho menor, em um dos cantos do tecido. O café  que está  sendo servido parece  estar mais saboroso nesse ambiente...

            Os cinco irmãos mais velhos chegam todos juntos. Logo seguidos pelos dois irmãos visitantes e, por último, pelo chefe da casa. Depois de este tomar seu assento no lugar de honra à cabeceira da grande mesa, os outros sentam-se. Antes que o velho Paulo, ajudado por dois serviçais, Oscar e Frederico, comecem a servir o lauto café, chega  e senta-se à mesa o caçula da família, Raul, dando um bom dia alegre a todos, seguido pela mãe Nimpha, com seu cabelo loiro arrumado num coque, realçando a beleza de seu rosto de mulher jovem. Ninguém diria a sua idade, já que havia se casado com 16 anos....

           As frutas são  as primeiras a serem servidas, seguidas por uma tigelinha com arroz-doce borrifado com canela e doce de abóbora madura com coco ralado  ou doce de mamão verde. E. logo em seguida, um café com leite fumegando e com um aroma que enche o ambiente, é servido a todos...

          Eunildo e Celio se entreolham e sorriem. Os dois percebem que estão, ambos, lembrando do café gostoso do Clube dos 200.  - Ontem de manhã, lá no Clube dos 200, o Celio e eu tivemos uma experiência interessante, Sr. Otávio... --  Eunildo começa a comentar. E conta o que a senhora que servira o café lhes falara sobre o farelo de arroz no pão, nos bolos e a contribuição do cozinheiro para o bom funcionamento dos intestinos da República... A  gargalhada é geral. Acham graça em algo que não tem graça, mas é sério. Depois de cessados os risos e comentários, o pai Otávio chama  o velho Paulo:

           - Paulo, você escutou essa história contada pelo Eunildo? Ante a resposta afirmativa de um - Sim, patrão! -  continua:  - ...achei interessante essa idéia e se ela faz bem para a saúde dos maiorais da República, irá fazer bem para nós. Por que não a usamos aqui?  Vamos melhorar...como é mesmo, Eunildo?  - E, antes que este respondesse, continuou: - ...vamos melhorar os nossos cérebros e nossos intestinos...  Paulo, eu quero que você vá ao Clube dos 200 com a sua mulher, e converse com o tal cozinheiro e fique lá uns dias até a Ester, como boa cozinheira que ela é, aprender com ele como fazer o tal pão enriquecido com farelo, os bolos e outros alimentos. Hoje à noite pegue dinheiro comigo, para pagar a hospedagem por uns dias lá no Clube. Talvez vocês possam ir lá amanhã.  Se precisar fique lá uns três dias ou mais. Além da charrete, pegue o novo cavalo, o Bone Dandy que comprei, será um bom passeio para ele. Esse cavalo inglês puro sangue me parece muito bom. Na volta quero ouvir sua opinião sobre ele...

 

 

        No auge do domínio dos barões do café, na cidade de Bananal, aconteciam as Cavalhadas, no Largo do Rosário, local que era antigo cemitério dos índios guaianis. Era o divertimento dos barões, um torneio parecido com o que acontecia na Idade Média, onde se enfrentavam cavalheiros cristãos e mouros. As Cavalhadas, um costume português, era composto de duas equipes, com cavaleiros de cada lado, vestidos de modo típico, com lanças e espadas de madeira que simulavam combates ou faziam jogos como o Jogo do Anel, com os cavaleiros em disparada tentando enfiar a lança em um anel suspenso por um fio de linha.  Na maioria das vezes, eram demonstrações de destreza na habilidade da equitação. E ao final, sempre acontecia o rodeio. Muitos fazendeiros tinham orgulho de seus belos cavalos de raça Voltingeur, Angloárabe, Equateur e outros...  Em 1910, dezesseis cavalos e seus cavaleiros foram registrados na Cavalhada: o  baio  Bayard de Américo Porto; o alazão Beija Flor de Joaquim Cirino; o zózimo Colibri de Nestor de Andrade; o baio Camursa de José de Freitas; o pangaré Guanabara de Máximo Ribeiro; o castanho Juruá do Tavico; o escuro Macaco de José Trigueirinho; o mouro Mourici de Godofredo Machado; o pampa Murilo de Mário Couto; o tordilho claro Nero do Izaltino; o tordilho escuro Pachá de Luiz Pires; o Pirata de Manoel Otávio; o castanho escuro Relógio do Gregório; o tordilho negro Rio Negro - o mais imponente dos cavalos, de Carlos Porto; o Ruão de Nico Ramos e o claro Surubi de José Varajão...

 

 

        O relógio marca 9 horas quando a dupla porta da saleta reservada é fechada por dentro. Depois de todos sentarem, o pai recapitula o que haviam planejado na noite anterior e começa a estabelecer ações práticas de execução, sempre dentro do sistema de planejamento que gostava de utilizar, o Sistema PERA - Planejamento, Execução, Relatório e Avaliação.

           - Acho que vamos precisar de 30 burros e bons arreios para carregarem as caixas com as munições e outros equipamentos que virão. E iremos fazer pelo menos umas 30 viagens ou mais, se necessário, de Mambucaba até Bananal e vice-versa para carregarmos a munição e equipamentos. Não podemos utilizar mais de 30 burros porque não teremos condições de controlá-los, apesar do instinto gregário levá-los a andar juntos... Se usarmos mais, poderemos chamar demais a atenção. Robson e Raymundo, ajudados pelo Rodrigo, ficarão encarregados de comprar os burros. Acho que nossos amigos fazendeiros aqui da região poderão nos vender bons animais. O máximo que devemos comprar de cada um são 5 burros, para não despertar curiosidade demais. Os arreios, devemos comprar também deles, pois já estão usados e se fossem todos novos chamariam muito a atenção. O Antunes mandou o dinheiro para todas essas despesas.  - E Celio abriu uma pasta cheia de dinheiro, mostrando-a a todos...

          - Reinaldo e Rogério deverão nos próximos dias, dar um pulo na Caverna dos Dois Elefantes que fica em nossas terras e só nós a conhecemos. E deverão levar para lá, na carroça, o pequeno gerador de luz, combustível suficiente e uns bons 500 metros de fio de luz e umas 30 a 40 lâmpadas com seus bocais. E instalar dentro da caverna a luz para podermos utilizar a caverna como depósito das munições e dos equipamentos. Amanhã passem lá no armazém do seu Manoel, na Rua do Comércio. Ele deve ter tudo o que precisamos. E se ele não tiver peça para ele mandar buscar no mesmo dia em Barra Mansa. E peçam para ele enviar a conta que depois passo lá para pagar, no mesmo dia. Ah! Rogério, ao passar lá, não gaste muito tempo em olhares compridos e suspiros para a filha do seu Manoel. A moça Paula é bonita. Sei que seus olhos azuis emoldurados pelos cabelos loiros, seu corpo bonito de moça de 19 anos e seu sorriso o cativaram, fisgando o seu coração. Você terá tempo para arrastar asas para ela em outro dia, apesar de eu achar que você está perdendo o seu tempo com uma moça que está noiva do filho de um industrial de São Paulo e segundo já soube pelo próprio pai dela, as duas famílias estão preparando o casório para breve... Ah! outra coisa. Não levem nenhum dos nossos empregados para ajudar a instalar a luz na caverna. Eles poderiam comentar com outras pessoas e isso nós queremos evitar...

            O resto do dia é consumido em detalhamento de todos os preparativos para as ações que serão necessárias. E, como Eunildo e Celio tinham vindo para ficar uns dias e ajudar no planejamento e detalhamento, chegou-se a uma riqueza de detalhes como quantas viagens de caminhão serão necessárias para deixar as munições e equipamentos nos pontos escolhidos pelo Vale do Paraíba,  os motoristas de confiança, homens escolhidos a dedo devido à necessidade de segredo, as datas prováveis da chegada do navio com as cargas de munições e equipamentos, local de encontro próximo ao porto de Mambucaba onde o navio atracará, a compra do silêncio de alguns guardas do porto, etc.

 

 

            -  Controle essa alegria, Rogério. Desse jeito você vai demonstrar demais seu interesse pela Paula. Não vá com muita sede ao pote, irmão! Mulher não gosta disso... - Reinaldo, do alto dos seus 22 anos, achando-se mais experiente na arte da conquista feminina do que seu irmão Rogério, de 21 anos, impulsivo no que se refere às coisas do coração, vai orientando-o enquanto sobem a Rua Prudente de Moraes.  Em seguida, entram  na Rua Nova, a primeira à direita, em direção à Rua do Comércio.

 

 

 

            Logo que dobram a esquina, Reinaldo é o primeiro a ver a moça no jardim da casa dela. Dá uma cutucada no irmão para alertá-lo, enquanto lhe diz baixinho: - Espero você lá no armazém... - apressando o passo em seguida, deixando o irmão sozinho em frente à casa de número 231.

            - Oi, moça! - é  assim que ele carinhosamente a chama. Ela levanta-se da posição de cócoras com a qual podava alguns galhos de roseira e responde,  com um largo sorriso nos lábios e nos olhos: - Oi, moço! - é assim que ela, também, o chama, carinhosamente. - Não repare em minhas roupas, viu? Acabei de vir de um passeio a cavalo com minha amiga Tetê. Estou aproveitando a bela manhã para arrumar o jardim. Não é tempo de podar as roseiras, eu sei, mas elas estavam precisando de um corte e a minha amiga queria umas mudas de roseira... - Ela, em seu nervosismo frente a ele, fala aos atropelos...  Esse nervosismo começou desde aquele passeio há uns meses atrás na fazenda de uns amigos, dia em que o seu noivo mais uma vez não tinha vindo de São Paulo e a deixara só no meio de tantos casais. Ela e o Rogério, por serem os únicos sozinhos, ficaram juntos, andando a cavalo  e passando horas divertidas, levando-os a descobrir que tinham os mesmos anseios e gostos. Foi desde esse dia que  ela sentia o coração pulsar mais forte quando encontrava com Rogério... E esse sentimento gostoso um pelo outro a cada dia crescia vertiginosamente, tendo sido acelerado a partir do dia em que os dois se encontraram no ônibus das 18 horas que saíra de Lorena para Bananal naquele memorável dia, dois de setembro de 1931. Tinham sido mais de quatro horas de viagem, no escuro nos fundos do ônibus, os dois sozinhos, já que o outro passageiro havia descido em Silveiras, a segunda parada do ônibus. Tinham vindo conversando até o momento em que o balanço do ônibus em uma das curvas da estrada jogou-a quase em cima dele. O contato direto de seus corpos os fez caírem nos braços um do outro e se fartarem de beijos durante toda a viagem. Depois que perderam a inibição e o pudor, deixaram  suas mãos em conjunto, descobrirem o corpo do outro, em suas reentrâncias. Para ela foi marcante o primeiro beijo apaixonado dos dois, longo, significativo, despertando dentro dela sensações que desconhecia até então e, em especial, ter realizado um longo desejo que acalentara por muitas noites: sentir diretamente com a mão, por dentro das roupas dele, o volume e o calor do seu membro intumescido de desejo por ela e ter chegado ao seu primeiro estremecimento de prazer com o contato carinhoso da mão dele em seu íntimo. Para ele foi marcante a maciez da pele do corpo dela, o calor e a sensação agradável que sentiu ao acariciar os  seus seios, com carinho, os ralos pelos pubianos que ela tinha e, em especial, como ela reagia com suspiros de prazer  ao toque de seus dedos brincando com gosto em cima de sua vulva. Os dois haviam dado vazão ao avassalador desejo que sentiam um pelo outro... e isso mantinha aceso com mais força o sentimento que os unia, desde então...

            - O jardim de sua casa está agora bonito. E vai ficar mais bonito ainda sendo cuidado com tanto carinho e amor... - Ela cora e abaixa os olhos azuis, emoldurados pelos seus longos cabelos loiros caídos ao longo de seu rosto.  E ele continua:

            - Li em um almanaque de agricultura que acham que as plantas sentem a nossa alegria e nossos sentimentos por elas, parecem  que recebem mais energia quando cuidamos delas e por isso, crescem mais bonitas... - De repente, ele lembra-se de sua missão e  do alerta feito pelo seu pai...

            - Moça, desculpe-me, mas preciso ir lá no armazém do seu pai, comprar umas coisas que meu pai está precisando... 

            Tímida, como convém a uma donzela, porém decidida, ela não deixa de aproveitar o encontro com o homem que dispara  o seu coração

            - Você vai à Rua do Comércio? Eu vou levar à minha amiga Tetê que mora ali na outra esquina, as mudas de roseira que cortei. Posso ir até a esquina com você?  - E a pergunta vem acompanhada do seu mais belo sorriso, enquanto aprumava o corpo fazendo ressaltar seus seios firmes de moça, delineados levemente pela blusa branca. E o culote que  usa insinua  os contornos das suas longas pernas e das suas ancas arredondadas, e levemente empinadas que despertam nele um desejo ardente, a cada dia. Rogério está deslumbrado por poder observar melhor os contornos do corpo que tinha acariciado com tanto gosto meses atrás. Só de lembrar daquela viagem e ver os contornos do corpo dela sua excitação é instantânea, pujante. Ele fica constrangido e, suando frio, tira  rapidamente o boné da cabeça, segura-o pela aba com o dedo indicador e o dedo médio, e enfia o polegar na cintura, tentando assim esconder o volume de sua excitação, enquanto começa rápido a contar, mentalmente, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19, 1.000, 1.500,  2001,... tentando se distrair e fazer o sangue refluir, diminuindo a sua excitação inoportuna. Rogério respirava fundo e pausadamente, tentando ajudar o sangue a andar mais depressa. Tão preocupado estava fazendo isso mentalmente que nem se dá conta de que não respondeu à pergunta dela. Ela, com um olhar maroto, não pôde deixar de notar o volume firme que se formou no encontro, à esquerda, das pernas dele. Isso a agradou muito. O mesmo desejo ardente que sente por ele e que a molha internamente, fazendo-a sentir as pernas bambas, era correspondido! Paula, sorrindo e saindo de seus devaneios, segura no braço dele. O trajeto até a esquina foi curto demais no tempo, para com os olhos, dizerem tudo o que queriam dizer um ao outro. Mas eles não precisam de palavras. Seus olhares dizem o enorme desejo que sentem um pelo outro...  Que sentimento gostoso... e que conflito íntimo ela sente, ao mesmo tempo, devido estar noiva de outro que raramente vê e que não lhe desperta esses desejos de mulher madura nos seus 19 anos... Mais tarde, a portas fechadas no quarto de sua amiga, conta cada detalhe do que aconteceu  e sentiu. - Que vontade reprimida eu tenho de abraçá-lo e apertá-lo de encontro ao meu corpo, até sentir um  estremecimento de prazer por todo o meu ser... - Paula não tem  segredos para com a sua amiga Tetê; fala  abertamente de tudo o que pensa e sente e troca confidências com ela. Ninguém mais do que sua amiga Tetê sabe do que vai no seu íntimo, em seu coração e mente... -  O que fazer?  - é  a sua pergunta constante para sua grande amiga, 10 anos mais velha, e casada já fazem uns 7 anos... - continuar o noivado com um homem que eu gostava, mas agora sei que não desperta dentro de mim aquele sentimento gostoso e vibrante que sinto quando estou perto do  moço e até a chegar a casar com um homem que não me desperta os instintos em meu corpo, pois quando ele vem me visitar, nas raras vezes que vem de São Paulo, uma vez a casa três meses e quando ele me abraça e beija não sinto nada. Nada reage dentro de mim! E quando ele vai embora e eu encontro o meu amigo moço algo tão estranho acontece que as pernas ficam bambas e o coração dispara. O que fazer? Tenho medo de desagradar ao meu pai e minha mãe, pois eles são muito amigos da família do meu noivo. Parece que os laços de sangue das duas famílias, netos de alemães, é um dos pontos que mais valorizam quando falam de nosso casamento. E, o pior, Tetê, é que as duas famílias querem que o casamento seja para breve, minha mãe até já está com o vestido de noiva pronto.  O que eu faço? ... - E Paula, deixa  as lágrimas brotarem em seu rosto  lavando os seus olhos azuis  em busca de uma luz para a sua angústia...

          O armazém do seu Manoel é o maior da cidade de Bananal, localizado bem no meio da Rua do Comércio. Nas quatro grandes portas, por onde entra o sol da manhã e ilumina o seu interior, baldes, cordas, pás estão pendurados. É o modo do seu Manoel anunciar, aos passantes, os seus produtos. A três metros das portas, um grande balcão, com tampo de mármore. Uma balança e um rolo de fumo são as únicas coisas que ele permite ficarem em cima do mármore, permanentemente. E atrás do balcão, estantes do chão até o teto, cheias de produtos variados. Seu Manoel é muito organizado e seus produtos estão, em cada estante, separados por tipo: ferramentas, fios, cordas, pregos, parafusos,  etc. No lado direito ficam os gêneros alimentícios. E, ao meio, em grandes caixas retangulares de madeira, com tampa, estão os grãos e farinhas: arroz, feijão preto e mulatinho, milho, farinha de milho e de mandioca, esta torrada. O movimento dos fregueses é constante.  Sempre é um entra e sai de gente. E seu Manoel, ajudado por três empregados, atende a todos com sua cordialidade e alegria costumeiras. Todos o chamam, carinhosamente, de seu Manoel, porque,  por ser neto de alemães, recebeu e tem um nome difícil de ser pronunciado. Na realidade ninguém mais lembra o real nome alemão do seu Manoel...

            Reinaldo está, em sua calma, típica de monge tibetano, de pé, em frente ao armazém geral do seu Manoel. Enquanto seu irmão não chega, deixa-se ficar vendo o movimento dos tropeiros puxando a tropa, com os balaios pendurados a cada lado do dorso dos burros, cheios de banana e outros produtos agrícolas que trazem à cidade para vender.  Seus pensamentos voam...

           - Qualquer um poderia dizer que Bananal vem de banana, banana açucarada, sem filamentos e com grãozinhos escuros na polpa, fruta existente abundantemente na região, como essas que estão nos balaios dos burros. Puro engano! Bananal vem do nome indígena para rio sinuoso, BANANI. Os mesmos índios que habitavam a região tempos atrás, chamavam a banana de  pacoba. Os primeiros tropeiros que circulavam pelo Caminho Geral, o primitivo caminho que passava pelo vilarejo, vindo de São Paulo até o Rio de Janeiro, caminho mais tarde chamado de Caminho do Imperador e, atualmente de Caminho Novo, ao escutarem os índios chamarem o local de Banani ou Bau-anil passaram a chamá-lo de Bananal... - E as lembranças do aprendizado da escola passam rapidamente pela  mente sistemática de Reinaldo:

           - ... A cidade de Bananal tem um símbolo interessante. É um escudo redondo, português, homenageando os primeiros colonizadores portugueses. Um campo de prata, três morros verdes e, no centro, uma estrela e um rio de prata... - E Reinaldo parecia escutar sua professora Dodô - como os alunos a chamavam -  a contar: - Um campo de prata, simbolizando a pureza, bondade e vitórias, qualidades características da povoação de Bananal. Os três morros indicando a região montanhosa. O verde simbolizando a juventude, a esperança e alegria com os campos verdejantes, campos que trazem sempre renovação da esperança e alegria ao povo. A estrela de prata é o símbolo da ascendência que Bananal teve, no passado, sobre outras cidades. O rio de prata indica o rio Bananal, originalmente chamado pelos índios de Banani, rio sinuoso. - Reinaldo concentra  os seus pensamentos. - O que mais há  no símbolo da cidade? Ah! lembrei: três bandeiras do Império, época de elevação da vila a cidade; três bandeiras paulistas, significando que o povo da cidade é guardião fiel e vigilante da fronteira nordeste do Estado de São Paulo; ramos de café, o principal produto que ajudou no desenvolvimento da cidade. E as palavras Orta Labore que significam que a existência da cidade, nascimento e crescimento, se deve ao trabalho do seu povo .

 

 

            -  Mano, acorde! Está sonhando acordado? - Reinaldo é sacudido pelo irmão que chegava. Não tem tempo de falar nada, pois Rogério já tinha entrado  na loja do futuro sogro como ele se referia, com os irmãos, ao seu Manoel... Depois de comprar todo o material, e ajudados por dois empregados do seu Manoel, os dois irmãos levam todo o material para um dos salões da casa, onde se fecham e trabalham na montagem dos fios, deixando-os prontos para receberem as lâmpadas, quando da instalação dos fios na Caverna dos Dois Elefantes.

 

 

          O sol já está  passeando no céu pelas nove horas de 25 de Janeiro quando Reinaldo e Rogério avistam, bem escondida em um canto de um alto morro recoberto de densa floresta, a ponta de pedra existente no alto da entrada da Caverna dos Dois Elefantes. Reinaldo apressa  o trote do seu cavalo, mostrando o caminho por onde Rogério deverá conduzir a carroça. Debaixo de um pano grosso, estão escondidos o pequeno gerador, galões de combustível, fios, lâmpadas e ferramentas. E, amarrada bem firme  em cima da carroça, com mais da sua metade por cima do burro, está  uma escada de abrir. A carroça, após contornar a ponta do morro, para em frente à entrada da grande caverna. Quem visse a sua pequena entrada de 3 metros de altura não poderia nem imaginar o que encontraria lá dentro...

       A Caverna dos Dois Elefantes fica a um quilômetro do Caminho do Café, a estrada pavimentada com pedras que passa por dentro das terras dos Alves de Algarve e a 18 km da cidade. Situada na base de um alto morro, tem ao lado uma bela cachoeira formada pelo riacho Capitão-Mor que vai desaguar no rio Barreiro. Ladeando a sua entrada, figuras calcárias parecendo dois enormes proboscídeos, por isso logo chamada de  Pórtico dos Dois Elefantes. Logo após o pórtico, uma pequena sala, que recebeu o nome de Sala do Nicho é passagem para o amplo salão, com mais de 300 metros de extensão, apelidado de Salão da Tartaruga, devido ao seu teto ser oval. No lado direito, indo até o seu fundo, colunas majestosas de estalactites e estalagmites. Da esquerda até o centro, um platô plano de pedra, sem a umidade que se constata no resto da caverna, estende-se por mais da metade do Salão da Tartaruga. Após este salão, mais dois, um chamado de Salão da Cabeleira por ter água escorrendo por uma parede e quando iluminada pelo fogo das tochas ou a luz dos lampiões a querosene, formava uma cabeleira luminosa em lusco-fusco. O segundo salão foi chamado de  Salão das Lágrimas, porque tem pingando do teto, constantemente, água. E, ao fundo, um riacho subterrâneo de água límpida, denominado Riacho do  Esquecimento. Ao lado do riacho, um túnel avança para dentro da terra. Como ninguém se aventurou ainda a explorá-lo e conhecê-lo melhor, foi-lhe dado o nome de  Túnel Misterioso...

            Os lampiões já estão iluminando um pouco o platô de pedra, local escolhido para ser o depósito das munições e outros materiais e equipamentos militares, por ser plano na maior parte de sua extensão e o mais importante, por não ter umidade. Depois de colocarem a um canto todos os materiais que trouxeram na carroça, os dois irmãos saem, munidos de afiados facões, até um bambual que existe nos barrancos do riacho Capitão-Mor. Escolhem alguns bambus fortes. Depois de cortados e limpos, retornam à entrada da caverna, passando a construir mais uma escada  em forma de V invertido. O sol está  a pino quando resolvem parar e comer o lanche que trouxeram. Depois do lanche, palitando os dentes, começam a montar os dois fios elétricos que estendem por mais  de 100 metros, tendo a cada dois metros uma lâmpada. Três horas depois Reinaldo e Rogério exultam ao ligar o pequeno gerador a querosene e iluminar todo o platô do  Salão da Tartaruga...

           

            - Vocês fizeram um bom trabalho na Caverna dos Dois Elefantes.  Estou orgulhoso de vocês! E o que mais me impressionou foi terem terminado tudo em um só dia ...

            - É porque trabalhamos ombro a ombro, fazendo o melhor possível...

            -  Muito bem, muito bem,  meus filhos...  Agora é preciso que a partir de amanhã vocês ajudem seus irmãos na compra dos burros e arreios .

            - Está bem, papai. - E Reinaldo e Rogério deixam seu pai sozinho com seus pensamentos, fumando um charuto, na sacada da varanda dos fundos do casarão dos Alves de Algarve...

 

      

            Duas semanas são  consumidas na compra dos 30 burros, visitando as fazendas da região, indo até São José do Barreiro, examinando os animais e seus arreios. E mais outros 22 dias, até o dia 2 de março, os cinco irmãos gastam  na limpeza, a facão e enxada, do mato que cobria alguns trechos do Caminho do Café. Além de desimpedir o Caminho, tiveram que recolocar algumas pedras do calçamento, soltas pela ação das chuvas de anos, em pequenos trechos, felizmente. Foi um árduo trabalho, mas feito com muita alegria. Sabiam que estavam trabalhando por uma causa, um ideal:  ajudar São Paulo a  levantar de novo a cabeça em um país dominado pelo desejo fanático por poder de um ditador... Pequenos homens, em estatura, na inteligência emocional e no desenvolvimento espiritual sempre têm necessidade doentia de se sobressaírem de algum modo. E o pequeno Getulio não era exceção a essa regra.. Mas, o modo de acabar com os  pequenos que incomodam é subir bem alto, como a história daquele piloto inglês, logo após a primeira guerra mundial de 1918. Ele experimentava o seu frágil avião de um motor, numa arrojada aventura ao redor do mundo. Um certo dia, pouco depois de levantar voo de um improvisado e pequeno aeroporto da Índia, ouviu um estranho ruído atrás de seu assento. Percebeu logo que havia um rato em sua companhia e se ele roesse a cobertura de lona de recobria a estrutura de seu pequeno avião, poderia prejudicar  o seu vôo. O que fazer? Voltar ao pequeno aeroporto para se livrar de seu perigoso e pequeno companheiro de viagem? Lembrou-se de ter lido que os ratos não resistem a grandes alturas. Por isso acelerou o seu pequeno avião fazendo-o galgar mais e mais altura, até perceber que o barulho havia parado, caindo morto ao lado do assento o pequeno roedor.

            Assim iria fazer São Paulo com o pequeno Getulio que como um rato ameaçava destruí-lo:

            São Paulo estava sendo agredido: iria voar mais alto...

            São Paulo era ofendido: iria voar mais alto...

            São Paulo era espezinhado politicamente: iria voar mais alto...

            São Paulo era dominado pelos tenentes: iria voar mais alto...

            São  Paulo era injustiçado: iria voar mais alto...

            São Paulo voaria mais alto em busca dos ideais constitucionalistas para  o  país.

             Sabia que certos tipos de ratos não resistem às alturas dos ideais e da justiça...

 

 

       Em 17 de fevereiro de 1932 é criada a Frente Única, unindo todos os partidos políticos de São Paulo, em especial o PRP - Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático para lutar pela autonomia  de São Paulo e pela constitucionalização do país, apesar de Getulio ter publicado o novo Código Eleitoral, marcando as eleições para a Assembleia Constituinte, para maio de 1933. - Manobras do Getulio para esfriar os paulistas? - era a pergunta que se fazia. Com a Frente Única, a Liga de Defesa Paulista e a Liga pró-Constituinte, esta fundada pelos estudantes universitários, a conspiração tomou novo alento. A Frente Única  que começou a participar da conspiração, publicou  o Manifesto:

           "O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo vêm anunciar...  que está feita a união sagrada dos paulistas em torno dois problemas que envolvem  todas as nossas esperanças e destinos: a  pronta constitucionalização do país e a restituição a São Paulo da autonomia de que há 16 meses se acha esbulhado..."[1] 

           No dia 24 de fevereiro de 1932 é realizado um comício em favor da constitucionalização, promovido pelos estudantes da Liga pró-Constituinte, com grande número de participantes. E no dia 2 de março de 1932, Getulio Vargas nomeia Pedro de Toledo  para ser o novo interventor de São Paulo,  empossado a 7 de março.  Paulista, civil e ex-embaixador. Mas o povo paulista fica desconfiado dessa atitude de Getulio. Pedro de Toledo, porém, logo está  bem informado da situação paulista e em especial, das atitudes  negativas que Miguel  Costa e os componentes da Legião Revolucionária desenvolvem. Logo sabe que a tranquilidade paulista é agitada por Miguel Costa e Góes Monteiro, dois chefes militares que brigam  entre si para dominar São Paulo.  

            A conspiração paulista continua, com seus ideais arregimentando novos adeptos a cada dia. Uma comissão é organizada, com militares e civis para coordenar, na capital e interior, pessoal e materiais para a revolução. Militares como o coronel Joaquim Theopompo de Godoy Vasconcelos, chefe do Estado Maior do Exército  em São Paulo e muitos capitães e tenentes da Força Pública. Civis como o Dr. Marcus Mélega, da Frente Única e muitos outros.  O general Isidoro Dias Lopes, participando da conspiração, agia como chefe militar. Numa de suas cartas ao representante da Força Pública escreve ele:

      "Quero saber a situação real da Força Pública em seus  elementos  e  seus  objetivos claros, isto é, até onde vão e em que condições:

a. Não autorizo e nem me responsabilizo por um movimento isolado de São Paulo.

b. Ainda não o autorizo, mesmo que não se tenha a hostilidade de Minas Gerais  e Rio Grande.

c. Por suas condições  especiais,  principalmente geográficas, o movimento não  se  poderá levar a efeito sem o auxílio moral e material do Rio Grande, todo unido, ou pelo menos o Partido Libertador todo, sem a hostilidade do PRP - Partido Republicano Paulista.

d. Sem a garantia eficaz do flanco mineiro e rio-grandense, acho fadado à derrota  o movimento paulista.

        Quero,  assim,  a  opinião clara, sob o aspecto militar, dos oficiais  da  Força   Pública, representados por quem possa falar em  nome  de  todos  os  companheiros  daquela corporação." [2]

             A carta é  entregue ao Dr. Júlio de Mesquita, em reunião em sua casa,  e a resposta é  escrita pelo coronel Salgado, interpretando a opinião generalizada da Força Pública:

        "Com relação à carta que vos enviou o general Isidoro Dias Lopes  e de cujo teor fomos inteirados, cabe-nos, atendendo aos desejos do general, cientificá-lo sobre os objetivos que levam a Força Pública a solidarizar-se com o movimento armado ora em preparação, objetivos esses que a Força apresenta como condições para a sua participação definitiva no mesmo movimento:

a. Queda da atual ditadura e consequente entrega dos governos da República e dos Estados a juntas representativas das populações e interesses nacionais e locais.

b. constituído o novo Governo nacional, decretação imediata de todas as medidas  necessárias à constitucionalização do país.

c. convocação da Constituinte no prazo máximo de um ano, sendo, desde logo, marcados  mês e dia para a sua instalação.

d. autonomia política e administrativa para os Estados.

e. conservação das polícias militares, sob o controle exclusivo dos Estados, regularizando-se de vez a sua situação como forças armadas, reconhecidas pelo governo federal, fazendo-se para isso, revisão dos acordos existentes entre a União e os Estados.

f. A Força Pública será comandada, durante e após o movimento, por um oficial superior da ativa, saído de suas próprias fileiras.

g. o general Miguel Costa não deverá absolutamente ser aproveitado como expressão militar, no movimento.

         Se a Frente Única julgar conveniente, poderá aceitar a sua adesão  política, porém essa adesão somente deverá ser aceita uma vez que aquele general torne efetivo o seu afastamento da Força, reformando-se e fazendo-se  acompanhar, nesse gesto, de alguns elementos que deixaram de ser expressão da Força Pública, para tornar-se expoentes da facção política dirigida pelo general Miguel." [3]

             Essa resposta da Força Pública entra, depois, em detalhes sobre as forças que o movimento, em preparação, já tem como certas.

             As nuvens da revolução estão se adensando.

             A tempestade não irá tardar a cair...

 

 Capítulo  4

            Dia 5 de março, três dias após o término do preparo do Caminho do Café, chega de São Paulo, enviado pelo Antunes, o telegrama cifrado:

            FESTA ANIVERSÁRIO DIA 9 DE MARÇO, 21 HORAS.

            É  a senha informando a data em que o navio já estará atracado no porto de Mambucaba com o carregamento encomendado e o horário do encontro na casa alugada perto do porto.

            O telegrama alvoroça os cinco irmãos mais velhos e seu pai. Os preparativos para a primeira viagem deveriam começar imediatamente. Os balaios que iriam transportar as barras de ouro e, nas várias viagens, trariam as munições e equipamentos leves de guerra encomendados pelo Antunes, são novamente inspecionados, um por um, com a máxima atenção. O mesmo ocorreu com cada peça dos arreios dos burros, testando a sua resistência. As vestimentas que os cinco irmãos usarão, bem velhas, para não chamarem a atenção quando passarem pelas ruas de Angra dos Reis, são vestidas por todos, passando pelo olhar crítico do pai que examina cada um deles atentamente:

            - Vocês tem que andar igual aos tropeiros, sem esse corpo empinado de orgulho e superioridade que são características dos Alves de Algarve a séculos... Soltem um pouco o corpo, filhos! Acho que vocês precisam de umas boas horas de treinamento, observando e andando ao lado de tropeiros para aprenderem o modo como eles caminham. Depois do almoço quero todos os cinco, espalhados pelas ruas e caminhos em volta da cidade, praticando isso. Hoje à noite vamos ver como vocês estarão. Lembrem-se de que terão que parecer tropeiros para não chamarem a atenção lá em Angra. E continuem a não fazer a barba. Vocês têm que apresentar uma aparência desleixada, mal cuidada...

            Os cinco irmãos mergulham a fundo no aprendizado do agir como os tropeiros. É uma tarde divertida para todos e rica em aprendizado no contato pessoal com os tropeiros.

            - Indivíduos simples, que vivem em contato com a natureza, com muito conhecimento na arte da sobrevivência, vivendo com poucos recursos financeiros e materiais. Mas que possuem uma tremenda capacidade de se sentirem felizes consigo mesmos e com as pessoas e animais com os quais convivem,  sempre em harmonia e equilíbrio com o ambiente. Assumem a responsabilidade pelas suas vidas, vivenciando no dia-a-dia um sentido profundo de liberdade, obtendo desse modo um propósito às suas vidas. Estão sempre abertos e dispostos a aprender. E o que mais impressiona é que sem o verniz da cultura a abafar sua espontaneidade, vivem melhor suas emoções, são genuínos, naturais, criando uma atmosfera leve e positiva à sua volta. E essa atitude de alegria que criam, os ajudam a aliviar as agruras e dificuldades que a vida lhes apresenta. No contato com a natureza aprendem, desde cedo, que a impermanência, as mudanças constantes, estão impregnadas em tudo o que existe. Sabem que  tudo passa, nada permanece, por isso não se perturbam com nada, nada os espanta, aceitam tudo com naturalidade. O que vem, o que lhes acontece, enfrentam com naturalidade, isso desde o nascimento até a morte. As mudanças que vivenciam no contato com a natureza os levam a valorizar suas vidas, cada momento delas, pois sabem que elas não durarão para sempre. Para os tropeiros, nascer como ser humano é um privilégio muito raro e por isso eles apreciam suas vidas e tiram proveito dessa oportunidade. Aceitam cada momento e sabem desfrutá-lo. E sabem desfrutá-lo porque na simplicidade da vida que levam, vivem integralmente o momento presente, realizando o que têm de realizar naquele momento, tirando satisfação de estarem fazendo alguma coisa, sem ficarem pensando no depois, no amanhã ou reclamando do passado, o que já passou. O  momento presente, para eles, é como um grande presente de valor. A vida deles é difícil, com muita dificuldade e sofrimento, se comparada com a vida que levamos na cidade. Isso os leva a aprender com o sofrimento. Parece que o sofrimento é para eles um mestre que lhes ensina algo. Na simplicidade de suas vidas, quando sofrem ou sentem dor, aprendem a conhecer e compreender como é o corpo, como são as emoções e pensamentos. Compreendem que não há jeito de escapar à dor se não passando através e além dela, buscando uma solução, um meio de sair dela e, o que é mais importante, buscam tirar um aprendizado com a dor.  Para eles o sofrimento é visto como algo positivo pois é através dele que encontram a força interior e a energia que os sustêm em cada dia que vivem...

            Quando Reinaldo acaba de apresentar suas ideias desenvolvidas a partir das conversas profundas que teve com alguns tropeiros, fazendo-lhes muitas perguntas, enquanto andava ao lado deles para aprender o modo de comportar-se como tropeiro, a pequena plateia, composta de seus familiares, sentados à mesa para o jantar, estava boquiaberta e de olhos arregalados, pensando no que ele havia falado.

            - Vejo que temos na família um bom candidato a filosofar a vida. Gostei muito de sua análise, filho. Muito profunda. Temos muito o que aprender com essa gente simples, não? Mas, diga-me uma coisa Reinaldo, além de você captar tudo isso aí que falou, você aprendeu a andar e comportar-se como os tropeiros?

            - Não se preocupe, pai. Acredito poder passar por um deles, puxando uns burros e seus balaios pelas ruas de Angra dos Reis.

            Após o jantar, em um dos dois grandes salões do sobrado, usados em ocasiões especiais para receber os convidados para um baile, o pai Otávio passou os cinco filhos pelo Teste do Tropeiro. Todos saíram-se muito bem na avaliação final. Mas Reinaldo e Rodrigo saíram-se muito melhor. Os dois imitaram o andar gingado e balanceado que é típico dos tropeiros da região. Rodrigo, com sua espontaneidade brincalhona chegou a provocar longas gargalhadas ao imitar uma mulher de tropeiro - com suas nádegas e seios balançando no andar saltitante - como ele definiu o andar. Alguns chegaram a tirar lenços para enxugar as lágrimas que as profundas gargalhadas trouxeram aos seus olhos. O caçula, Raul, que escutava no rádio da saleta da frente as Histórias do Tio Janjão  e nos intervalos lia a revista Tico-Tico com as aventuras do Reco-Reco, Bolão e Azeitona, veio correndo para ver o que estava provocando as gargalhadas. Riu bastante, sem entender bem o que acontecia, contagiado pela alegria do pai e de seus cinco irmãos mais velhos.

            - Muito bem filhos. Depois dessas risadas que fizeram bem aos nossos fígados, quero que se recolham cedo. Amanhã vocês irão cedinho levar os materiais para a base de apoio no meio do Caminho do Café. O local que vocês escolheram e limparam precisa estar com a barraca de lona montada e o cercado de bambu terminado, impedindo que pequenos animais inutilizem os materiais que lá ficarão. Tenham uma boa noite, filhos .

            -  Benção, pai! - todos falam juntos, levantando-se.

            - Deus os abençoe, filhos.

 

       A cidade de Bananal está com suas ruas desertas naquela hora, com exceção de duas fervorosas velhinhas, de braços dados. com xales pretos à cabeça que dirigem-se à igreja para a missa das 6 horas. Os primeiros raios de sol ainda não tingem o céu de seu dourado quando os cinco cavaleiros, acompanhados por quatro burros com balaios carregados, saem do portão do casarão dos Alves de Algarve. Sobem a Rua Prudente de Moraes até a Praça da Matriz, dobram à direita, cruzando logo em seguida a Rua do Comércio, passando ao lado da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento, igreja com ricas imagens talhadas em pedra, colocadas em 6 altares e na sacristia, mais um altar de Santa Rita de Cássia... Logo que os cavaleiros entram na Rua do Fogo, atrás da igreja e tomam o rumo da Estrada Geral em direção ao sertão, Rogério chama a atenção de seus irmãos:

            - Vocês repararam nas duas velhinhas que estavam indo à igreja? Elas estavam na calçada e quando eu passei por elas escutei-as conversando: - Mariazinha, quantos anos você tem?  - E Rogério imita  o timbre de voz de uma velhinha: -  75 anos.  E você, Esterzinha, quantos anos você tem?

            - 7l!   - Nossa,  Esterzinha, como você é mocinha!...

            Todos caem na gargalhada. Isso anima-os logo no começo da viagem...

            

 

 

            E continuam a rir das piadas que hora um, hora outro conta:

           - A velhinha era meio burra. Um dia ela foi ao Cartório assinar um documento. O atendente lhe disse que era preciso assinar deitado ao lado da folha. A velhinha não pensou muito: pegou a caneta e o papel e deitou no chão ao lado do papel para assinar.

            - Ah! Não! Piadas sem graça não vale  - protesta  um deles.

            - Lá em São Paulo estavam acontecendo casamentos onde os noivos já tinham dormido juntos. Um padre pediu ao sacristão para fazer  uma pesquisa entre os paroquianos. Uma das pessoas a quem foi perguntar foi um velhinho. Ele era um piadista e o sacristão não sabia. E fez a pergunta:

            - Senhor, qual a sua opinião? O senhor acha que os noivos, antes do casamento, podem dormir juntos? E o velhinho respondeu:  - Depende, se não atrapalhar a cerimônia do casamento...

            Depois de algumas risadas sem graça, Raymundo toma a palavra:

            - Vocês sabem a última do Getulio? Dizem que ele está com tanta vontade de se perpetuar no poder que mandou um emissário em Jerusalém perguntar quanto custa para ele, Getulio, ser enterrado no Santo Sepulcro, quando morrer. Quando lhe falaram o preço ele se espantou e perguntou: - E o aluguel só por três dias, sai mais barato?  - Uns olham para os outros, tentando entender a piada. Como ninguém ri, Raymundo completa: - Ele quer ressuscitar ao 3º dia e continuar no poder...

            - Ah!... - foi a única resposta de alguns, sem nenhuma risada. E o caçula do grupo resolve contar a dele. E, de piada em piada, os quilômetros vão passando. No alto sertão saem da Estrada Geral passando pela porteira de madeira que dá  passagem para as terras da família. Ao lado da porteira, uma placa:  Terras dos Alves de Algarve. Proibida  a Entrada. Após um quilômetro da porteira, logo depois da estradinha contornar um morro, inicia-se o Caminho do Café.  Direcionam os cavalos e puxam os burros por esse novo Caminho. Após algumas paradas para descanso dos cavalos e do traseiro dos cavaleiros e, transcorridos 6 horas de marcha, chegam ao local escolhido para a montagem do acampamento. O sol já está  quase a pino, marcando o meio-dia quando iniciam a montagem da barraca e dos apetrechos. Os bambus grossos que tinham deixado anteriormente no local, todos cortados com 2 metros de altura, são alinhados em círculo, como uma paliçada protetora, em torno do acampamento. Até um pequeno portão feito de bambu é instalado nessa cerca, amarrando-o com arame. Enquanto admiram o trabalho feito, saboreiam o lanche preparado com esmero pelo velho Paulo e sua mulher, logo de manhã antes de iniciarem  a viagem.  Reinaldo filosofa:

            - Essa missão que estamos realizando e vamos realizar assemelha-se ao beija-flor em luta com o gavião. Esta ave é forte, ágil e valente. Se comparada com o beija-flor, é uma ave grande. No entanto, quando um gavião vê um beija-flor, um frágil passarinho, foge apavorado. Isso porque quando o gavião ronda algum lugar em busca de alimento, um beija-flor voa rápido por baixo e enfia nele seu longo e pontudo bico afastando-o da região. Os outros animais que foram salvos pelo pequeno beija-flor nem ficam sabendo disso e continuam suas vidas...

            - Você a cada dia me surpreende, mano, com seus comentários. Se você escrever os comentários que tem feito sobre o que tem observado ou concluído, daqui a pouco terá escrito um livro

            - Então quer dizer que nós somos cinco beija-flores, ajudando muitas pessoas que nem ficarão sabendo disso. Gostei dessa imagem!  - E Raymundo conclui: -  O gavião Getulio que se cuide, pois aqui estão cinco valentes beija-flores... -  E, conversando bastante entre si, demonstrando alegria e entusiasmo, retomam o caminho em direção a Bananal.

 

          Dia 9 de março de 1932, antes do por do sol raiar atrás dos morros, os cinco irmãos controlando os 30 burros com balaios às costas, emparelhados dois a dois e com cordas ligando uns aos outros, já estão a caminho do sertão e de lá, pelo Caminho do Café, até Angra dos Reis. E, ao final do dia, o sol já está se pondo atrás dos contornos elevados da Serra do Mar, divisadas do litoral, quando os cinco irmãos, puxando grupos de burros atrás dos seus passos e mantendo uma distância entre eles, entram na região do porto de Mambucaba. Sabem onde terão que ir. Eunildo e Celio tinham dado explicações exaustivas sobre o local da casa alugada...

            A casa tinha sido escolhida a dedo. Ficava a menos de 100 metros do porto onde o navio ATTILA II estava atracado. Possuía quatro quartos, uma sala grande e uma boa cozinha, além de mais um depósito nos fundos que valia por mais dois quartos, espaço suficiente para a estocagem das caixas de munição e outros equipamentos que o pessoal do navio, com ajuda de uma equipe de 15 homens enviados por Antunes, sorrateiramente na noite anterior, durante toda a noite, levara até a casa. E tinha um quintal grande, com espaço para abrigar os 30 burros e cinco cavalos, além de permitir que carregassem os balaios sem serem vistos da rua por pessoas estranhas ou curiosos passantes. Depois de terem entrado pelo largo portão ao lado da casa, abrigado e alimentado os animais e, após terem descarregado as caixas com as 40 barras de ouro com as quais pagariam o carregamento que estava estocado na casa, ficam aguardando o encontro das 9 horas da noite, enquanto saboreiam um lanche que haviam trazido e o gostoso café que o cozinheiro da equipe de 15 homens, enviados por Antunes, preparara...  - Esse Antunes pensou em todos os detalhes... - pensa Raymundo, tirando conclusões como Analista de Informações...

      

       21 horas em ponto. Três toques na porta. É o sinal combinado. Robson abre a porta e depara-se com um homem gordo, baixo de cara redonda com cabelos loiros cortados curtos. A mão que estende é grossa, calosa.

            - Mr. Robson?  - é  a pergunta. E os entendimentos são rápidos, num inglês facilmente compreendido por ele. Enquanto Robson leva o comandante para a cozinha, para um quente café brasileiro e com ele mantém uma conversa animada em inglês, recebendo dele um envelope fechado para ser entregue  ao Mr. Antunes, Raymundo na sala, acompanha o imediato do navio -  Mr. János - como tinha sido apresentado pelo comandante do navio - que  examina as barras de ouro, uma a uma, detalhadamente. Conta-as duas vezes. Ao término, dá um assobio e rapidamente quatro homens fortes saem das sombras, entram na sala e levam as quatro caixas com as barras de ouro. Raymundo não pode deixar de observar lá fora, na penumbra da rua, vários homens armados, parecendo a  escolta do comandante do navio e seu imediato e para a carga preciosa que vieram buscar...

            Logo após os homens do navio terem partido, os cinco irmãos resolvem dormir um pouco. Às duas horas em ponto da madrugada o relógio de bolso do Robson emite um som estridente despertando a todos. E o carregamento dos balaios pendurados nos burros começou, ajudados pelos 15 homens do Antunes... A madrugada ainda cobre com sua névoa marítima as ruas perto do porto de Mambucaba, quando em pequenos grupos, deixam a casa que ficou  sob a proteção dos  homens da equipe enviada pelo Antunes, tomando o rumo da floresta que encobre o início do Caminho do Café, na encosta da Serra do Mar. Todos se encontram no lugar combinado, após a floresta. Robson, o comandante do grupo, passa em revista os acontecimentos. É importante não terem chamado a atenção sobre eles. Tudo havia corrido bem - foi a conclusão - já que não tinham visto ninguém pelas ruas. Agora, a subida da serra, o pior trecho para os animais com os balaios carregados. Fazem cinco paradas para não forçarem os animais. E a tarde já está alta quando param para pernoitar no acampamento de apoio. Reinaldo e Rogério são escalados para fazerem a comida. Os outros dedicam-se a esvaziar os balaios, colocando todas as caixas de munições debaixo de uma grande lona. Os animais parecem aliviados quando os balaios vazios são retirados dos arreios. E, no cercado, disputam a ração de capim cortado com cana e sal grosso que lhes é  servida.  - Podem comer bastante. Nós temos bastante ração para vocês...  - Rodrigo conversa com os animais enquanto espalha a ração  pelo cocho. A um lado do cercado, um grosso  bambu cortado ao meio, conduz a água para os animais, vindo de uma bica das proximidades.   Estabelecem  turnos  de  guarda  e  ronda,  de  duas  em duas horas, apesar de saberem que nenhum ser humano irá  aparecer por ali.  Talvez algum animal pudesse assustar os burros e cavalos.  - É melhor prevenir do que remediar - é  o lema dos cinco irmãos.

              A noite transcorre sem problemas. Às cinco horas, enquanto os primeiros raios do sol clareia o preto do céu, todos se levantam. Após um café bem forte para reanimar, especialidade do Raymundo, dedicam-se a carregar os animais.  A última caixa de munição é colocada num balaio às costas de um burro,  quando Robson inicia a vistoria do acampamento para ver se não ficou  restos de comida que possam atrair animais. Depois de constatar que tudo está arrumado e em ordem, dá início à segunda etapa da viagem. Agora, o destino é a Caverna dos Dois Elefantes. No dia seguinte, enquanto Eunildo e Celio, começarem a entregar  os materiais em pontos estratégicos escolhidos entre  Bananal  e Lorena,  ele e seus irmãos retornarão a Angra dos Reis para continuar o transporte dos materiais. Pelo volume que o navio trouxe e está  estocado naquela casa, Robson calcula que terão que fazer, pela capacidade dos balaios que os burros carregavam,  umas 20 a 25 viagens.

            Era hora do almoço, pelo barulho de seus estômagos, quando acabaram de descarregar as caixas com as munições e alguns equipamentos no platô  dentro da  Caverna dos Dois Elefantes.

            - Mas que trabalho profissional bem feito, está ótimo! - Raymundo elogia o trabalho do Rogério e Reinaldo. O gerador tinha sido ligado e as lâmpadas iluminam o amplo Salão da Tartaruga. Sorteiam  quem vai a Bananal para dar as boas notícias ao pai. O caçula do grupo, Rodrigo, depois de  despedir-se de todos, inicia os 18 km que o separam da cidade... e retornar antes do escurecer...   Robson, escolhe bem o momento para poder esconder o envelope que recebeu  do comandante do navio, endereçado ao Sr. Antunes, em São Paulo. Durante a viagem a cavalo naquele dia veio matutando sobre a conversa que teve com aquele comandante. Uma coisa o intrigava: que pedido estranho o Antunes tinha feito ao fornecedor de armas e munições dos Estados Unidos para o comandante ter frisado várias vezes que - o fabricante mandou dizer que tinha achado estranho o pedido do Mr. Antunes mas que  fez tudo conforme tinha sido pedido... -  Robson escolhe bem o lugar e esconde o envelope, para poder lê-lo em outra ocasião. Tinha resolvido não entregar o envelope ao Eunildo e Celio para eles levarem ao Sr. Antunes,  em São Paulo...

            No dia seguinte, pelas quatro horas da madrugada, os irmão são  acordados por um caminhão Ford que estaciona na entrada da caverna. Eunildo e Celio, caracterizados como ajudantes de motorista quase não foram reconhecidos, usando macacão surrado, botas desbotadas de tanto uso e barba de uma semana.  Destoavam gritantemente da elegância com que costumavam andar... Todos trabalham com afinco ajeitando as caixas na boleia do caminhão e cobrindo-as com cachos de banana verde, depois de cobri-las com uma lona, amarrando tudo para evitar que balancem demais nas curvas da estrada. Antes dos dois grupos partirem, cada um para o seu destino, e enquanto tomam um café reforçado, Eunildo e Celio colocam os cinco irmãos à par da situação em São Paulo:

            - Os ânimos estão cada vez mais exaltados no povo em geral e especialmente, nos políticos e nos empresários. Getulio está tentando ganhar tempo, publicando o novo Código Eleitoral marcando as eleições para a Assembleia Constituinte para maio de 1933. Vargas já percebeu que há uma grande frente contra ele. Para tentar esfriar o movimento, além do Código Eleitoral, nomeou para interventor em São Paulo o civil, paulista e sexagenário Pedro de Toledo. Mas todos já perceberam que são manobras dele para esfriar nossas cabeças. São atuais ainda as palavras do manifesto escrito por Francisco Morato, presidente do Partido Democrático, publicado em São Paulo quando do rompimento dos democráticos com o Getúlio em 15 de Janeiro deste ano  - E  Eunildo pega  o manifesto e o  lê para todos:

         ..."São Paulo, que pela cultura e gênio de seus filhos, pela opulência de sua riqueza, pelo número de sua população, pela feracidade de seu solo, pela grandeza de seu comércio, indústria e lavoura, pelo brilho de suas letras, pelo progresso vertiginoso de suas campinas e povoados, pelo prestígio de sua interferência preponderante e contínua na formação de nossa nacionalidade; São Paulo, que poderia reivindicar não um primado em que não pensa, mas uma paridade de tratamento no seio  da federação, não tem sequer uma voz ou representante no conclave da ditadura e, além disso, vê os seus filhos afastados das posições oficiais, os cargos de sua jurisdição cometidos a beneficiários de fora e o seu governo entregue aos caprichos de forasteiros... Isto não pode continuar assim... Não se confunda nossa paciência com pusilanimidade... Na ordem federal, ninguém se ilude sobre a situação do país. Ao lado de uma política que tem despertado nos Estados sentimentos de tédio, angústia e desapontamento, de todos os seus filhos, a paralisação dos negócios, a falência do comércio, o definhamento das indústrias, a penúria da lavoura cafeeira, a fuga das espécies metálicas, o aviltamento do dinheiro nacional, o pavor da instabilidade, o arrocho dos tributos nas malhas de uma insólita tendência regalista, o anuviamento constante dos horizontes, a incerteza de tudo que nos aguarda, em suma, um mal-estar geral, sombrio e doloroso..."

            E Eunildo, pigarreando, conclui a  leitura:

            ..."Hoje as classes, as famílias e o povo em geral, estão impregnados de espírito de revolta. Há no ar uma atitude de libertação de São Paulo e essa atitude está se generalizando a cada dia. A revolução é inadiável, meus amigos. Falta  só marcar data e horário para a explosão.." [4] 

            - Não há condições, general, de marcar  data e horário para o levante. Não estamos ainda preparados e não há clima atualmente para unir todo o povo em torno dessa causa. Não há base para a ação imediata...

            - Coronel Euclydes, o senhor é um bom estrategista militar, mas eu discordo. Acredito que estamos preparados e poderemos levantar a Força Pública e o Exército baseado em São Paulo e avançarmos rápido para o Rio, tomando a capital federal, derrubando o Getulio... - E a discussão entre o General Isidoro Dias Lopes e o Coronel Euclydes de Figueiredo se arrasta pela madrugada de 7 de abril Os outros  participantes da reunião secreta na casa de Júlio de Mesquita Filho, só ouvem. Ao final, não se chega a um acordo. Os dois militares separaram-se ressentidos... No outro dia, Júlio de Mesquita Filho consegue reaproximá-los amistosamente. Em nova reunião conseguem chegar a um acordo e decidem intensificar as articulações e acelerar os preparativos para a revolução. Precisam saber a situação real da Força Pública, armamentos e munições. O coronel Euclydes, na reunião, é  escolhido como o Chefe do Estado Maior Revolucionário. Sua escolha é referendada depois pelo General Bertholdo Klinger, comandante da Circunscrição Militar do Mato Grosso e que, junto com o General Isidoro, participava de todos os detalhes da conspiração... Estavam também acelerados os entendimentos com o interventor Pedro de Toledo e já se contava com a adesão dele para com a  revolução. A Frente Única já discutia com Pedro de Toledo a formação do governo paulista...

           No Largo S. Francisco, no centro de São Paulo, a Faculdade de Direito inicia o tradicional trote de abertura do ano letivo naquele 30 de abril. O cortejo em direção à Praça da República, ridiculariza os líderes do tenentismo que apoiam Vargas: Osvaldo Aranha, Juarez Távora, Miguel Costa, Góes Monteiro, Cordeiro de Farias, João Alberto e Manuel Rabelo. O povo gosta do que vê e engrossa o cortejo, transformando-o em manifestação política. Mas outros não gostam do que veem: o Clube Três de Outubro e a Legião Revolucionária - os olhos e os ouvidos dos tenentes e do Getulio, policiando o Governo Estadual, o povo, a economia e até os quartéis da Força Pública. Não gostam do que veem e descem às ruas e atacam o cortejo.  Socos, correrias, gritos.  O povo fica revoltado...

            - Parte do carregamento de oito milhões de tiros chegou há três dias atrás a São Paulo, Senhores. O restante está espalhado por pontos estratégicos pelo Vale do Paraíba, entre Bananal e Lorena. Já temos, além do que a Força Pública e o Exército possuem em seus quartéis, os oito milhões de tiros de balas de fuzil 1908. E o general Klinger já prometeu  trazer toda a guarnição militar do Mato Grosso, "bem provida de armas e munições de guerra - 5.000 soldados, 13.000.000 de cartuchos de infantaria, além de apreciável artilharia..."[5]  E, pela última informação, já conseguimos produzir nas indústrias  paulistas, 30 mil fuzis 1908 que estão disponíveis para armar o povo quando explodir o movimento. E junto aos fuzis, já temos prontos, capacetes de aço, mochilas, uniformes, obuseiros, bombas para canhões e para  aviões e outros equipamentos necessários... E uma indústria já está conseguindo produzir mais munição para os fuzis e para outros equipamentos. - O coronel Euclydes de Figueiredo apresentava os dados do Plano Militar para a revolução. A noite de sábado do dia  21 de maio de 1932 é toda consumida na elaboração e discussão desse Plano Militar. Presentes à reunião secreta em sua residência particular na Avenida Angélica, estão além do coronel Euclydes, o coronel Júlio Marcondes Salgado, Mello Matos, o capitão Celso Veloso e o Dr. Júlio de Mesquita...

           Os tenentes de São Paulo têm um objetivo específico: alijar do poder, para sempre, os políticos do PRP - Partido Republicano Paulista - que desde 1894 comandam o Estado e por decênios presidem a República. Querem realizar mudanças em todos os altos cargos da administração paulista. Mas,  o Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo fundado em 24 de fevereiro de 1926 em união sagrada dos paulistas numa Frente Única fazem pressão sobre os tenentes. Estes, irritados, não aceitam que os rumos da Revolução de 30 que haviam auxiliado a vitoriar-se sejam mudados. Não aceitam que retornem ao poder em São Paulo "os homens, os métodos, os posicionamentos e as práticas do Partido Republicano Paulista". [6]

            Osvaldo Aranha é designado pelos líderes dos tenentes, baseados no Rio de Janeiro, para ser o emissário que "levaria a São Paulo a disposição tenentista e a  colocaria em execução: o interventor até poderia ser paulista, mas o secretariado teria que ser indicado  pelos tenentes". [7]

            São Paulo recebe, no dia 21 de maio, a notícia da vinda do ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha para resolver o caso paulista. As articulações para as manifestações populares, com oradores conclamando o povo contra a visita tomam todo o dia. Os frentistas e a imprensa denunciam a manobra e se recusam a ter audiência e diálogo com esse emissário. Os jornais favoráveis ao Getulio,  no dia 22 de maio, editados pela Legião Revolucionária, alardeiam a vinda de Osvaldo Aranha. A Frente Única reage pelo rádio, mobilizando o povo contra a visita e o que ela significa. Os estudantes, também, contrários à presença de Osvaldo Aranha, distribuem manifesto à população:

                               "PAULISTAS!

            Mais uma vez o ministro Osvaldo Aranha, como enviado especial do ditador,  vem a São Paulo, com o intuito de arrebatar ao povo paulista o sagrado direito de  escolher os seus governantes.

            Mas, o povo paulista, cuja paciência não é ilimitada,  não  mais  suportará  tamanha afronta e humilhação. Tendo a consciência do seu valor e da sua força, ele repele a indébita e injuriosa intromissão na sua vida política daqueles  que  estão  conduzindo  São Paulo e o Brasil à ruína total e à desonra.

Para manifestar e impor a sua vontade, na reivindicação dos seus direitos e  das  suas liberdades, o povo de São Paulo reunir-se-á, hoje, às 15 horas, na Praça do Patriarca em comício e decidirá então, dos seus destinos dentro da comunhão nacional.

            Eia, pois, povo de São Paulo!

            É chegada a hora da libertação e da vitória!" [8]

 

           Há  uma grande indignação popular contra a presença de Osvaldo Aranha em São Paulo. Oradores inflamados em vários pontos da cidade pedem armas para o povo e a derrubada do governo federal, encabeçado pelo Getulio Vargas. Da Praça do Patriarca, onde poderoso alto-falante montado na fachada da Casa Prado transmite os discursos inflamados como os do promotor Ibrahim Nobre, a multidão decidida e dirigida, desce pelo Viaduto do Chá em direção à Rua Conselheiro Crispiniano, onde está localizada a sede da Região Militar. O povo aclama o Exército reclamando o seu pronunciamento e a sua solidariedade para com o povo com gritos de - O Exército é o povo. Em São Paulo o Exército é o povo paulista! - Ibrahim Nobre discursa novamente, exaltando as gloriosas tradições do Exército Nacional. Ele pega uma bandeira paulista e compara suas cores - branca, negra e vermelha - com o pacifismo de ontem e o luto e a revolta de hoje pelo estado de servidão que reduziram o Estado.

            Os portões do quartel permanecem cerrados. No gradil apresenta-se o capitão Gastão Goulart e transmite o que os soldados têm a dizer ao povo:  -  " As forças federais não atirarão sobre o povo"[9] E oficiais jogam flores sobre o povo.  O recado é curto e não é claro. Por isso, muito bem é aproveitado pelos oradores exaltados, traduzindo a frase para o povo como sendo a passagem de uma senha secreta de incentivo: O EXÉRCITO ESTÁ COMPROMETIDO COM A REVOLUÇÃO.  Os oradores dirigem o povo para o bairro da Luz, onde está o Quartel General da Força Pública para fazer a ela o mesmo pedido feito ao Exército. Há uma onda de entusiasmo e fúria na multidão excitada...  A cada esquina a multidão aumenta. Todos estão dispostos a loucas ousadias. Quando a multidão está aglomerada em frente ao Quartel General da Av. Tiradentes, surge um esquadrão de cavalaria da Força Pública e arremete contra o povo. Populares contundidos pelos cavalos, pelos sabres e pelos tiros. No chão, o sangue do estudante Lima Neto, ferido, inaugura a revolução que está para iniciar-se... O povo dirige-se, em seguida, para os Campos Elíseos, sede do Governo Estadual.

             - Já começa a correr o sangue paulista” - diz o promotor público Ibrahim Nobre ao interventor Pedro de Toledo. E acrescenta, com gestos dramáticos: -Estamos algemados e algemados dentro de uma senzala. E V.Exa., Sr.  Pedro de Toledo, está preso conosco. V. Exa . deve sair dela e com estes homens vir à rua reivindicar a nossa liberdade. V.Exa. é um homem velho, está no fim da  vida e deve escolher entre um simples epitáfio ou uma estátua" [10]

            O povo se exalta com vivas a São Paulo e pedindo morte a Osvaldo Aranha. Pedro de Toledo fala ao povo que a atitude hostil para com Osvaldo Aranha que vinha cuidar da situação paulista, levaria a sua deposição como interventor em São Paulo. Com sua ponderação, pede calma ao povo e promete:

           - "Ou São Paulo tem, dentro de 24 horas, o governo que deseja, ou abandonarei a interventoria para ficar ao lado do meu povo".  O povo se retira, convidado por Ibrahim Nobre: -..."pois leva a palavra de um homem honrado." [11]

            Mas, há  pessoas que não estão gostando de ver as atitudes do povo  contra os tenentes e o Governo Federal do Getulio.  - "Isso não fica assim, vamos ter de fazer alguma coisa. O mal deve ser cortado esta noite mesmo!" [12]  - Um grupo decidido, em nome do tenentismo e do getulismo, comandado por Osvaldo Aranha, tenta organizar uma reação contra o povo. Tentam por o 4º Batalhão de Caçadores do Exército nas ruas para dominar o povo. O seu comandante, Tenente-coronel Mário da Veiga Abreu, nega-se a cumprir essa ordem. Os tenentes não desistem - "... se o Exército não vai à praça sob o seu comando, levarão a Força Pública, comandada por tenentes e cuja cavalaria aquela mesma noite dera provas de acatamento às ordens de investir contra a população". [13] -  O grupo chega ao Q.G. da Força Pública e exige a cavalaria. Mas seu comando também diz  - Não!

             A noite termina sem mais sangue... Osvaldo Aranha recolhe-se ao Quartel General da Região Militar, lugar mais seguro. E à noite, em vigília, percebe pela discussão entre os oficiais, quão próxima estava a reação militar dos paulistas.

            O dia 23 de maio de 1932 amanhece com carros correndo pelas ruas de São Paulo. Levam armas e munições aos fiéis e decididos partidários da Legião Revolucionária e do Clube Três de Outubro. -"Nossos partidários têm um propósito e cumprem ordens. Eles não deixarão impunemente que os carcomidos, os derrubados de 1930 realizem a sua desforra, ofendam a nós, vencedores, chegados com  a Aliança Liberal. Se nossos adversários querem guerra, conforme se ouve pelas esquinas, terão guerra a partir mesmo das esquinas paulistanas".[14]

             A Associação Comercial distribui boletim pedindo ao comércio "fechar  as  suas portas por 24 horas se até esse momento não tiverem sido satisfeitas as legítimas aspirações do povo paulista".[15] Os empregados do comércio  engrossam a multidão que logo explode em manifestações, com entusiasmo. Toda a tarde desse dia, no centro da cidade, é de tensa agitação. Grupos gritam, protestam, dão vivas e se chocam com os partidários da Legião Revolucionária e do Partido Popular Paulista, representantes da ditadura do Getulio. Nas ruas e praças o clima  é  de guerra civil...

              Nos jardins do Palácio  do Governo, nos Campos Elíseos, o povo reclama um secretariado paulista. Às 17 horas e 30 minutos, numa das sacadas do palácio, Francisco Morato comunica ao povo a formação do novo secretariado do governo paulista, comunicado também para todo o país pela Rádio Record às 20 horas, lido pelo Dr. Morato:  

 

                              "PAULISTAS!

          Tenho grande prazer de vos anunciar que se acha constituído o novo governo  do  Estado em torno do Dr. Pedro de Toledo, e São Paulo restituído das prerrogativas e autonomia de que por tanto tempo se viu privado. O novo  governo,  genuinamente  paulista,  tirado da  Frente Única é composto por: Na pasta da Justiça: Dr. Waldemar Ferreira. Na Educação: Dr. José Rodrigues Alves Sobrinho. Na Viação: Dr. Fonseca Telles. Na Agricultura: Dr. Francisco da Cunha Junqueira. Na Fazenda: Dr. Armando de Salles Oliveira. Na Prefeitura: Dr. Gofredo da Silva Telles. Para o Depto de Administração Municipal: Dr. Joaquim Sampaio Vidal. O Chefe de Polícia será nomeado  pelo interventor, depois de empossado o secretariado. O Sr. Waldemar Ferreira toma posse hoje às 21 horas; os demais, amanhã às 11 horas.

         Reina na capital o maior regozijo. O povo celebra com grandes expansões de entusiasmo a vitória das reivindicações populares e o restabelecimento de São Paulo ao posto que lhe cabe por sua cultura, opulência e tradições de civismo no seio da Federação Brasileira. A Igreja celebra ainda as aleluias do calendário católico; o Estado de São Paulo reafirma na data redentora de hoje, o gênio e ânimo invicto dos filhos de Piratininga." [16]

           No início da noite de 23 de maio de 1932, o jornal Diário da Noite publica uma entrevista com oficial da Força Pública, sobre os acontecimentos do dia anterior:

           "São deveras deploráveis as ocorrências ontem verificadas no Q.G. da Força Pública. Entretanto, a atitude infeliz dos oficiais que procuraram impedir, pela força, as livres manifestações do  povo paulista, não interpretam os sentimentos da Força Pública. Esta, neste momento de apreensões e perigos para a Família Paulista, está inteiramente ao lado do povo e da guarnição federal, que, decidida e patrioticamente se colocou ao lado de São Paulo.

           As selvagerias de ontem são o reflexo de uma mentalidade inferior e facciosa, que pretendia, inutilmente, avassalar a Força Pública, desvirtuando a sua missão, para pô-la ao serviço do caudilhismo em má hora implantado em São Paulo depois do movimento revolucionário de 1930.

           Mas a Força Pública não só não fez causa comum, como está repelindo, com energia aqueles que queriam submetê-la a instrumento de uma facção política que está assalariada pelos inimigos de São Paulo e da Nação.

           A Força Pública tem a exata noção dos seus deveres e responsabilidades. Não será conduzida por aqueles que, interesseiramente, perderam a qualidade de membros da  força paulista, tornando-se guardas pretorianos de alguns aventureiros de sorte". [17]

             E o mesmo jornal publica, também, o Manifesto da Força Pública, datado de 15 de maio de 1932 e assinado por grande número de seus oficiais, colaborando para arregimentar mais adeptos para a revolução em preparação:

                               "AOS PAULISTAS:

     Em todas as fases de sua evolução histórica, a Força Pública de São Paulo tem-se mantido fiel à sua missão de tropa mantenedora da ordem pública, desenvolvendo a sua atividade dentro da mais completa obediência aos poderes civis. Ela não pode afastar-se  dessa norma, sob pena de trair São Paulo e a Nação, emaranhando-se num pernicioso caudilhismo que a civilização paulista não mais comporta.

     Com a natural desorientação que passou a reinar nos meios civis e militares, depois da vitória do movimento revolucionário de 1930, tem-se procurado desvirtuar a missão  da Força Pública e confundir as responsabilidades que cada um de seus membros tem  perante a coletividade paulista. Há um jogo oculto, cujas graves consequências a  ninguém mais é lícito pretender disfarçar, no sentido de transformá-la em elemento  e perturbação da ordem política do Estado, a serviço dos interesses  partidários do general Miguel Costa.

     Para bem definir responsabilidades, precisamos tornar público que a Força Pública não servirá de instrumento nas mãos daquele político. Ela quer ser reintegrada  em sua  verdadeira missão e ver restabelecida, no seu seio, a disciplina  indispensável à vida das corporações armadas. A sua oficialidade sente que o povo paulista a interroga sobre o caminho que há de tomar no meio da atmosfera de dúvidas e apreensões criminosamente criada por elementos que procuram satisfazer as suas ambições e interesses  inconfessáveis a custa do bom nome da tropa que São Paulo mantém para a defesa do seu patrimônio.

     Para o sossego da Família Paulista, precisamos responder àquela interrogação, dizendo que a Força Pública mantém fiel aos seus deveres para com São Paulo e  prestigiará, como é do seu dever, a ação do atual interventor, embaixador Pedro de Toledo, para que ele possa, livre de qualquer embaraço, governar com os valores representativos da  maioria do povo de São Paulo". [18]

            Nas ruas noturnas de São Paulo de 23 de maio, o povo aclama e se entusiasma. O povo "aclamaria quaisquer nomes desde que não indicados pelos tenentes". [19]  Quando, às 21 horas, o Dr. Waldemar Ferreira recebe a pasta da Justiça do Silva Gordo, o povo aplaude vigoroso. O Dr. Waldemar Ferreira, minutos após tomar posse, "lavra e faz promulgar decretos reformando o general Miguel Costa e o coronel Juvenal de Campos Castro... E nomeia para o comando da Força Pública o coronel Júlio Marcondes Salgado, sabidamente comprometido com os planos da Revolução. A Força Pública volta a obedecer a oficial paulista". [20]

 

             Após a solenidade tiros se fazem ouvir. Para quem está  ali presente naquelas últimas horas do dia 23 de maio, é o início da Revolução de 1932...

             A multidão havia se dividido em vários grupos. A cidade está sem policiamento. Um grupo mais extremado alveja a tiros a  redação do Correio da Tarde, órgão de apoio ao governo e empastelam o jornal. A seguir, depredam as instalações do jornal A Razão, pertencente à família  de Osvaldo Aranha. O povo está em clima de vitória e sente-se "senhor do seu destino". Mais de dois dias que  "a multidão ondeia, vagueia, ouve, aclama, apupa, confia, desespera, exige".[21] Um outro grupo, mais afoito abre à força casas de armas e munições das ruas Boa Vista e Libero Badaró. A massa, já corrente indomável fluindo para trincheiras  pela rua Barão de Itapetininga, alcança a esquina da Praça da República, onde decide atacar a sede do PRP -Partido Popular Paulista, instrumento político com a qual a Legião Revolucionária entendia conquistar o povo para suas ideias e posições do governo federal. Mas a sede no nº 70 da esquina da Rua Barão de Itapetininga está esperando com gente disposta, bem armada e fartamente municiada...

            Do prédio são disparados tiros de fuzil e de metralhadora. Granadas são jogadas na praça. O povo corre a abrigar-se onde pode. Mais armas começam a chegar para o povo, apesar de poucas para a multidão cada vez maior. Os atacantes aumentam, engrossados por estudantes. Algumas granadas encontradas na praça são arremessadas de volta à sede legionária. A luta continua acirrada. Nenhum dos lados esmorece... "Um grupo de atacantes arranja escadas, com as quais, lembrando os assédios a castelos medievais,  tentam escalar as muralhas da fortaleza. Os que tombam são socorridos por acadêmicos de Medicina. Outro grupo prepara nova e ousada investida: com latas e garrafas de gasolina, tentam incendiar o reduto que resiste. Bombeiros e policias aparecem, mas são repelidos e se retiram impotentes...    Intensifica-se o combate. O pipocar da fuzilaria prossegue. No chão, esquina da rua com a praça, estão mortos Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade. Horas depois, as iniciais dos nomes dos mortos passam a formar a sigla da sociedade que será a forja e martelo da revolução constitucionalista: MMDC (Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo)" [22]

            O tiroteio continua até às 4,15 da manhã de 24 de maio. Por essa hora, tropas do Exército e da Força Pública tomam posição na Praça da República e nas ruas vizinhas, cercando a sede da Legião. Os legionários rendem-se, então, retirando-se desarmados...

            Os acontecimentos do dia marcam o início da organização do MMDC que começa a receber voluntários e reúne centenas de técnicos e estudantes. São preparados pelotões guerrilheiros do tipo apresentação e ação fulminantes. Toda a cidade de São Paulo é coberta pelo plano: os pelotões, ativados mediante senhas altamente secretas, a serem transmitidas no minuto derradeiro da revolta, ocupariam pontos estratégicos, repartições públicas, estações ferroviárias, emissoras radiofônicas e outros serviços públicos. As armas e munições chegam facilmente aos voluntários do MMDC e de várias fontes,  inclusive abastecidas junto ao grupo organizado pelo Antunes... O MMDC se organiza, especialmente, mais como a direção do abastecimento, a intendência, as finanças, a engenharia, a saúde, o correio militar, a propaganda, a mobilização popular e os serviços auxiliares. Tudo está  sendo preparado para ser acionado quando a revolta acontecer...

            Osvaldo Aranha, bem protegido dentro do Quartel da Região Militar mostra-se impressionado com a reação popular. Na manhã do dia 25 parte para o Rio de Janeiro, depois de receber o general Manoel Rabello que havia chegado  do Rio para assumir o comando da Região Militar e da Divisão de Infantaria, em substituição ao general Góes Monteiro que tinha sido transferido para o Rio de Janeiro, conforme comunicado divulgado pela imprensa:

          "Foi nomeado comandante da 2º  Região  Militar o general Manoel Rabello que embarcou esta madrugada para São Paulo a  fim de assumir aquela chefia. Elementos do PRP fizeram ontem manifestações de hostilidade ao ministro Osvaldo Aranha e ao governo provisório. A cidade de São Paulo já se encontra calma, está sendo policiada pela tropa federal. A Força Pública se acha toda aquartelada aguardando ordem do governo provisório..." [23]

            Dia 25 de maio, soldados do Exército do 4º RI de Quintaúna, do 5º RI de Lorena, do 6º RI de Caçapava desembarcam na capital paulista e patrulham as ruas. E o povo lê o Manifesto de Pedro de Toledo que tenta, com diplomacia,  ganhar tempo:

                             "AO POVO PAULISTA

        Tendo se reconstituído o meu  secretariado,  no  intuito  de  bem  e melhor servir o Governo Provisório da  República, no posto em que me colocou,  de molde a poder  encaminhar o Estado de São Paulo para a consecução de suas finalidades, como unidade  da nação brasileira, fi-lo com o assentimento do Governo Provisório e com a ciência de um dos seus membros, o exmo. Dr. Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda.

        Guiou-me nessa atitude o ardoroso desejo de pacificar os espíritos porventura exaltados pelo mesmo sentimento  patriótico e de restabelecer a paz à  Família Paulista, para que o Estado de São  Paulo possa continuar no seu trabalho fecundo e incessante.

         Tendo assumido, ontem, o comando da Segunda  Região Militar o exmo. Sr. general Rabello, militar assas conhecido pela nobreza de seus sentimentos e pela serena energia  de seus atos, e sendo a nossa preocupação máxima a de manter a ordem sem a qual nada se fará de útil, faço um apelo a todos os meus coestaduanos para que confiem no meu governo como se acha constituído. Cooperando todos para esse mesmo desiderato,  faremos obra meritória e digna de nossa Estado e do Brasil. Fio em que o povo paulista volte à sua faina, cesse as manifestações e reuniões que podem ser exploradas por elementos que, não raro, se prevalecem desses  instantes para implantar a  desordem.  Boatos e notícias tendenciosas se espalham a todo momento, destituídas de fundamentos.

Pela ordem e seu restabelecimento em toda parte, serão praticadas as medidas  necessárias.

                      São Paulo, 25 de Maio de 1932    

                      Pedro de Toledo ,  Interventor  Federal" [24]

            

      Em Porto Alegre acontecem manifestações populares a Flores da Cunha, o interventor gaúcho, comemorando a solução do caso paulista. Flores da Cunha exalta a terra paulista e do Rio Grande em seu discurso. E o encerra com palavras profundas e marcantes, esquecidas e não cumpridas, quando São Paulo se levanta contra Getulio Vargas:

             ..."se o Rio Grande,  erradamente embora, se encaminhar para o despenhadeiro, eu irei para o despenhadeiro com o Rio Grande". [25]

            Pedro de Toledo e o seu novo secretariado, no dia 26 de maio de 1932,  tentando um diálogo, enviam a Getulio Vargas um telegrama:

"Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, chefe do Governo Provisório, Rio de Janeiro.

            Integrado hoje o secretariado de meu governo, organizado de acordo com as intenções de V.Excia., desejoso atender às aspirações do povo paulista, permito-me  exprimir o nosso intuito de colaboração leal no prosseguimento da obra de reconstrução nacional.

            Anima-nos o mais intenso desejo de tranqüilizar o espírito brasileiro e de contribuir por que ele se oriente seguro para seus novos destinos. Fiel à sua tradição liberal  e  cônscio de suas responsabilidades na Federação, São Paulo dirige a todo o país nesta  hora sem par de sua história, a expressão mais sincera de seus sentimentos de intensa brasilidade e formula votos por que V.Excia. consiga levar a termo feliz a magnífica esperança de que o Brasil há de preencher a sua finalidade republicana.

               Com o mais profundo respeito

  (a) Pedro de Toledo, interventor federal e seus secretários". [26]

         

A esse telegrama, Getulio Vargas responde sucinta e secamente:

“Dr. Pedro de Toledo, Interventor Federal e demais secretários, São Paulo.

          Agradeço comunicação estar composto o vosso secretariado e bem assim os intuitos de colaboração manifestados. Cordiais saudações.

                (a) Getulio Vargas". [27]

             

            No dia 27 de maio, Flores da Cunha, de Porto Alegre envia telegrama a Getulio Vargas, solidarizando-se a ele na solução do caso paulista:

"No pensamento de ser mantida a todo o transe a feliz solução dado ao caso paulista, os partidos políticos do Estado, representados pelos seus chefes Borges de Medeiros e Raul Pila, acabam autorizar-me hipotecar a V.Excia o seu inteiro apoio, para nele amparado possa V.Excia. melhor resistir onda anárquica sedenta de mergulhar o pais.

                               Afetuosos abraços,

                               (a)  Flores da Cunha." [28]

            

Getulio Vargas responde no dia 29, a Flores da Cunha: 

"Em resposta ao vosso telegrama transmitindo as declarações de apoio dos chefes dos partidos rio-grandenses, no pensamento de manter-se a solução dada ao caso paulista, para melhor resistência da onda anárquica em que se tenta mergulhar o pais, cumpre-me informar-vos não sofrer o chefe do governo nenhuma pressão capaz de tolher a sua liberdade de agir no caso referido.

A modificação do secretariado da  interventoria de São Paulo era coisa assentada  e estava sendo examinada  no sentido de atender às correntes dominantes da opinião paulista, com inteiro conhecimento geral e aprovação dos elementos que prestam solidariedade ao governo. Houve apenas surpresa na forma tumultuada do ambiente  subversivo em que tal modificação se deu.

Nestas condições, a manutenção do secretariado depende menos de outras circunstâncias que da própria atitude posterior aos  acontecimentos  pela pratica de atos reveladores do firme propósito de colaboração com o Governo  Provisório dentro do pensamento e normas renovadoras da revolução.

             Cordiais saudações,

             (a)  Getulio Vargas" [29]

            O telegrama de Getulio mostra claramente a sua atitude em relação a São Paulo: quer por suas botas de caudilho, espezinhando os paulistas. E a imprensa comenta muito esse telegrama, pelo país a fora...

           Manuel Rabello, o novo comandante da Região Militar tenta intimidar Pedro de Toledo e obrigá-lo a seguir as regras de Getulio Vargas. Caso não o fizesse, não teria o seu apoio. Pedro de Toledo, ferido em seus brios reage veementemente: - "A autoridade suprema no Estado sou eu. Se traz ordem para assumir a interventoria, exiba-a; mas se é simples bilhete azul que me pretende oferecer, desiluda-se, general. Só sairei daqui morto ou algemado; não por simples ameaça!". [30]

            Manoel Rabello age para controlar as forças militares de São Paulo e sem ocultar os seus sentimentos de hostilidade ao povo paulista, baixa uma ordem unificando o comando das forças federais e estaduais, subordinando-as todas ao seu comando. Apesar da ordem, ele sabia que não iria poder controlar as forças militares da Região Militar que comandava para afrontar o governo de São Paulo. Ele próprio, quando vinha do Rio para São Paulo, para assumir o comando, escutou do coronel José Joaquim de Andrade, comandante das guarnições de Lorena, Pindamonhangaba e Caçapava, que lhe disse "peremptoriamente que não contasse com o seu apoio, nem das forças que comandava, para qualquer investida contra o governo de São Paulo, que tinha o apoio unânime do povo bandeirante."[31]

            Mas, com a formação do novo governo, com civis e paulistas, parece que o caso paulista está resolvido. Manifestações por essa solução ocorrem. Em circular aos seus comandantes da Circunscrição de Mato Grosso, o general Bertholdo Klinger informa a formação do novo governo paulista e termina sua  circular dizendo que em telegrama cifrado ao general Rabello, exortou-o a que não colabore novamente na farsa de deposição desse governo, que corresponde aos anseios dos paulistas.

            Mas esses acontecimentos não trazem melhora na situação, afastando as nuvens escuras da tempestade. Os paulistas já haviam esgotado a sua paciência com Getulio Vargas. E ele, em seu Palácio de Governo no Rio de Janeiro não vê, ou não quer ver, as pesadas nuvens de uma luta sangrenta que está  para desabar... Suas atitudes para com os paulistas, ferindo os seus brios, espezinhando a autonomia do Estado, é o vento que empurra as pesadas nuvens..

            Em breve desabaria a tempestade fazendo troar os canhões e a metralha jorrar suas rajadas mortíferas... Mas, parece que a tempestade avança e recua.  Manoel Rabello, em uma atitude que parece fazer recuar a tempestade, no dia 1º de Julho envia ao comandante da Força Pública, coronel Salgado, um comunicado suspendendo a unificação do comando que tinha feito em 24 de maio... e as tropas do Exército que tinham vindo do interior para a capital, em 25 de maio, começam a retornar aos seus quartéis... e Getulio Vargas marca as eleições para maio de 1933. Parece  que as nuvens ameaçadoras recuam... Mas é apenas aparência, pois novas nuvens surgem no horizonte...

            Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, fazendo-se aliado dos paulistas formula três casus belli, estabelecidos entre os chefes de São Paulo e do Rio Grande. A revolução seria deflagrada pelos dois Estados se ocorresse qualquer desses itens:

"1. Qualquer tentativa para depor ou modificar o governo paulista.

2. Demissão do general Bertholdo Klinger do comando da Circunscrição Militar do Mato Grosso.

3. Afastamento do general Eurico de Andrade Neves do comando da 3º Região Militar do Rio Grande." [32]

        Euclydes de Figueiredo, do Rio de Janeiro onde serve, escreve um relatório sobre a situação em São Paulo, e o remete ao Dr. Borges de Medeiros:

"RELATÓRIO  REMETIDO  PARA  O  RIO  GRANDE  DO  SUL

 26 DE  MAIO  DE  1932.

 

1. NO  MEIO  POLÍTICO:

Como sói acontecer em caso de tensão política, existem lá as duas correntes: a dos moderados e as dos extremados. São Paulo não escaparia a esta regra, devendo-se, porém, acentuar que lá até a primeira delas admite a solução extremada pelas armas, havendo mesmo entre os chamados "velhos" muitos que se dispõem a dar neste caso o seu concurso pessoal. Não há, pode-se dizer, discrepâncias notáveis nos elementos responsáveis. Os acontecimentos dos dias 22 e 23  de maio são a prova disto. Todos se uniram para obtenção da solução final, ninguém aceitando contemporizações com a permanência dos antigos auxiliares do governo.

 

2. OPINIÃO   PÚBLICA:

As convicções dos políticos no amparo dos interesses legítimos de São Paulo e dos seus direitos não foi, no caso, senão um reflexo, ou melhor, um imperativo da opinião pública que lá se formou. Foi, portanto, o povo, reunido em praça pública que forçou a solução do caso, precipitando-a. Houve um verdadeiro comício permanente que durou 48 horas e só se dissolveu quando foi dada a conhecer ao povo a resolução do Interventor de modificar o seu secretariado.

 

3. FORÇA:

Antes dessa conquista - a total substituição do secretariado - contava a Frente Única Paulista com o apoio decidido da grande maioria da Força Pública Estadual. Somente havia contrários no regimento de cavalaria, comandado por um irmão de Miguel Costa e onde este colocara os seus mais dedicados amigos. Mas, mesmo nesse reduto, a conspiração penetrara, resultando que uma parte eficiente do regimento assumiu compromisso com os conspiradores. De sorte que, dado o golpe, a luta iria começar dentro do quartel do regimento, que seria ao mesmo tempo, cercado por outras forças. Tudo estava acertado  para isso; e foi por pensar assim que logo planejei a organização de batalhões patrióticos, mesmo dentro da cidade de São Paulo. Conversei com vários oficiais da Força Pública, individualmente e em reuniões, os quais não me deixaram dúvidas ao espírito sobre as suas afirmações.

Agora, porém, com os últimos acontecimentos, a coisa mudou para melhor: não há mais contrários, ou então estão dissimulados. O comando  geral da Força, entregue ao seu novo comandante - coronel Marcondes Salgado - já fez as substituições necessárias à segurança da unanimidade do regimento. Na guarnição federal, todas as unidades de tropa estão minadas, em todas elas existindo elementos dispostos a cooperar, numas em maior número, noutras em menor.Considerei que o golpe decisivo seria o da Capital do Estado e procurei, por isso, conhecer as resistências prováveis, estudar a coordenação dos esforços, para vencê-las prontamente. E isto ficou perfeitamente planejado nos seus mínimos detalhes de execução.

No interior do Estado também a Frente Única se havia habilmente infiltrado na tropa, e um trabalho mais prolongado acabará removendo as últimas dificuldades. As manifestações populares dos últimos dias de agitação fizeram em poucos momentos o que só conseguiria normalmente com algum tempo de propaganda: vários oficiais das diversas guarnições federais que, até então, não tinham compromisso, foram arrastados a se pronunciar. Isso verificou-se até  de modo notável, no próprio quartel-general, onde a ausência do comandante efetivo da Região Militar está sendo comentada com azedume e críticas, havendo mesmo queixas de amigos seus por um completo abandono.

 

AS  POSSIBILIDADES:

Em resumo: balanceando os elementos, cheguei à convicção, depois de um plano que organizei, de que podemos contar com 75% das probabilidades. Da forma por que se modificou a situação da Força Pública, logo depois da formação do novo governo, esta percentagem crescerá apreciavelmente..

Há no momento, duas circunstâncias que se contrapõem, sobre cujas consequências é preciso ponderar: primeiro, é necessário, para maior segurança, ajustar mais certos compromissos na Capital Federal;  segundo,  não  deve haver grande demora na resolução,  para  não dar tempo ao governo federal de remover de São Paulo os oficiais já compromissados, à medida que for conhecendo as suas inclinações.

Por outro lado, não se deve esquecer o desamparo em que ficam os companheiros das guarnições de Mato Grosso, a começar pelo seu próprio general comandante, dando, com  uma grande demora, tempo ao governo de conhecer as suas tendências e tomar providências contrárias. Estas considerações resultam de certeza que tenho de que, se São Paulo tem o seu caso resolvido, o caso geral - o nacional - ainda se apresenta como incógnita, pois não se deve esquecer que vários Estados do Norte estão nas condições de que São Paulo acaba de se livrar.  Mas, mesmo por lá, a solução, que aparenta ser definitiva, está ameaçada  de modificação a qualquer momento. Basta um primeiro "caso concreto", uma desavença com o governo federal (talvez mesmo provocada por este) para a grande dificuldade surgir de novo.

São Paulo libertou-se, mas não deixa de continuar em perigo.

 

CONSIDERAÇÕES que foram acrescidas à cópia do mesmo relatório que, na mesma data, mandei ao Dr. Júlio de Mesquita Filho, em São Paulo.

 

Deixo antever no relatório que ainda é preciso ajustar compromissos na guarnição federal daí:

1. Na capital convém garantir a unanimidade do 4º B.C. que será o esteio do levante armado e fazer maior infiltração em Quintaúna.

2. Urge garantir, outrossim, pelo menos a artilharia de Jundiaí que, se rebentar o movimento, deverá imediatamente ser trazida para São Paulo.

3. Assegurar melhor o pronto levante das guarnições de Lorena, Pinda e Caçapava. Com elas pretendo fazer a primeira cobertura contra o Rio, donde partiremos em ofensiva.

4. Não esquecer a tropa federal  III B. do 5º R.I., atualmente em Campinas. Ela facilitará a livre passagem do 2º R.C.D. e poderá constituir, logo após, uma segunda cobertura contra Minas, em tudo ainda indecisa.

 

NOTA:  Faço estas advertências porque estou convencido de que não chegaremos ao termo da jornada sem luta. A vitória de São Paulo, conseguida por um grito da opinião pública, só será consolidada pelas armas. O ambiente aqui no Rio deixa clara esta conclusão. Abandonar o trabalho feito, dormindo sobre os louros colhidos, é arriscar tudo, que poderá ser perdido de um momento para outro. Demais, o estado de ânimo aqui não é para ser desprezado.

                     Rio de Janeiro, 26 de maio de 1932.

                     (a)  Euclydes Figueiredo." [33]

          As nuvens da tempestade que se aproximava continuam a aumentar. E Getulio traz mais nuvens no dia 28 de junho de 1932, demitindo o Ministro da Guerra, general Leite de Castro e nomeando para seu lugar o general Espírito Santo Cardoso. É a vitória dos tenentes de 1930, a quem cabia a paternidade dessa nomeação. As nuvens ameaçadoras à paz aproximam-se velozmente...

            "A nomeação do Sr. Espírito Santo Cardoso determinou a ruptura de todas as negociações para a paz, visto que uma das condições exigidas pelas Frentes Únicas para se resolver a questão militar e assegurar-se o predomínio do espírito civil na direção política do pais era a nomeação, para o Ministério da Guerra, de um general que fosse um expoente do Exército atual".[34]  

            O que tinha acontecido era a nomeação de um general reformado há mais de 10 anos e desconhecedor dos problemas do Exército e que "também inspirava fundadas apreensões sob o aspecto moral",[35] conforme escreve o general Klinger. Este faz um protesto por escrito contra a nomeação de novo Ministro da Guerra. Seu despacho provoca  sua reforma administrativa e afastamento do comando. Uma das casus belli  acontecia...

            O protesto escrito do general escurece mais ainda as pesadas nuvens, precipitando a tempestade da revolta paulista.. O despacho do general Bertholdo Klinger é contundente, mostrando seu temperamento impulsivo:

"OFICIO nº  372 - Q.G. EM CAMPO GRANDE - 1º  Julho de 1932.

Ao Exmo. Sr. General de D. Augusto Ignácio ESPIRITO SANTO CARDOSO, Ministro da Guerra,  do general Bertholdo KLINGER,  comandante da Circunscrição Militar.

Objeto: A nomeação do senhor Ministro.

 

            Sr. general,

            A nomeação de Vossa Excelência, neste momento nacional, para gestor dos negócios do Estado, no departamento do Exército, desaponta  por vários motivos, cada qual mais relevante, conforme lealmente passo a expor:

            1º - Nesse momento nacional, repito, em que a Nação, notadamente o Exército, esperava atos governamentais claros, retos e firmes, que, para melhor traduzissem as escurezas, sinuosidades e frouxidões, com que o governo tem enunciado e concretizado os seus propósitos - eis que surge essa nomeação.

          O antecessor de Vossa Excelência foi afastado, afinal, ao clamor suscitado pelo papel a que, desconhecedor do pessoal do Exército e ultra-ambicioso se prestava, sancionando todos os assaltos à disciplina interna e externa, ao sabor dos caprichos dum punhado de extremistas, cada vez mais desvairados ante a repulsa ambiente.

           Vossa Excelência tem justamente por principal título  para substituir semelhante ministro - sem escurecer os que poderia ter numa situação normal - o de vir a prestar-se presumivelmente, melhor ainda, ao mesmo papel. Toda a gente está vendo que foi fiador disso o filho de Vossa Excelência, capitão Dulcídio, extremista rubro da décima terceira hora.

             2º-  O  Exército desejaria saber se o seu ministro resistiria a uma inspeção de saúde, dado o alquebramento fatal que os anos produzem, que, é de supor, já há nove anos passados, o levou a passar espontaneamente para a reserva. E somente mens sana...

            3º -  Vossa Excelência que,  assim,  não pode infundir confiança do ponto de vista de sua necessária inteira posse da aptidão física, também só inspira fundadas apreensões sob o aspecto moral, pois que foi um dos signatários, e até passa por inspirador, da famosa nota-circular duma comissão de sindicância nomeada nos primeiros dias da revolução dominante, nota que convidava os oficiais à delação de seus camaradas.

           4º - Vossa Excelência está há longos anos afastado do serviço ativo, como já lembrei, e nele não atingiu ao generalato, nem fez curso de Estado-Maior, de modo que jamais teve a responsabilidade e necessidade de cogitações de caráter de conjunto sobre os problemas do Exército, mormente em seu entrelaçamento  com  os  demais problemas nacionais. Assim, a sua nomeação nada mais é do que a reedição, treze anos passados, daquela célebre invenção de ministros civis nas pastas militares, coisa para a qual até hoje o Exército não tem a sua organização adaptada.

           Em particular Vossa Excelência está alheio a toda a evolução associada à presença da missão francesa entre nós. Um civil, ou um militar que de militar tem apenas a lembrança e a pensão, embora esta já de bastante tempo majorada graças a uma estranha chamada à atividade, semelhante detentor da pasta será ministro apenas na aparência: o prestígio da autoridade, a disciplina sofrem fundo dano ante a evidência de que os seus lugar-tenentes do gabinete é que vão dirigir os coronéis e generais chefes de serviços e comandantes das grandes unidades.

          5º - Esse mesmo prestígio da autoridade, inclusive a do governo, essa mesma disciplina, saem, risível se não deploravelmente claudicantes, diante da revelação surpreendente de que o governo não teve um general para ministro da Guerra, governo que, entretanto, discricionariamente, eliminou do serviço ativo um rol de generais e fez uma porção de generais novos.  Nem dentre os que escaparam à grossa faxina, nem dentre os fabricados pela revolução revolucionária, um não se salva para dizer ao Exército, a instituição mais combalida pela revolução dominante, a  palavra da revolução nacional.

                             Saúde e fraternidade,

                             General Bertholdo Klinger."[36]     

 

         A Frente Única, formada pelo Partido Republicano  Paulista e o Partido Democrático, rompem com o governo federal de Getulio Vargas. As nuvens da revolta estão mais próximas e o vírus da revolta já está contaminando todos, em todos os lugares. É um forte sentimento contra Getulio Vargas e sua ditadura.

             A frase - Getulio nos traiu - corre de boca em boca por todo o Estado de São Paulo. As causas estão tão profundas no coração dos paulistas que nada irá removê-las. Tudo leva ao desespero de uma guerra. E esse sentimento é bem demonstrado pelo general Isidoro Dias Lopes, das forças paulistas, em 17 de agosto de 32, depois de um mês e meio de luta, em comunicado ao general Góes Monteiro, das forças do Getulio:

 

         "General  Góes Monteiro - Onde se achar.

 É um grande erro, senão má fé, quererdes responsabilizar, pelo movimento constitucionalista de São Paulo e Mato Grosso, esta ou aquela pessoa.

          Não há em São Paulo, nem no Brasil, nem em qualquer parte do mundo, chefe político ou militar com a força capaz de deflagrar, com tão maravilhosa unanimidade, uma revolução como esta. Ninguém, do mesmo modo, poderia evitá-la, sem a remoção das causas que a geraram. Só cegos, ou interessados, ou coagidos a prisioneiros de grupos delirantemente facciosos, não enxergam que só a suprema defesa do patrimônio material e moral de um povo tem o poder de congregar todos os corpos docentes e discentes das escolas e das academias, todas as instituições beneficentes, artísticas e científicas, todo o comércio, toda a indústria, toda  a lavoura, todos os lares, toda a população, enfim, com tanto entusiasmo, tanta abnegação, tão pronunciado espírito de sacrifício.

         Não foi São Paulo que preferiu ouvir este ou aqueles chefes políticos, mas sim foram estes que ouviram aquele.  Toda uma população espezinhada, ludibriada, explorada e saqueada em sua riqueza, fruto da mais extraordinária capacidade de  trabalho fecundo,  inteligente e sábio; toda essa população é que chamou e impôs aos seus homens mais representativos a conduta a seguir: reagir ou morrer.

           Se aqueles chefes políticos, se os homens mais representativos de São Paulo não estivessem à altura da situação e não obedecessem aos desejos e vontade de todo um povo, seriam fatalmente depostos e chefes novos surgiriam. 

          Felizmente, a comunhão foi perfeita, não havendo divisão alguma a não ser entre dirigentes e dirigidos, orientada a política e administração sem discrepância no sentido da vitória da Causa Sagrada Comum de São Paulo pelo Brasil.

          Assim, também, São Paulo não deixou de escutar vossas palavras de coagido para ouvir a mim; eu, sim, fui que ouvi São Paulo e dei à justiça de sua causa o concurso desvalioso da minha adesão e solidariedade.

         Não ensanguentei São Paulo pela terceira vez, nem tinha nem tenho poder para tanto. Se há quem seja responsável pela anarquia do Exército, pela dissolução da Pátria e pela guerra civil -  é o Ditador ou o "Soviet" que o governa e que também vos tem prisioneiro".[37]

              "A reforma administrativa do general Klinger, conquanto fosse esperada a todo momento, repercutiu estrondosamente em todo o pais. O oficial general atingido por tão rigorosa pena gozava de merecido renome, não somente nos meios militares como no mundo civil, sendo geralmente acatado como uma das maiores expressões do Exército atual."[38]

            A reunião no Palácio da Guanabara, na capital federal, o Rio de Janeiro, começa às 19 horas em ponto naquele dia 5 de julho de 1932. Getulio Vargas sentado à cabeceira da mesa onde seus interlocutores Osvaldo Aranha, Cordeiro de Farias e, especialmente o coronel Manuel Rabello tentam convencer o presidente provisório da conspiração que está em andamento em São Paulo. Denunciam toda a conspiração: datas, líderes, lugares, correlação de forças, etc. Sabem de tudo o que vai acontecer. Rabello faz uma exposição detalhada a Getulio, por mais de uma hora. Vargas não reage, apenas ouve. Parece que já sabe da trama e demonstra não se importar, já que nada faz para deter ou mudar os rumos dos acontecimentos - nem sequer aceita o plano estratégico de Góes Monteiro para reforçar a tropa federal baseada na capital paulista. Ao final da reunião, Getulio diz apenas: - Vocês estão enganados de todo. Não existe nada disso. - Mal pode prever ele que o movimento vai  eclodir quatro dias depois...

          Os principais articuladores da conspiração paulista estão reunidos, sob o comando do general Isidoro. A folhinha da parede marca 7 de julho de 1932 e o relógio 20 horas. O debate e a análise da situação arrasta-se até a madrugada.

          -  Então, estamos todos de acordo que a solução militar é inevitável e que deve eclodir dia 10 às 3 horas da manhã.

          Getulio Vargas e o novo ministro da Guerra, no dia 8 de julho só tem uma alternativa: retirar o general Bertholdo Klinger do comando das tropas do Mato Grosso. E o fazem por telegrama, mesmo sabendo que isso significa acender o estopim da guerra:

 "8 de julho de 1932. Hora: 13:15 - URGENTE

COMUNICO-VOS QUE CHEFE GOVERNO PROVISÓRIO VOS REFORMOU ADMINISTRATIVAMENTE,  PELO QUE DEVEIS PASSAR COMANDO CIRCUNSCRIÇÃO AO SUBSTITUTO LEGAL IMEDIATAMENTE.

            A) GENERAL ESPIRITO SANTO

                  MINISTRO DA GUERRA." [39]

            O general Klinger passa o comando, despedindo-se da tropa com um comunicado exortando-a  a manter calma, dentro da ordem, na verdadeira disciplina...:

    "Quartel General em Mato Grosso - 8 de julho de 1932

 ... b) Pouco é este meu sacrifício. Ele fora previsto, entrara plenamente em minhas previsões. Era a contribuição que eu podia dar. Caio de pé, pois que me mantenho ereta a consciência profissional e cívica de haver  cumprido  um  dever, na defesa duma personalidade laboriosamente formada e da seara de interesses que me estavam confiados. Exorto os meus camaradas a que se mantenham em calma, dentro da ordem, na verdadeira disciplina, raciocinada e consentida, vistas em seus camaradas chefes, pensamento no Exército - a síntese das forças vivas, materiais e morais, duma nação". [40]

        O coronel Euclydes, ciente do assunto da reunião no Palácio do Getulio, resolve viajar naquele mesmo fim de tarde, iniciando a noite, do dia 8 de julho,  para S. Paulo. E acha que a rebelião intempestiva do comandante militar do Mato Grosso - negando subordinar-se ao novo Ministro da Guerra que o estava reformando - ia tudo precipitar...  Eram quase nove horas da noite quando o seu carro entra no quartel do 5º Regimento de Infantaria de Lorena. E, a partir daí, ele mantém contato com as unidades existentes nas cidades de Pindamonhangaba e Caçapava, no Vale do Paraíba, por onde passa, até chegar a São Paulo,  já com a madrugada avançada, em torno das quatro horas. Dirige-se diretamente à rua Sergipe, onde  os portões já estão abertos a sua espera.

            O palacete da Rua Sergipe nº 37 abriga desta vez, não nove empresários, mas todos os comandantes das tropas da capital paulista e de algumas guarnições de cidades mais próximas. As 11 horas o general Isidoro inicia a reunião:

           - Senhores, o que tenho a lhes falar é de capital importância. Hoje de madrugada, nesta mesma sala, reuniu-se o Alto Comando do levante que São Paulo fará contra Getulio. Ficou decidido que a revolução será iniciada nesta noite de 9 para 10, às 23  horas. E, sem delongas, passo a palavra ao Coronel Euclydes  Figueiredo, chefe do Estado Maior Revolucionário.

            - Tenho aqui as ordens para serem cumpridas imediatamente. Cada um dos senhores está recebendo por escrito, detalhando as ações de suas tropas a partir do meio dia de hoje, ocupando posições predeterminadas. Emissários estão sendo enviados para as unidades de Taubaté, Santos, Itapetininga e Bauru com as ordens de movimentação das tropas. E outras ordens já prontas no Plano de 22 de maio já foram expedidas. Os líderes civis já estão arregimentando os batalhões patrióticos que estavam sendo organizados há semanas. Temos 40 mil fuzis 1908 para os civis e alguns  milhões de tiros disponíveis, para começar. Já estamos produzindo 20 mil cartuchos por dia e dentro em pouco poderemos produzir um número maior. Já tenho um grupo organizado que está em entendimento com as principais indústrias das 600 indústrias metalúrgicas e 736 indústrias de vestuário, além das 1.200 indústrias de alimentos.

             Os comandantes militares saem apressados, com suas ordens e a senha SERGIPE e a contra senha 37. Auxiliado pelo tenente Lobo, o coronel Euclydes  dita as ordens para serem levadas, por emissários de confiança, a todas as forças aquarteladas no Estado. São as diretrizes gerais das operações... E, antes de  almoçar, rascunha o comunicado ao povo paulista a ser enviado aos jornais naquela tarde e que serão assinados por ele e o general Isidoro, para ser publicado no dia seguinte, 10 de julho:

 

                         " AO POVO  PAULISTA

Neste momento, assumimos as supremas responsabilidades do comando das forças revolucionárias empenhadas na luta pela imediata constitucionalização do País. Para que nos seja dado desempenhar, com eficiência, a delicada missão de que nos investiu o ilustre governo paulista, lançamos um veemente apelo ao povo de São Paulo, para que nos secunde na ação primacial de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado, abstendo-se e impedindo a prática de qualquer ato atentatório dos direitos dos cidadãos, seja qual for o credo político que professem.

No decurso dos acontecimentos que se seguirão não encontrará a população melhor maneira de colaborar para a grande causa que nos congrega, do que dando, na delicada hora que o País atravessa, mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina, características fundamentais da nobre gente de São Paulo.          

                  General Isidoro Dias Lopes

                  Coronel Euclydes Figueiredo" [41]

  

            O novo chefe do Estado Maior Revolucionário telegrafa aos comandantes de unidades: 

"Comunico-vos que, em nome do povo de São Paulo e apoiado pela unanimidade das tropas federal e estadual deste Estado, revoltados e de acordo com o general Isidoro Dias Lopes, assumi o comando da 2º Região Militar,  com  o fim de exigir do governo  provisório a reconstitucionalização do país e o restabelecimento do regime da ordem".[42]

 

            A senha Sergipe e a contra senha 37 corre entre os civis já registrados em batalhões pelo MMDC. No Largo São Francisco, na Faculdade de Direito, a primeira tropa civil já está pronta no início da tarde, formando o 1º  Batalhão da Milícia Civil, comandados por Romão Gomes, da Força Pública. Os civis do MMDC agem rápido e ocupam emissoras de rádio e estações telegráficas. Outro grupo de civis armados cerca, para proteger, o prédio da Rua Sergipe, nº 37, o Q.G. da Revolução.

            O plano do comandante Euclydes Figueiredo funciona  bem na capital e no interior. Às 21 horas escreve ele:  - "Sinto-me senhor da situação. São Paulo inteiro está em nossas mãos: estradas de ferro, entroncamentos rodoviários, estações de rádio e estações telegráficas e telefônicas, a Guarda Cívica Paulista, a Inspetoria de Veículos, toda a Força Pública, com o seu comandante à frente, coronel Marcondes Salgado, grande parte das unidades do Exército, o próprio governo do Estado, pela palavra dos seus secretários; tudo isso e mais que isso: a opinião pública paulista já àquela hora nos garantia o mais absoluto e pronto sucesso. Ocupávamos e dominávamos o que, de começo, era essencial e tínhamos total solidariedade da melhor gente bandeirante...”[43]

 

                              Capítulo  5 

           A  mansão dos Alves de Algarve está toda iluminada. É a noite de 9 de julho de 1932. Inclusive as luzes do chafariz da entrada iluminam a pequena fonte do jardim, dando um brilho aos peixinhos vermelhos na água límpida.  Alguns carros já tinham chegado com os convidados. Outros se sucedem e enchem o pátio de estacionamento à direita do jardim. Nas sacadas, grupos de pessoas conversando, aguardando o início da festa de aniversário do dono da casa, o Sr. Otávio.

            Robson e Raymundo, em uniformes de gala, recepcionam os convidados no alto da escada de entrada para o salão principal, onde no fundo, uma  orquestra toca músicas alegres. 

          Os dois irmãos com um sorriso natural nos lábios recepcionam as moças da sociedade bananalense, vindas sempre após os seus pais. A estes prestam os cumprimentos de praxe e a elas dão o braço direito e as introduzem no salão. Cada uma delas, mais charmosa do que a outra, em vestidos primorosos, especialmente confeccionados  para a ocasião: Leila, em sua altura de 1,8O, com um corpo perfeito realçado pelo vestido vermelho justo, destacava os cabelos loiros, presos para cima de tal modo que realçava o seu rosto longilíneo e bonito, tinha sido  a primeira a chegar e encantou a todos com o seu jeito natural. Logo a seguir chegou a  Rita, com seu jeito maroto e franco de sorrir, mostrando os seus dentes perfeitos e  sorrindo também com os seus olhos pretos como de um lince; entrou tão rápido e se misturou aos convidados que poucos a viram chegar. O mesmo aconteceu com sua vizinha e grande amiga, Lúcia, de cabelos cortados curtinhos, como se fosse um guri. Outra que chamou a atenção ao entrar foi a Carmen, filha do gerente do Banco da cidade, moça esperta que já dava os primeiros passos no aprendizado de chefiar um Banco, sonho que acalentava, apesar do seu pai não gostar da ideia. Seu vestido azul celeste estava muito bonito e todos pararam de conversar para vê-la entrar.

            Logo em seguida, em um vestido longo todo esverdeado, chegou a  Casulo, uma moça de estatura pequena, com 1,55 metros, mas que aparentava mais, devido a sua naturalidade e também, à beleza de seu porte, com longos cabelos pretos,  lisos, caídos ao longo de suas costas. Mas, chamou mesmo a atenção, em especial de todos os cavalheiros presentes, foi quando chegou a  morena de pele de jambo, Nádia, em um longo vestido branco que realçava suas belas formas de mulher de 20 anos. Muitos jovens suspiraram longamente só de vê-la entrar no salão ao lado de seus pais... Entraram a seguir  as jovens Nilza, pequena moça, com seu sorriso franco, junto de sua amiga Marlene, com seus cabelos loiros caídos sobre os ombros e de sua outra amiga, Sônia, em seu andar solto e gingado. Os jovens suspiravam ao ver as moças entrarem...

            A orquestra ao fundo do salão  toca mais alto, iniciando o sarau com valsas, seguidas de polkas e os jovens solteiros começam a disputar as moças,  para  a dança pelo salão.

             As moças e senhoras colorem o salão com sua elegância e toalhetes na moda: vestidos de seda, cintura fina, grandes decotes e mangas bufantes. E brincos e colares de ouro completam a elegância delas. A pequena corte da sociedade está representada ali, naquele salão de festas. Nas mesas espalhadas pelos lados do salão, buquês de flores muito bem arrumados enchem o ambiente com seus perfumes. Os donos da casa, Otávio e Nimpha, circulam pelo salão,  conversando um pouco de cada vez com os seus convidados. Estes, educadamente, durante o dia, já tinham enviado ao aniversariante os seus presentes, acompanhados de cartão com os cumprimentos.

            Rogério ao lado de seus irmãos na recepção não tinha olhos para as outras moças que chegavam. Estava ansioso para saber se aquela que fazia seu coração pulsar mais rápido e forte,  iria vir só ou com o noivo que nunca  vinha de São Paulo para vê-la. Seus olhos brilham quando a vê chegar, sozinha, acompanhada  pelos  seus  pais, o seu  Manoel e a esposa.

            Logo que Paula chega, cumprimenta o aniversariante e sua esposa e deixa, com eles, os seus pais em alegre bate-papo. Paula fala ao ouvido de sua mãe, Georgete, que ia ficar com suas amigas e que os procuraria lá pelas duas horas quando fosse cortado o bolo do aniversariante. Em seguida sai rapidamente e começa  a  procurar com o olhar onde está, no momento, o seu amigo moço. Localiza-o a um canto do salão, do lado direito da porta de entrada. Chega até perto dele e, sem parar, fala-lhe para encontrá-la no portão de entrada, descendo a seguir, as escadas. Uns minutos depois, que pareceram eternidade, Rogério também sai da mansão, cruzando na descida das escadas com as duas irmãs, Cristina e Catarina, duas moças que tinham como maiores características o orgulho de terem uma ascendência ariana, oriunda de um ancestral que incutiu na família uma atitude de superioridade em relação aos brasileiros, revelada,  pelas duas irmãs, no modo de andar com os narizes empinados.

             - Tão empinados que,  se estivesse chovendo, era provável que morreriam afogadas... - Rogério sorri ao pensar isso...

             Paula o espera lá perto da calçada, no portão da entrada dos jardins. 

            - Quero que você vá comigo ali em casa, bem rápido! - diz a ele. Rogério estranha um pouco o convite mas não a questiona nem pede explicações.  Apenas a acompanha, olhando de vez em quando para ela, admirando como ela está bonita. Depois de entrarem na casa onde Paula mora e ela ter trancado a porta, ela puxa Rogério para um canto e pendura-se em seu pescoço, com ambos os braços, colando os seus lábios nos dele. Depois de um longo beijo, repetido várias vezes, ela fala no seu ouvido, bem baixinho e de modo amoroso: 

            - Moço, não aguento mais de vontade. Quero me transformar em uma mulher madura em seus braços. Quero me desabrochar para o amor em seus braços. Quero  viver esse grande momento em minha vida com você...  - E, enquanto fala, puxa-o para o seu quarto ao fim do pequeno corredor. Não deixa ele falar nada; deita-o em sua cama e cobre-o de beijos enquanto vai tirando a roupa dele, deixando-o logo totalmente sem roupas. Ela está  com tanto desejo  que quando o pênis intumescido pula fora das roupas dele, ela sem nenhum pudor, começa a saboreá-lo como se saboreia um sorvete em alto verão. Logo, logo, ele pede para ela parar, pois não aguenta, também, de tanto desejo.  Vira-a e começa, agora ele, a tirar as suas roupas, um pouco desajeitado pois não tem  prática com colchetes e outros fechos de vestidos femininos. Mas, ajudado por ela, logo ele pode extasiar-se de ver e tocar o aveludado e gostoso corpo que ela tem. Beija-a inteira, de cima até embaixo, maravilhando-se com o cheiro de seu corpo, em especial da entrada da caverna do amor, como ela chama a sua  vulva. Ele não tem mais pensamentos, age por puro instinto, e sua vontade  e desejo ele faz, brincando com sua língua em um ponto que ele sabe, pelos livros que tinha lido, que é na mulher, extremamente sensível. Surpreende-se em perceber,  que logo aquele ponto fica  um pouquinho maior e mais rígido, e logo em seguida, ela geme em um estremecimento gozoso e junto com o prazer intenso,  jatos curtos de um líquido aquoso branco que tempos depois veio a descobrir, conversando com outros homens, que muitas mulheres produzem e expelem esse líquido na hora do prazer... Ela geme ainda de prazer quando se levanta  e lhe pede que espere um minuto, saindo do quarto rapidamente.  Vai em um pé e volta, minutos após, no outro.

            Quando Paula aparece na porta, Rogério tem o coração acelerado a mil por hora:  

 

- Que maravilha! Que visão! - Paula está em uma camisola transparente, azulada, com os cabelos loiríssimos e compridos caídos para a frente, no ombro direito. E um sorriso de felicidade no rosto que compõe uma imagem que está, para sempre, a partir desse momento, marcada em sua memória. Ele nunca mais iria esquecer essa imagem que está vendo nesse momento. Paula deixa-o extasiar-se com os olhos e caminha em sua direção, resoluta. Puxa-o para junto de si e ficam por longos minutos se abraçando e roçando seus corpos, se acariciando mutuamente, enquanto suas bocas e línguas se deliciam com longos beijos. Em certo momento, Paula fala-lhe baixinho: 

            - Moço, meu pai marcou o meu casamento para daqui a cinco dias, em São Paulo. Não adiantou eu chorar e dizer que ainda não estava na hora. Eu queria ganhar tempo para poder encontrar um jeito de terminar esse noivado que nenhum significado tem para mim. Meu pai quer esse casamento logo e os convite  até já estão prontos, porque o  Herbert, meu noivo, irá para Santa Catarina onde assumirá a chefia de uma fábrica têxtil de sua família. Sei que é uma notícia triste para você, mas não vou conseguir escapar disso, porque meu pai não vai deixar eu romper esse noivado com o filho do Gert, o melhor amigo dele. Ele me matará se eu fizer isso! Mas eu tomei uma decisão: não vou escapar  de casar com um homem que nada me motiva, mas vou ser pelo menos a primeira vez, uma mulher feliz e realizada com o homem que eu quero: você.  E esta noite eu escolhi para ser a nossa noite, a noite que eu nunca mais esquecerei em minha vida e, acho, nem você esquecerá. Quero que você, com todo o amor que eu sei que você tem por mim e com todo o carinho que seu coração está cheio, me faça pela primeira vez, mulher. Quero ter essa maravilhosa experiência em seus braços.  Por favor, não fique triste. Faça esta noite ser muito especial, para mim. - Os dois, com os olhos lacrimejando, unem os seus lábios cheios de amor. Paula, depois de tirar  a camisola azulada e colocado o seu grande amor deitado de costas, beijando-o bastante até deixá-lo novamente com o membro rígido, enlaça-o com os lábios de sua vulva. Enquanto o beija amorosamente, deixa o peso do seu corpo descer, transformando-se, sem dor, em mulher... e depois de os dois estarem com os seus corpos unidos, começam um cavalgar amoroso com movimentos ritmados, estando ele por cima, chegando os dois em um momento todo especial para eles, em  um orgasmo inesquecível... e, meia hora depois, começam de novo a unir os seus corpos, aproveitando cada segundo desse momento único, chegando dessa vez um pouco mais demorado,  mas não menos prazeroso, a um novo clímax que os deixa totalmente relaxados e felizes...

            Ninguém os vê chegar ao salão e ninguém havia notado a ausência dos dois. Um sorriso de felicidade melancólica está nos rostos dos dois, enquanto dançam várias vezes pelo salão, sem se importar com o que os outros possam  falar deles. Paula está tão feliz que sua amiga Tetê logo nota que algo muito especial tinha acontecido com ela. Na primeira oportunidade, deixa o seu marido Waldemar de lado e vai conferir, puxando a Paula para tomar um ponche com ela.  E, conversando sozinhas a um canto isolado, logo fica sabendo da novidade e abraça  feliz a sua melhor amiga, alegrando-se com ela e pelo moço. Como as duas tinham conversado sobre esse grande acontecimento que um dia ia  chegar! E que bom tinha acontecido para Paula com alguém que, para ela, era muito especial, tão especial que muito, muito tempo depois ela se lembraria dele como um marco especial em sua vida... 

            Os presentes tinham acabado de cantar os Parabéns a você! quando o serviçal Paulo veio chamar o aniversariante, informando-o de que há um telefonema urgente do Sr. Antunes de São Paulo. Depois de ouvir alguns minutos e ter feito algumas perguntas, despede-se do seu amigo ao telefone e dirige-se para o pequeno palco onde está a orquestra. Toma o microfone às mãos, pede  a todos a atenção e fala:

            - Meus queridos amigos! Esta noite é uma noite muito feliz para mim,  na qual junto com tantos amigos, festejo o meu aniversário. E esta noite ficará na memória de todos aqui presentes pois um marco histórico está  se iniciando neste momento: São Paulo está se levantando contra a ditadura do Vargas.     Otávio  fez  uma  pausa,  pois um murmurinho se levantou entre os presentes...     

           - Recebi agora um telefonema de amigos de São Paulo, comunicando que às 23  horas iniciou a Revolução Constitucionalista que irá ajudar nosso país a voltar ao seu caminho da legalidade da Constituição. São Paulo, meus amigos, irá precisar, a partir de agora, do esforço e da coragem de seus filhos, de cada um de nós. Vamos nos preparar para o dia que irá breve amanhecer. É provável que nossa cidade seja uma das primeiras a ser atacada, pelas tropas do Getulio. Temos que nos organizar e nos preparar para essa possibilidade, enquanto as tropas paulistas não chegam aqui...  - Otávio não consegue mais falar, tomado pela emoção e também, porque os presentes começam a falar  em voz mais alta, alguns tentando acalmar as suas mulheres e filhas e filhos, outros desculpando-se e retirando-se apressados, para depois de passarem por suas casas e pegarem algumas coisas, tomarem a estrada, afastando-se com suas famílias, da cidade, retornando mais tarde para ajudar, como voluntários civis, na defesa de Bananal..

            Após os convidados saírem, Otávio reúne-se com todos os familiares e passa em revista o plano já preparado: vão, nos dois carros da família, deslocar-se para Lorena.  Levarão mudas de roupas, em malas já arrumadas, junto com outra com os documentos e joias da família. Outros bens os serviçais já tinham  levado para o porão, dias atrás, e escondido em um quarto secreto cuja entrada é muito bem dissimulada por parte de um armário de madeira maciça. As pratarias e porcelanas da família estariam muito bem protegidas e a salvo.

            É o tempo suficiente para todos  levarem para os carros  as malas e Otávio dar as últimas ordens a Paulo, o chefe dos serviçais que ficariam na mansão. Com o raiar dos primeiros clarões do sol no céu, os dois carros iniciam a viagem. Na estrada encontram outros carros, cavaleiros e carroças saindo da cidade. A notícia já tinha se espalhado pela cidade. Rogério procura, a cada carro que ultrapassam, com os olhos, a mulher que fazia o seu coração pulsar mais forte, e a partir dessa noite, a mulher especial de sua vida... Até chegarem a Lorena nada viu... Em Lorena vão para a fazenda de seus parentes. Robson e Raymundo, recém-formados oficiais da Força Pública entram em contato com São Paulo para saberem onde deverão apresentar-se. Só ficam sabendo que o comando está vindo para o Vale do Paraíba e vai estabelecer o seu Q.G. no 5º RI em Lorena. Junto com  seus outros irmãos que se apresentam como voluntários civis na Delegacia Técnica, vão  lutar nas trincheiras na região de Campos da Bocaina,  a 1.800 metros, no planalto da Serra da Bocaina, em São José do Barreiro. Patrulham a região por duas semanas e como não há  sinais de tropas do Getulio no alto na Serra, mas há  necessidade de oficiais mais perto de São José do Barreiro, o comando manda deslocá-los. E participam dos combates em São José do Barreiro e mais tarde, em Silveiras... Enquanto o seu pai, Otávio, também como voluntário civil, é enviado para auxiliar o comando das tropas da região de São José do Barreiro, por conhecer muito bem aquela região montanhosa...

           

            O dia 10 de julho de 1932 amanhece com os jornais dando a notícia do levante e  publicando as Proclamações do General Isidoro Dias Lopes e do coronel Euclydes  Figueiredo, e também, a do comandante geral da Força Pública:

                             "PAULISTAS

Na mais vibrante manifestação de civismo, na mais pujante prova de amor ao Brasil e a São Paulo, na mais heroica atitude de abnegação e de renúncia, na madrugada de hoje, o Exército e a Força Pública e o povo de São Paulo lançaram aos quatro ventos da terra bandeirante o grito de revolta pela Pátria redimida.  Na primeira arrancada, a vitória foi imponente. Todas as unidades da IIº Região Militar de todo o Estado e a Força Pública coesa ampararam o primeiro impulso da estupenda mocidade de Piratininga.

Hoje, em São Paulo, amparada pelas armas e pela vontade indomável da população paulista, a ideia reivindicadora não poderá mais sofrer os vesgos imperativos de uma Ditadura de anarquia e de descrédito para o Brasil. A República que naufragava, está, nesta hora bendita, salva.

Paulistas! Para diante! Continuai a cruzada redentora! O vosso sangue não valerá tanto como a glória de tombardes por São Paulo e pelo Brasil.

               São Paulo, 10 de julho de 1932.

               Coronel Júlio Marcondes Salgado

               Comandante Geral da Força Pública."[44]

 

            O dia 10 de julho inicia movimentado e agitado em muitas cidades e na capital. As rádios tocam músicas militares e constantemente irradiam comunicados do governo paulista. Nos campos de recrutamento, bandos de civis entusiasmados pelas ideias revolucionárias apresentam-se como voluntários.

            Predominam os estudantes das escolas superiores, profissionais liberais e funcionários públicos. Todos apresentam-se espontaneamente e com entusiasmo querem armas para lutar ao lado de São Paulo, para o que der e vier...

           

 

         Ao final do dia, chegam a 25 mil homens em armas. E mais alguns dias os paulistas têm 115 mil voluntários civis, além dos 20 mil homens regulares da Força Pública e Exército. No entanto, somente 40 mil recebem armas. O restante é utilizado para cavar trincheiras e construir fortificações. 

           Nos campos de recrutamento os voluntários cantam canções patrióticas. De vez em quando um grita:

           - E por São Paulo,  nada?  

           E todos gritam a plenos pulmões:

            - Tudooo! ...

             O dia 10 está ainda na sua tarde quando o interventor Pedro de Toledo envia um telegrama a Getulio Vargas renunciando ao cargo de interventor:

            "Doutor Getulio Vargas, chefe do Governo Provisório- Rio.  

Esgotados todos os meios que ao meu alcance estiveram para evitar o movimento que acaba de se verificar na guarnição desta Região, ao qual aderiu o povo paulista, não me foi possível caminhar ao revés dos sentimentos do meu Estado.

Impossibilitado de continuar a cumprir o mandato que Vossa Excelência houve por bem me conferir e que sempre procurei honrar, olhos fitos no interesse de São Paulo e do Brasil, venho renunciar ao cargo de interventor. Nesta situação de fato, os chefes militares do movimento revolucionário constitucionalista ficaram com a delicada missão de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado. Veja destarte terminada a missão de paz que tentei realizar e constituiu a máxima preocupação do meu governo.      

           Agradeço a Vossa Excelência as atenções que me dispensou e a que correspondi quanto em mim esteve. Neste transe sem par da nossa história, dirijo um apelo a todos os meus compatrícios para que se irmanem a fim de restabelecer o regime de paz e de ordem que o nosso país reclama para a sua reconstrução econômica e política.

Sirvo-me do ensejo para reiterar a V.Excia. o testemunho do meu mais profundo respeito.

                                         a) Pedro de Toledo".[45]

             Pedro de Toledo é aclamado pela população e, com a presença dos chefes militares, assume às 15 horas o cargo de Governador do Estado de São Paulo, no Palácio dos Campos Elíseos; Waldemar Ferreira, secretário da Justiça, assina a Ata de Posse.

            A cadeia constitucionalista de rádio, irradia para todo o Brasil o  Manifesto :

            "O embaixador Pedro de Toledo, governador do Estado de São Paulo, ao povo brasileiro.

Vitorioso, como está, o movimento revolucionário que ontem irrompeu neste Estado e no de Mato grosso pelo levante de todas as forças do Exército desta Guarnição e da Força Pública, em face da mais inequívocas manifestações de toda a população que a ele aderiu, renunciei ao meu cargo de interventor federal.

Aclamado, no entanto, governador do Estado de São Paulo, por todas as suas forças vivas, não pude resistir ao apelo dos meus concidadãos para continuar no posto que me confiaram.

Vamos prosseguir na luta para satisfazer a mais alta aspiração nacional que é restituir ao povo brasileiro o direito de dispor de seus destinos e de organizar-se constitucionalmente, contando com o apoio dos Estados do Rio Grande do Sul, de Minas e outros. São Paulo não tem outra aspiração, senão a ordem legal, a paz, o trabalho, dentro da grande pátria brasileira una e indivisível, governada pelo voto livre de todos os brasileiros.

Não se trata de um movimento separatista, como criminosamente proclamam e São Paulo jamais cogitou de quebrar a integridade nacional. Está de pé pelo Brasil único e com o Brasil.

              a) Pedro de Toledo, Governador de São Paulo."[46]

             Até o amanhecer do dia 10 nenhuma notícia havia sobre a adesão do Rio Grande e Minas. E também, nenhuma notícia do general Bertholdo Klinger e suas tropas do Mato Grosso. E nada sobre levante de soldados na Vila Militar do Rio, favoráveis a São Paulo...

            Às 8 horas do dia 10, Getulio Vargas e Góes Monteiro dão as ordens para a Vila Militar preparar-se para defender-se de possíveis ataques de paulistas ou de levante de parte de suas tropas a favor de São Paulo. São  presos os oficiais que, é sabido, são favoráveis aos paulistas. Getulio Vargas não vai deixar ser deposto, como ele fizera com Washington Luiz...

            As tropas paulistas já no primeiro dia da Revolução não avançam até o Rio de Janeiro, como era o plano. O plano, para os políticos da Frente Única, era São Paulo levantar-se junto com Minas e o Rio Grande, o general Klinger descer do Mato Grosso com uns 5.000 homens e, junto com tropas paulistas e dos outros Estados, seguiriam para o Rio de Janeiro, a capital federal, em um desfile pacífico, destituiriam Getulio Vargas e uma Junta governaria o país, convocando as eleições imediatamente e promulgaria uma nova Constituição no ano seguinte.

          Mas as tropas não avançam além da fronteira paulista, decidem esperar os aliados gaúchos e mineiros, para entrarem triunfalmente no Rio de Janeiro. Elas tem a ordem de "não avançar, mas posicionar-se sobre  a Mantiqueira".[47]  Como publica, no dia seguinte o jornal O Estado de São Paulo: ..."Houve vacilações de alguns menos decididos - os precavidos ou medrosos - que sempre esperam se mostrem claramente as intenções dos demais, antes de eles mesmos tomarem decisões definitivas. O 5º Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel Ascendino de Ávila Melo, fica todo o correr do dia inativo em Lorena, aderindo e desaderindo duas vezes, atrasa o deslocamento dos batalhões de seu regimento. Tentando ganhar tempo para ver em que paravam as coisas. Uma companhia do 5º RI, comandada pelo capitão Manuel de Freitas Novais, posiciona-se à tarde em Cruzeiro. Enquanto isso o 4º RI de Quintaúna, avança de trem até a região de Cachoeira Paulista, onde se posiciona, estabelecendo a linha defensiva Salto São José do Barreiro." [48]

 

            Não avançar e esperar é uma atitude estratégica do comandante Euclydes Figueiredo: - ..."prosseguir em ofensiva sobre a capital federal, sem assegurar com forte tampão a situação no Túnel de Cruzeiro, seria aventura temerária..." [49] Já se sabia que "tropas federais se apresentavam na cidade de Paraty, no litoral sul do Rio, ameaçando Cunha e, por aí, a nossa linha de comunicação pelo flanco direito. A Revolução se detinha porque era impossível prosseguir com os dois flancos ameaçados (Cunha e a fronteira com Minas) e atirar toda a tropa para a frente... seria por em risco todo o sucesso obtido e comprometer a sorte da Revolução." [50]

            As tropas saem de São Paulo de trem. Em cada estação o trem faz uma parada e todos são recebidos festivamente, com banda de música, povo, senhoras e senhoritas que entregam aos soldados flores, pacotes com lanches e garrafinhas com refresco.

            Os soldados e voluntários civis, dentro dos vagões de trens, entoam  canções patrióticas como  Capitão Cazuza: ... Nós somos da Pátria a guarda... ou cantam  sentimentalmente Maringá, Maringá... E outros gritam :

           - E por São Paulo, nada? Tudo! Como é que é? É pique, é pique, é pique! São Paulo! São Paulo!

            O trem parte em plena ebulição com os soldados cantando o Hino da Revolução: Paris Belfort. Todos já se consideram verdadeiros heróis...  E alguns rezam, nas horas que podem, o Credo escrito por Guilherme de Almeida:

 

“Creio em São Paulo todo poderoso/ criador, para mim, de um céu na terra/

e num Ideal Paulista, um só, glorioso,/ nosso senhor da paz, como na guerra,/

o qual foi concebido nas "bandeiras",/ nasceu da virgem alma das trincheiras,/

padeceu sob o jugo dos invasores;/ crucificado, morto e sepultado,/

desceu ao vil inferno dos traidores,/ mas, para um dia ressurgir dos mortos,/

subir ao nosso céu e estar sentado/ à direita do Apóstolo-soldado,/

julgando a todos nós, vivos ou mortos./ Creio no pavilhão das treze listas,/

na santa união de todos  os paulistas,/ na comunhão da terra adolescente,/

na remissão da nossa pobre gente,/ numa ressurreição do nosso bem,/

na vida eterna de São Paulo, Amém." [51]

 

            A tropa paulista do 2º Regimento de Cavalaria Divisionária de Pirassununga, desembarca em Santana dos Tocos, tomando o caminho de São José do Barreiro, cidadezinha antes de se chegar a Bananal, a leste dessa cidade, tendo ao norte a cidade de Resende, ao sul Cunha, ao sudeste Paraty e ao oeste, Areias.

          Progridem até Salto e Formoso, parando para um descanso na Fazenda Palmeira, de Josino de Almeida. A tropa paulista posiciona-se perto do Clube dos 200, à espera dos mineiros e dos gaúchos para, juntos, avançarem para o Rio. Mas os mineiros e gaúchos não chegam. Os paulistas,  sozinhos, vão ter de enfrentar a tropa do Getulio, em São José do Barreiro. Quando a tropa fica sabendo que os mineiros e gaúchos não irão chegar, começam a cavar trincheiras preparando-se para os combates...

 

 

      

Enquanto isso a atenção dos paulistas volta-se para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais que prometeram aliar-se a São Paulo... Um dos líderes políticos do Rio Grande, Dr. Borges de Medeiros , desconfiado  das atitudes de hesitação do interventor Flores da Cunha, desafia-o, enviando um telegrama:

 

   "General Flores da Cunha - Porto Alegre.

   Evocando nossos compromissos honra, vosso incomparável civismo, edificante fidelidade republicana, consenti que vosso velho e dedicado amigo vos pondere, nesta hora grave que, entre a ditadura e a sorte da República e do Rio Grande, não é lícito hesitar. Se a paciência fatigada e irritada dos brasileiros alçar-se em protesto armado, para reivindicar as liberdades confiscadas, tenho fé não hesitareis assumir única atitude compatível vosso passado, vossa glória. Ficai com Rio Grande e sede o seu galhardo condutor na nova cruzada redentora. Este o meu voto ardente e o meu solene apelo, que breve ratificarei de viva voz. Abraços.

                      a) Borges de Medeiros."[52]

 

            O general José Antônio Flores da Cunha, interventor federal no Rio Grande não atende ao pedido de Borges de Medeiros. Prefere entregar o seu cargo, passando à 1:20 horas da madrugada,  um telegrama  para Getulio:

 

  "Doutor Getulio Vargas - Rio de Janeiro.

  Ante situação tormentosa acaba me ser criada e para manter intactos meus deveres de honra, deponho nas suas mãos cargo interventor federal neste Estado. Manter-me-ei no meu posto até empossar meu substituto, pedindo suas prontas providências sentido nomeação deste.

            Cordial abraço  

a)   Flores da Cunha"[53] 

 

            Em 15 minutos, Getulio Vargas envia a resposta. Se aceitar a demissão, estará libertando Flores da Cunha e a Frente Única Gaúcha para unirem-se a São Paulo. Se Vargas perder o Rio Grande do Sul, a sua terra natal, perderá  os outros Estados como Minas, Santa Catarina e o Paraná. Por isso o telegrama de Vargas tenta conquistar Flores da Cunha com laços de amizade:

 

 " General Flores da Cunha, palácio

  Palácio Catete 10/7/32 1 h 35 m

 Acabo receber notícias forças federais capital de São Paulo rebelaram-se sob comando coronel Figueiredo, ocupando telégrafo. Estamos aqui tomando providências. Tudo espero atitude digna leal corajosa meu nobre amigo frente Rio Grande.

                Abraços afetuosos.

                Getulio Vargas".[54] 

           

Cinco minutos depois desse telegrama, Getulio expede outro, objetivando garantir a fidelidade de Flores da Cunha e o apoio do Rio Grande do Sul:

  " General Flores

    Palácio do Catete, 10/7/32  1 h 40 m

   Tenho a sua palavra que manterá ordem. Não posso aceitar renúncia. Ninguém melhor que meu caro amigo será fiador honra Rio Grande, momento vítima traição pretendem nos apunhalar pelas costas, num movimento nitidamente reacionário. Não me entregarei. Tenho elementos para resistir e estou disposto a fazê-lo até sucumbir como soldado da revolução na defesa dos ideais que nos levaram a ela,(em 1930).

              Abraços.

              a) Getulio Vargas." [55]

 

          A resposta de Flores da Cunha é curta:

 "Doutor Getulio Vargas, Rio.

  Manterei a ordem ou morrerei.

             Abraços

             a) Flores da Cunha." [56]

 

            Flores da Cunha prefere jogar o Rio Grande do Sul em direção a São Paulo, aderindo ao lado de Getulio e avançando contra São Paulo, apesar do discurso de João Neves que dizia que o gaúcho não faltaria à palavra empenhada:

            "Se o Rio Grande faltar ao compromisso assumido, que o mar trague esse berço de valentes!"

            E esse compromisso estava bem escrito na Proclamação de Borges de Medeiros e Raul Pilla, líderes políticos dirigentes da Frente Única do Rio Grande, divulgada em Porto Alegre a 12 de julho de 1932:

 

              "AO RIO GRANDE DO SUL E À NAÇÃO

A hora grave que atravessamos, obriga-nos a falar com a possível franqueza ao Rio Grande e à Nação. Terra de lealdade e de desassombro, não pereçam nas nossas mãos os apanágios mais puros da nossa gente.

A Frente Única Rio-Grandense, isto é, os partidos Republicanos e Libertador, têm compromissos de honra com os revolucionários constitucionalistas de São Paulo. Negá-los ou mesmo silenciá-los equivaleria a um crime de traição que não enodoaria apenas os nossos nomes, mas humilharia perante a Nação o bom nome do Rio Grande, amontoaria sobre nós o desprezo dos conterrâneos e sobre nós desencadearia as maldições do futuro. Caia o Rio Grande se houver de cair, porém caia de pé, onde o rio-grandense, só por estar animado de pontos de vista contrários aos nossos, capaz de aconselhar-nos ou esperar de nós uma atitude de felonia ou um gesto  de  desonra?  A identidade  de propósitos que animaram o povo de São Paulo e o do Rio Grande na sua resistência aos erros da ditadura e ao seu ânimo deliberado de por entraves à volta do país à ordem legal, foram a causa inicial dessa solidariedade. Desdobrou-se ela em compromissos políticos assumidos em nosso nome pelo representante da Frente Única no Rio de Janeiro, o Dr. João Neves da Fontoura, para o fim da constituição de um governo verdadeiramente nacional e  afirmados ainda por nós para a eventualidade de uma ação militar, desde que a tanto fosse arrastado o governo de São Paulo. Esta é a verdade que não pode ser ocultada, sob pena de levarmos o Rio Grande à mais dolorosa de todas as provações morais, que é o vexame do ridículo.

A ação militar de São Paulo contra a ditadura estava há muito prevista. Atente-se para este quadro: ou São Paulo manteria os seus compromissos com o Rio Grande, conservando-se afastado da ditadura e recusando dar-lhe a sua colaboração para não ser desleal conosco, ou trairia a fé da sua palavra, abandonando-nos no combate de ideais em que estávamos empenhados. Foi de extrema nobreza o procedimento de São Paulo. À capitulação com a traição do Rio Grande preferiu a resistência com a dignidade da palavra empenhada.

Precipitaram-se os acontecimentos. O Rio Grande foi colhido de surpresa na avalanche. Mas na hora em que os nossos aliados apelaram para nós, como lhes poderia a Frente Única responder com a apostasia aos compromissos assumidos e com a deserção do posto de honra a que voluntariamente se obrigou? Homem de honra, que preza os seus próprios compromissos, não exigiria, por certo, o ilustre Interventor Federal no Estado que nós renegássemos os nossos e os déssemos sumariamente por não existentes, pela razão de haver S. Excia., por motivos que não nos compete discutir aqui, entendido não dever corresponder aos apelos que lhe dirigimos no sentido de ser o condutor  do  Rio  Grande na nova cruzada redentora da consciência brasileira.

Comprometeu-se S. Excia., a manter a ordem no Rio Grande do Sul. Sabe S. Excia., melhor do que ninguém, que  nunca foram outros os propósitos da Frente Única. Pelo contrário, é sobre a intangibilidade da Frente Única que repousa exclusivamente a paz do Rio Grande. Não nos apartemos das graves responsabilidades que nos pesam. E já que à Frente Única não foi possível contar com o Interventor para conduzir o Rio Grande à satisfação dos nossos compromissos com São Paulo, seja-lhe lícito, pelo menos, dirigir a S. Excia., mais um público e solene apelo no sentido de não levar o Rio Grande a atirar contra os nossos irmãos e aliados de São Paulo. A Frente Única deseja, tanto como S. Excia., preservar da anarquia e da desordem o Rio Grande do Sul. A Frente Única não poupará esforços neste sentido.  Mas, em atenção aos nossos compromissos de honra, que o Interventor Federal conhece, exortamos, pedimos, rogamos, imploramos que mantenha pelo menos o Rio Grande do Sul afastado de incêndio, pronto a contribuir com o que porventura ainda lhe sobre da sua antiga autoridade moral, para encontrar uma solução digna e patriótica, nunca para aumentar-lhe a extensão, ou para afastar os brasileiros da vitória definitiva dos seus ideais.

Compreendam o Rio Grande e a Nação a  angústia desesperada das nossas palavras. Talvez ainda seja tempo de evitar o desastre final. E é porque queremos evitá-lo que nos limitamos, nesta hora de consciência conturbada, ao mínimo que todo homem de honra poderia esperar de nós e que é esta simples e precisa declaração de compromissos e este apelo que dirigimos ao general Flores da Cunha, àquele mesmo valoroso cabo de guerra que nos próprios dias da vitória de Outubro prezava tanto os brios de São Paulo e a nobreza do seu povo, que não permitiu passagem os seus soldados,. como conquistadores, as ruas da capital paulista.

Ao Rio Grande e à Nação: esta é, na sua expressão mais serena e leal, nesta hora de extrema gravidade, a orientação política dos Partidos Republicano e Libertador do Rio Grande do Sul.

              Porto Alegre, 12 de julho de 1932.

             a) A. A. Borges de Medeiros

             a) Raul Pilla."[57]

 

            "Disposição heroica, palavras bonitas. Os signatários, à frente de um punhado de amigos, saberão honrá-las, quase num esforço pessoal. Mas Flores da Cunha não se comoveu nem recuou: mandou formar a força do seu Estado, ao lado da ditadura."[58]  

            O mar não tragava o Rio Grande do Sul ...

             Às  9 horas da manhã do dia 10 de julho de 1932, informes policiais registram o boato que corre pelas ruas: generais da Vila Militar querem enviar comissão para solicitar a Getulio Vargas que renuncie.  Góes  Monteiro escreve,  registrando, a reação de Getulio Vargas: ..."muniu-se de um revólver, escreveu uma Carta Manifesto à Nação e declarou que não  se entregaria e poria fim à vida em último caso..."[59]

            E Minas Gerais? O jornal O Estado de São Paulo, no dia 11, publica: "Poderá Minas assistir como simples espectadora ao avanço formidável que São Paulo iniciou contra a ditadura que nos trai e avilta? Estamos seguros de que os mineiros estarão à altura de suas responsabilidades, e de seu civismo inquebrantável neste momento. Os brasileiros e o mundo civilizado não poderiam compreender que Minas assistisse como mera espectadora ao  maravilhoso quadro do ressurgimento de nossa grandeza...."[60]                    

              Minas Gerais, governada pelo interventor Federal Olegário Maciel, não fica como espectadora. Prefere ficar do lado de Getulio Vargas, atacando os paulistas...

           São Paulo não recebe nem ajuda do Mato Grosso, de onde o general Bertholdo Klinger dizia que iria trazer soldados e armamentos. Ele chega a São Paulo de trem,  "com um punhado de oficiais e o informe de que não virão tropas, nem munições, nem a copiosa artilharia esperada.  Retirado do comando pelo Getulio, não pudera mobilizar a seu favor as forças militares da circunscrição. Posicionaram-se contra Klinger e ao lado de Getulio, as unidades do 16º BC, de Corumbá, a flotilha naval de Ladário e  boa parte da polícia militar mato-grossense..."[61]

            São Paulo fica sozinho para a luta... tendo apenas 7 aviões e 44 canhões, contra 24 aviões e 250 canhões das forças do Getulio... 

            Entre Cruzeiro e São José do Barreiro posiciona-se o grosso da tropa no Vale do Paraíba. Sobre a rodovia Rio São Paulo, na linha Jataí Areias, posiciona-se força mista infantaria-artilharia e  sobre a ferrovia Central do Brasil, em Queluz, destacamento de infantaria-artilharia. 

           

             Grupos de cavalaria vigiam pontes e passagens sobre o Paraíba, em Palmeiras e Santana dos Tocos. Na linha Piquete Perequê até Passa Quatro, destacamentos de artilharia-infantaria. Ao fim dos primeiros dias da revolução, São Paulo estava abandonado pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais, os dois parceiros da Frente Única que não honraram seus compromissos com São Paulo e os princípios estabelecidos...

            ... A tropa paulista continua cavando trincheiras na região montanhosa de São José do Barreiro...

             À noitinha do primeiro dia, o guarda Bahia, pega a sua motocicleta e toma a direção de Bananal; ele tinha resolvido ir namorar, pois tudo estava  calmo.  Quando ele, ao terminar a estrada e entra na primeira rua de Bananal, dá de frente com soldados do Getulio: a tropa federal do 1º Regimento de Cavalaria Divisionária, que havia tomado a cidade, sem resistência, destituindo o prefeito e colocando na Prefeitura o coronel Lulu de Almeida, e atravessava a cidade... O susto foi de ambas as partes. Bahia, rápido, faz a volta e acelera a sua motocicleta, retornando para São José do Barreiro, dando a notícia ao comando paulista...

            Duas horas depois acontece o confronto... Os paulistas, nas trincheiras de vanguarda abrem fogo contra a tropa de Getulio que avançava cautelosa na penumbra da estrada, vindo de Arapehy e Bananal.

 

            A tacando pelos francos, a infantaria paulista coloca as tropas de Getulio em desvantagem. O combate com muitos tiros dura horas, com grandes perdas de ambos os lados. A tropa de Getulio não esperava encontrar paulistas aguerridos e destemidos, por isso recua, correndo. Como as espadas que muitos deles tinham à cintura, atrapalhassem a fuga, os soldados foram tirando da cintura a bainha com a espada e o cinto, largando-os por onde corriam... No amainar dos combates, já altas horas da noite, a tropa paulista, conforme já planejado, recua para uma melhor posição, no Morro Fino, enorme morro na saída de São José do Barreiro. Nas trincheiras, os soldados recebem uma garrafinha de café, uma latinha do tamanho de um ovo, de leite condensado e um pão com bolachas...

            No Morro Fino os combates acontecem  mais violentos, quando a tropa de Getulio ataca. O general Zenóbio da Costa, que comanda a tropa federal, perde um batalhão inteiro para poder avançar parte do morro. Nesse avanço,  o irmão do general Góes Monteiro, ministro da Guerra nomeado por Getulio, é morto com um estilhaço de granada que atinge  seu peito, saindo pelas costas. Durante dias, a população de São José do Barreiro que havia fugido para as fazendas vizinhas à cidade, vê ao longe e ouve, o ribombar dos canhões e o matraquear das metralhadoras. A luta, em São José do Barreiro, se prolonga por longos dias até o mês de setembro...

            Getulio envia, também, tropas pelo mar. Do Rio, tropas dos fuzileiros navais, pelo transporte de guerra, o tênder Ceará  desembarcam em Paraty, última cidade do litoral sul do  Estado do Rio, fronteira com São Paulo. O objetivo é  subir a Serra do Mar e tomar de assalto, dominando, a cidade paulista de Cunha, com objetivo maior de avançar para o Vale do Paraíba, pegando as tropas paulistas pela retaguarda e também, evitar que os paulistas possam  descer a serra até Paraty, conquistando um porto marítimo...

            Os fuzileiros navais avançam sem nenhuma resistência, de Paraty até os arredores de Cunha. Depois de receber informes de grupos avançados que de  vários pontos estratégicos examinaram a cidade, com binóculos, do alto de morros, sem serem pressentidos, o almirante Amaral Peixoto, comandante dos fuzileiros, acerta com seus oficiais comandantes a ação da tomada de Cunha. A tropa se espalha por vários pontos escolhidos e na hora estabelecida, todos avançam para a cidade, tomando-a de assalto sem encontrar nenhuma resistência, já que além dos pacatos moradores, nenhum soldado paulista é  encontrado.

            Os moradores de Cunha, em seu isolamento na serra e com poucas comunicações com outras regiões, ficam surpresos com a invasão dos fuzileiros. E mais surpreso ainda, fica o juiz da cidade, Dr. Casimiro da Rocha quando recebe voz de prisão por um dos comandantes dos fuzileiros... Mas, nem toda a cidade foi aprisionada. A uns dois quilômetros de Cunha, em direção à Guaratinguetá, está  parado, recolhendo um dos últimos latões de leite da manhã, colocados na beira da estrada por fazendeiros da região, o popular  Zé das Latas, quando chega  a  galope em seu cavalo, um morador com a notícia da invasão da cidade pelos fuzileiros. Zé das Latas já tinha ouvido falar que ia estourar uma guerra contra  o Getulio. Depois de ouvir mais detalhes do recém-chegado, não pensa  duas vezes. Amarra  bem as latas de leite em seu caminhãozinho Ford e acelera  em direção à Guaratinguetá. Após sacolejar por mais de uma hora e meia pelos 48 km que separam  Cunha de Guaratinguetá, entra rápido na Cooperativa onde entrega o leite, deixa o caminhão para ser descarregado e sai correndo em direção à praça principal, a uns 300 metros dali.  Encontra vários conhecidos e agitado, conta os fatos. Um deles, leva-o ao Dr. Venâncio Ayres, delegado de polícia da cidade que, segundo soube, estava organizando a defesa civil da cidade, já que ainda não tinham chegado soldados paulistas. Rapidamente o alto-falante da praça principal começa a divulgar a notícia, e  pede  voluntários.  Enquanto isso, o  José Gladiador, responsável pelo Tiro de Guerra da cidade, sediado na Rua do Parque, depois de saber da notícia, leva para a praça as armas e munições que tem. Em poucas horas já tinham se apresentado doze voluntários, com algumas armas que trouxeram de casa e outros se armaram com os fuzis do Tiro de Guerra. Zé das Latas  apresenta-se como voluntário para levar em seu caminhãozinho os voluntários até Cunha. Mas, o Dr. Venâncio Ayres prefere  o caminhão da Destilaria Guará, dos irmãos Galvão, dirigido por Pedro Domingos, maior e mais possante, um Chevrolet 29 conhecido como Ramona...

            Embalado pela noite que já tinha acordado, o sol já estava começando a dormir atrás dos morros que circundam Cunha quando tiros disparados por uma patrulha dos fuzileiros para o caminhão com os voluntários de Guaratinguetá,  a um quilômetro da cidade, na subida do morro do Serrote. Os doze voluntários pulam rapidamente para o chão e se posicionam. Ninguém dá um tiro. Um pesado silêncio se faz. De repente, um dos voluntários grita  bem alto, com sua possante voz: 

            - Atenção tropa! Traga a metralhadora pesada aqui para a frente. Vamos mostrar a eles o que nós paulistas temos... - Parece que o pequeno grupo de fuzileiros acredita na mentira pois o grupo que estava entrincheirado a menos de 50 metros à frente, desconhecendo o armamento e o número de  soldados paulistas, sai correndo da trincheira em direção à Cunha. E, em pouco tempo, acreditando que os paulistas estão atacando com muitos soldados e com armamento pesado, de maior poder de fogo do que tinham trazido, os fuzileiros abandonam  a cidade de Cunha em direção a Paraty...           

            Os doze voluntários avançam cautelosamente e depois de informados que os fuzileiros fugiam para Paraty, entram na cidade.  São recebidos na praça  perto da igreja pelo juiz, aliviado por ter escapado dos fuzileiros, quando estes iniciaram a fuga... sorte que não teve o prefeito da cidade, levado preso pelos fuzileiros... Quando os fuzileiros retornam com reforços, dias depois, Cunha já estava protegida e defendida pelos soldados da Força Pública de São Paulo. E continuou livre das tropas do Getulio até o final da Revolução... graças aos doze voluntários  que em uma ação heroica expulsaram os fuzileiros  no início da Revolução...

            Os doze voluntários ficam  em Cunha, esperando os fuzileiros voltarem. Tropeiros a cavalo, vindos de Paraty informam que os fuzileiros estão descendo a serra do Mar para Paraty e nenhum marinheiro tinha sido visto por perto de Cunha. No dia 13 de julho, perto do meio dia, chega  por um informante que  soldados vestidos de cáqui se aproximam de Cunha pela estrada de Guaratinguetá. Os doze voluntários se posicionam e atiram à frente dos soldados. Estes correm para a beira da estrada, mas não revidam ao ataque pois não iam atirar em paulistas. Afinal, a luta era contra o Getulio e suas tropas.

             Um pano branco enfiado na baioneta do fuzil, empunhado pelo sargento Antônio de Figueiredo Borges, que avança resoluto e sozinho em direção à curva da estrada, faz os voluntários perceberem que estão atirando no  inimigo errado, pois os soldados de cáqui pertencem à tropa paulista do 1º Batalhão da Força Pública e do 4º Batalhão do Exército que chegam para proteger e defender Cunha... Os doze voluntários voltam para Guaratinguetá onde logo estão lutando junto a outros inscritos na Liga da Defesa Paulista..[62]      

No dia 12 de julho de 1932 os chefes militares e civis lançam um Manifesto à Nação, informando os objetivos do movimento paulista e em especial, de entregar o Governo Federal a uma Junta Governativa Nacional. 

            Dia 14 em Cruzeiro, um avião do Getulio, logo apelidado de vermelhinho

bombardeia as posições paulistas. E os combates em Cruzeiro tem início...

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

      A Revolução mal havia começado quando, decorrido apenas 48 horas desde o seu  início, os líderes militares em São Paulo, constatam que entre as medidas tomadas, em maio, pelos generais de Getulio, Góes Monteiro e Miguel Costa, uma os assustou: haviam retirado de São Paulo armamentos pesados e deixaram os arsenais quase vazios...

            Foram encontrados somente 27.685 fuzis e no máximo 100 tiros para cada soldado até o momento mobilizado.  

            E  fica uma  pergunta  no  ar: 

            - Com o que, afinal de contas, São Paulo, sem aliados nem arsenais pesados e com pouca munição, pode contar para conduzir a guerra? Só com fuzis 1908 e alguns milhões de balas?

            O fabrico de armas pesadas já estava  acelerado... Uma comissão se encarrega da fabricação e outra de arranjar mais dinheiro para os gastos. 

            A inventividade paulista cria armas especiais e até imitadores do barulho de metralhadoras, como as  matracas.  

            São Paulo vai lutar com o que tem à mão...

            E o M.M.D.C.  começa a distribuir pelo Estado de São Paulo, os cartazes conscientizando a população...

 

     

 

        As trincheiras de Engenheiro Neiva estão em terreno muito bem escolhido: terreno elevado que permite ver as tropas inimigas a dois quilômetros. O terreno, lá embaixo, está em vários locais com arame farpado e, nos locais possíveis de passar carros de assalto, há  terrenos  minados. As tropas do Getulio já haviam tentado dias antes, um assalto noturno. Tinha sido uma noite terrível. Canhões 120 e metralhadoras cuspiam fogo, jogando terra sobre os soldados dentro das trincheiras ou explodindo dentro das trincheiras, tirando a vida de muitos paulistas. A batalha nas trincheiras se iniciava com o assalto das tropas do Getulio.

            O fogo contra os paulistas  durante todo o dia foi concentrado na trincheira grande que cobre todo o elevado da região de Engenheiro Neiva, devido a Frente Norte ter recuado na véspera.  Balas assobiam por todos os lados. A batalha é  dura.,  com muitos mortos. Ao final da tarde a batalha cessa. No posto de comando o capitão Saldanha recebe pelo telefone de campanha, a ordem do Quartel General de suspender o fogo e retirar toda a tropa. Dada a ordem, os soldados arrastando-se pelo valo das trincheiras, interligadas, começam a recuar. Chegando à posição segura, colocam o material bélico, metralhadoras, minas e telefones de campanha e as caixas de munição, nos caminhões.

            O dia escurecia. Os soldados recuam para Guaratinguetá. O último caminhão, com os faróis apagados, segue pela estrada  estreita, em direção à cidade, fechando o comboio de soldados e caminhões. Os soldados que estão no último caminhão, olham para trás, melancolicamente, para as trincheiras  emolduradas  pelo  fim de luz do sol que já se tinha posto atrás dos picos da serra da Mantiqueira, ao fundo do Vale...

             Estão indo embora os idealistas da última trincheira...

            A batalha das trincheiras de Engenheiro Neiva tinha sido a última batalha da Revolução de 32...

 

             ..."Esta noite tive um pesadelo horrível. Engalfinhado com um homem, ferrava-me ele os dentes na garganta e chupava-me o sangue como se fora um monstruoso vampiro! No desespero, com o meu facão, cortei-lhe o pescoço até sentir aberta a cartilagem da traqueia. O sangue esguichou forte inundando-me a face.

            Acordei sobressaltado, tremendo, com o coração pulando e com o corpo molhado de um suor frio e pegajoso. Tive medo de ficar no escuro. Precisei acender a lâmpada até varrer o sonho mau como a luz varre as trevas!

            É  a impressão que ficou. É o fato anormal gravado. Nunca mais a célula cerebral poderá perdê-lo. Daqui a vinte anos, algum dia, despertarei dentro do assalto!

            O tiro de canhão direto na trincheira! O avião sobre nós como uma galinha sobre os pintos, a despejar metralha e a pingar bombas! O incêndio do sapé, o vento a soprar a chama destruidora contra nós, enquanto o inimigo corta a cerca para o ataque a baioneta! A perseguição do derrotado, a metralhadora nas costas, subindo o morro que nunca mais tem fim, caindo, levantando, agarrando qualquer coisa para ajudar o impulso, o espinho que rasga a mão, a urtiga que queima, a cobra que se toca, a goela seca, a respiração anelante, o suor que se chupa para molhar a boca, a vertigem, a outra posição e o abandono de si mesmo pela fadiga e esgotamento nervoso, indefeso, incapaz de ação, deixando-se matar! A sujeira, a lama, os piolhos, os excrementos dejetados dentro da trincheira! A comida difícil de chegar; às vezes, o feijão frio e azedo de dois dias. Um horror! Um inferno que nem contar se pode!

            No assalto à noite, os homens gritando e pulando como diabos, os clarões das granadas, a fuzilaria! O assalto é muito melhor do que o canhão e o avião. Pelo menos são homens contra homens. É a luta, não a inércia. Antes morrer brigando do que se deixar matar como um carneiro!

            Uma granada explode em uma esquina da trincheira. Não fora a curva e seriamos reduzidos a caldo. O homem, estupidificado, nada avalia, volta atrás:

            - Alguém machucou-se?

            -Não, só um soldado cospe  sangue porque foi atingido no peito...

            Depois do assalto:

            - Quantos homens faltam? Três? Está bem. Vamos dormir.

            João levou um estilhaço que lhe cortou o capacete e o crânio!

            - Coitado! Que azar!

            E continua a dormir. Nem foi vê-lo no outro dia.

            João era o companheiro inseparável de risadas e seteira.

            A guerra só é fácil e linda para quem nela não entra!

            "Agüentai o fogo que a vitória é nossa!" gritavam os soldados, rindo-se abobalhadamente, nos momentos difíceis..."[1]

        Às 15 horas o general Góes Monteiro, das forças do Getulio, envia telegrama ao comandante geral da Força Pública em São Paulo:

 "Coronel Herculano - São Paulo - Nº 673 - Horas 15.

Deveis assumir imediatamente governo militar capital depondo interventor ou governador e fazendo diretores de secretarias responder expediente mesmas, sob vossa fiscalização. Ficais investido poderes necessários garantir ordem, vida e propriedade população.

            a) General Góes Monteiro - Cruzeiro - 2.10.1932." [2]

 

            O coronel Herculano envia ao governo paulista, para informá-lo da decisão do comandante das tropas do Getulio, uma comissão composta pelos coronel Eduardo Lejeune, major Mário Rangel e capitão João Francisco da Cruz.

            Ciente de sua deposição, o governador Pedro de Toledo e 8 membros do Governo Provisório fazem  o seu último Comunicado ao Povo:

 

 

"AO POVO DE SÃO PAULO

             Quando, em 9 de julho do corrente ano, a guarnição federal aqui aquartelada e a Força Pública deste Estado se levantaram em armas num movimento coordenado com as forças militares do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, de Mato Grosso e do Distrito Federal, e com as correntes políticas desses Estados, todo o povo paulista nele se integrou. Não foi mister um apelo aos homens válidos, nem uma convocação. A um só impulso, todos acorreram a se arregimentarem, organizando-se batalhões de voluntários que, dia a dia, se atiravam à luta, a mais nobilitante de quantas em nosso pais se travaram. Aclamados pelas forças militares e pelo povo paulista, tivemos de, obedecendo à sua imposição, assumir o governo do Estado, passando a dedicar-lhe todas as energias de que éramos capazes, a fim de corresponder à confiança e, principalmente, ao trabalho incomparável de seu grande e nobre povo, que se atirou à guerra com todo ânimo de vencer, improvisando aqui tudo de quanto careciam os exércitos constitucionalistas para a sustentação do fogo de que deveria resultar a vitória.

            Se triunfos tivemos, e esses foram numerosos, como a posteridade há de verificar, assombrada, nos anais da história paulista, reveses sofremos, a principiar pela ausência de companheiros de lutas, cujas armas contra nós se voltaram.

            Durante quase três meses a peleja se desdobrou em todos os limites de São Paulo; e este fez impossíveis para mantê-la, vigorosamente, apesar de terem sido lançadas contra ele as forças armadas de todos os Estados, menos Mato grosso, amparadas pelos enormes recursos de que, por força de sua posição, dispõe a ditadura.

            Sem desfalecimentos, fez São Paulo tudo quanto o engenho de sua gente e a capacidade de sua indústria e da sua lavoura permitiram, para o  abastecimento  dos exércitos, amparo e socorro da população civil, salvaguarda de todos os direitos individuais e coletivos, mantendo, a todo o transe, a ordem jurídica e social, assegurando, assim, todos os elementos da vitória.

            Com a altaneira de espírito e serenidade de razão, demonstrou o povo paulista, nesta epopeia sem igual, a firmeza do seu pulso, a largueza de suas vistas e a amplitude de seu sentimento nacional. A página que agora coloriu com o seu sangue há de permanecer imortal, aos olhos de todo o Brasil, como a mais inequívoca demonstração da sinceridade de sentimentos com que se entregou à causa da rápida constitucionalização  do país.

            Combatido em todos os setores, com todas as armas, ainda as mais atrozes e as mais desumanas, manteve-se no posto, defendendo os seus ideais e honrando os seus compromissos.

            Continuava a luta quando, em 27 de setembro findo, teve o governo notícia de que, entre a oficialidade da Força Pública se preparava, em surdina, entendimento com a ditadura, para a cessação da guerra. E, no dia seguinte, pela manhã, do general Bertholdo Klinger, comandante das Forças  Constitucionalistas, recebeu a comunicação de que, em face dos últimos acontecimentos, seria improfícua a continuação das hostilidades. Por isso, acrescentou, já havia enviado aos comandantes de setores a comunicação de que pretendia, naquele dia, propor um armistício ao adversário.

            Reuniu-se o governo e, depois de ouvidos os comandos militares, representantes das associações comerciais, industriais, liberais e outros - cujo concurso foi preciosíssimo e cuja solidariedade jamais sofreu solução de continuidade - viu-se na emergência de não poder opor-se à resolução dos militares.

            Se fracassaram as negociações do armistício proposto pelo comandante das Forças Constitucionalistas, que julgou inaceitáveis, por humilhantes, as condições do que lhe oferecera a ditadura - vingou o pacto, com ela, em separado, firmado pelo comandante geral da Força Pública. Em seguida,  pelo governo ditatorial foi o comandante  geral da Força Pública nomeado governador militar do Estado de São Paulo, do que, por uma comissão, composta do coronel Eduardo Lejeune, major Mário Rangel e capitão João Francisco da Cruz, teve há pouco o governo paulista comunicação oficial.

            Cessa, destarte, a vida do governo constitucionalista aclamado pelo povo paulista, pelo Exército Nacional e pela Força Pública, e hoje por esta deposto.

            Fica encerrada, nesta faixa do território brasileiro, a campanha militar pela restauração do regime legal.

            Mas o anseio não se sopitará. Comprimida, a campanha há de expandir-se, certamente, por não ser possível que um povo, como o nosso, persista em viver sob um regime de arbítrio.

            Deu São Paulo tudo quanto podia dar ao Brasil. Tudo empenhou em prol de sua reorganização político-administrativa. E disso não se arrependerá.

            O seu governo, instituído pelo povo paulista, com o apoio das Forças Armadas, encerra o seu ciclo histórico. Antes, porém, que se lhe extinga a vigência, afirma que cumpriu o seu dever.

            Tudo por São Paulo!

            Tudo pelo Brasil!

 

            São Paulo, 2 de outubro de 1932.

 

           Pedro de Toledo, Waldemar Ferreira, Paulo de Morais Barros, J.Rodrigues Alves Sobrinho, F.E.da Fonseca Teles, Francisco da Cunha Junqueira, Gofredo T. da Silva Teles, Joaquim A. Sampaio Vidal, Tirso Martins." [3]

            A resistência já é  impossível em qualquer parte. A Revolução de 32 está  acabada. 

Capitulo 8

Com o armistício e o fim da Revolução Constitucionalista, os cinco irmãos, Robson, Raymundo, Reinaldo, Rogério e Rodrigo encontravam-se em Taubaté, onde depuseram armas, junto com os soldados do seu batalhão... Os dois irmãos Robson e Raymundo, oficiais, são desmobilizados e afastados da Força Pública. Com roupas civis, os cinco irmãos conseguem chegar a Lorena, sem serem molestados ou presos pelas tropas do Getulio que ocupam as cidades do Vale do Paraíba e assumiram o seu controle...

Cinco dias depois de ter sido assinado o Armistício de 2 de outubro e cessados todos os combates, os cinco irmãos encontram os seus pais na fazenda  de parentes, em Lorena. Seu pai Otávio, como voluntário civil, tinha assessorado o comando da 2º D.I.O. com os seus conhecimentos da região entre Lorena e Bananal, e com a dissolução do comando, retornou à fazenda onde tinha deixado a esposa Nimpha e Raul, o  filho caçula, tendo chegado um dia antes de seus cinco outros filhos. E resolvem todos ficar ali mais uns dias antes de retornarem a Bananal.

             Dia 17 de outubro, ao raiar do dia, os dois carros da família Alves de Algarve iniciam a viagem. Fazem uma paradinha, para o almoço, no Clube dos 200, em São José do Barreiro.

           Era o início da tarde quando entram nos jardins da casa em Bananal, sendo recebidos com alegria pelos serviçais. A casa estava em ordem. Nada  tinha  sido roubado, além das frutas do pomar e algumas selas e arreios.

           Os Alves de Algarve, com o retorno ao lar, começam a arrumar as atividades da família. Com o afastamento dos dois mais velhos da Força Pública, Robson e Raymundo decidem, apoiados pelos pais, morar em São Paulo com um dos tios e estudar Engenharia. Reinaldo também foi com eles, para estudar Direito e futuramente chegar  à Magistratura. Havia decidido, como paulista, que se não foi possível vencer pelas armas, iria ajudar a vencer pela Razão, pelo Direito e pela Justiça!

           Já Rogério, no auge de seus 22 anos prefere ficar em Bananal, junto com Rodrigo e Raul, para ajudar o pai na administração das fazendas de gado e café. E, por ser uma pessoa com grande iniciativa e visão empreendedora, logo diversifica as atividades da família. Manda analisar os minérios de jazidas que descobriu nas terras da família e logo sabe que tem materiais de grande interesse de indústrias paulistas.  Logo está enviando pelo trem que sai de Bananal e vai para Barra Mansa e de lá para São Paulo, vagões com Feldspato e Mica.

            Feldspato, matéria prima para as indústrias de cerâmica, de vidro, de papel, verniz, esmalte e outras no qual o feldspato é indispensável.  Mica, do tipo rubi,  devido à má condutibilidade ao calor e à eletricidade e, em especial, à sua alta resistência às altas temperaturas, é matéria prima para o fabrico de válvulas de rádio, condensadores elétricos, ferro de engomar e passar, e outros ramos da eletricidade. E começa, também, a engarrafar e vender, a água muito pura, de uma fonte descoberta, dentro das terras da família, no final da Rua do Fogo.

            Durante o dia Rogério tem as horas ocupadas por suas atividades. À noite, enquanto o sono não chega, rabisca anotações em um caderno. Está, em especial, desenvolvendo as ideias de uma conversa ocorrida entre ele e outros voluntários soldados, certa noite durante uma pausa nos combates. Rogério volta mentalmente no tempo e relembra ...

    

          noite está calma. Talvez por estar uma noite clara, iluminada pela luz do sol refletida  pela lua cheia, nenhuma patrulha se arrisca a sair das trincheiras nas escarpas da Serra da Bocaina, na região de São José do Barreiro. As tropas do Getulio também estão calmas, não fazem ataques. Os soldados paulistas aproveitam a calma dos combates para descansarem um pouco, recostados nos lados dos buracos cavados  como trincheiras.  Só as sentinelas, dispostas pelo perímetro das trincheiras paulistas, estão  em vigília alerta. O céu, lá no alto, é riscado por uma luz forte que vem do horizonte, a leste, seguindo para o oeste. Uma estrela cadente, pensa Rogério.

             A lua cheia passeando pelo céu, ilumina Rogério e os outros de sua trincheira. Não conseguem dormir. Rogério fala baixinho:

            -  Olhando esse firmamento cheio de estrelas e de planetas, fico me perguntando se em algum deles Deus colocou seres inteligentes, como colocou  aqui na Terra. Já pensaram nisso?  -  E  antes  que os outros respondam qualquer coisa, continua:

            - Tendo o Universo inteiro, Deus não ia colocar seres inteligentes só neste planeta do sistema solar! E existindo outros seres em outros mundos, como é que eles serão na aparência, no estilo de vida e de sociedade? Será que eles para defenderem ideias, também pegam em armas contra algum ditador?  Ou será que já conseguiram um sistema mais desenvolvido de civilização, onde  não agem  por caminhos prejudiciais como é a guerra, e enfrentam de outro modo,  mais civilizado, os problemas?

            Ninguém responde às indagações apresentadas. Alguns dão de ombros, mostrando dúvidas. Outros o incentivam  a falar mais sobre o assunto. E Rogério aproveita a plateia atenta e sem sono, para falar o que anda pensando:

            - Acho que falar na possibilidade  de existência de outros seres em outros mundos, é falar de mistério, dúvidas e em especial, de esperança num futuro melhor. Acho que nossa civilização tem muito o que aprender ainda para poder ser chamada de “civilizada”. Estamos em combates, guerreando com outros  para tentar impor nossas ideias de liberdade e de constitucionalização do país, lutando contra as imposições  do Getúlio a São Paulo e ao Brasil.  Ainda não aprendemos a solucionar problemas e opiniões políticas, sem conflito! Ainda temos muito o que aprender, para podermos viver em paz, em harmonia com os outros, sem essa necessidade de espezinhar os outros colocando-os debaixo das botas de nossas ideias e convicções. Olhando esse céu estrelado e essa lua toda iluminada, fico pensando: se houver outros habitantes em outros lugares e se eles tiverem condições de ver o que estamos fazendo neste planeta Terra, eles vão dar boas gargalhadas dos seres humanos, da pequenez e imaturidade que demonstramos, nos matando uns aos outros por causa de ideias. Nós somos “seres inteligentes”?  Que piada!  Que incoerência!

            Rogério, com sentimentos de indignação, fica um pouco quieto. Um outro voluntário-soldado, estudante universitário da capital, aproveita a pausa nos pensamentos  de Rogério, para por mais lenha na fogueira, apresentando as suas ideias:

              -  E se esses seres mais desenvolvidos de outros mundos, colocaram na Terra, no nosso passado remoto, os pioneiros de nossos ancestrais, para ver se esses seres conseguiriam se desenvolver melhor como “raça”? Igual nós fazemos com outras raças de animais, vacas, cavalos,  cachorros e outros bichos. E se a Terra fosse  “o quintal” desses seres mais avançados? Se eles fossem seres muito mais inteligentes já teriam inventado meios de se locomoverem pelo espaço e até pelo tempo, visitando o planeta Terra para ver como “estão indo” as criações que deixaram aqui...

            A conversa animou um terceiro  voluntário-soldado, este também universitário da capital:

            - Gostei dessa ideia de estarmos sendo “criados”por seres  de outros mundos. Usando a ideia de ondas do rádio, e se esses seres controlassem  os seres que deixaram aqui na Terra, por ondas como as de rádio?  Os sinais poderiam ser mandados, por exemplo, de uma potente estação que eles poderiam ter montado na lua. E cada ser aqui receberia essas ondas  de  direcionamento através de seus fios de cabelo da cabeça, passando pelas terminações nervosas da espinha e terminando nos fios encaracolados, como antenas receptoras, que os seres tem na região genital. Uma antena perfeita! Nós estaríamos sendo controlados iguais a marionetes!

            Rogério voltou a falar, dessa vez aproveitando a idéia apresentada de uma possível viagem no tempo:

            - Isso que você falou de seres mais adiantados  aprenderem até a viajar no tempo, acho interessante! Se algum dia isso for possível, nós poderíamos  ir ao passado e consertar as coisas que não deram certo e até eliminar  as que prejudicaram  o mundo!

            - Seria bom se esses viajantes do tempo pudessem mandar alguém para impedir que o Getulio e alguns de seus ministros  nascessem...

            Uma sonora gargalhada foi ouvida. E todos tiveram que calar-se, repreendidos por uma sentinela...

 

            Rogério escrevia as ideias, pois gostava de deixar os pensamentos voarem sem rumo, preenchendo a sua mente. Ele ficava, durante o dia,  muito ocupado com as novas atividades, junto com seus familiares, não tendo tempo para pensar e sentir. Pensar naquela que ainda fazia pulsar mais forte o seu coração e que estava longe, muito longe... Era ao final de cada dia, quando deitado em seu quarto, meio sonolento, que seus olhos lacrimejavam de tanta saudade que sentia por ela,  pela moça.

 Um dia, porém,  chega  todo especial, no início de dezembro de 1932 para acabar com a sua saudade. Às 20 horas, recebe de um serviçal do seu Manoel, um bilhete:

                            Moço, estou na casa de meus pais.

                            Meu casamento acabou.

                            Venha falar comigo.

                            Te espero ansiosa.

                                                 Moça.

 

           O coração de Rogério dispara, afetado pela adrenalina, de tanta emoção que sente. Desce as escadas da entrada de sua casa aos pulos, quase derrubando o serviçal que havia trazido o bilhete. Em poucos minutos chega ao portão da casa do seu Manoel, logo após a esquina.

A moça espera-o na varanda, sentada no banco, ao lado de vasos de folhagens e flores.

            A saudade dos dois é forte demais. Quando ele chega  à varanda, ela pula  em seus braços e dá-lhe um beijo longo e gostoso. Ele não acredita que ela está ali, beijando-o. Ela puxa-o para sentar no banco junto com ela, e aos tropeções verbais,  fala-lhe rapidamente o que tinha acontecido:

            - Tinha casado em São Paulo, em uma cerimônia simples, em 14 de julho, cinco dias depois de iniciada a Revolução. No dia seguinte viajou de carro com o marido para Santa Catarina. Desde a primeira noite estranhou muito o comportamento do marido, pois não quis dormir com ela, não quis ter nenhuma intimidade, como seria natural entre recém-casados. O marido levou, na viagem, o seu secretário particular, que iria morar com eles. E logo na primeira noite em Santa Catarina, na nova e ampla casa comprada e mobiliada pelo pai do marido dela, ela descobriu a verdadeira face de seu marido. Ele havia casado por pressão de seu pai para manter as aparências de um homem honrado  e mandado, pelo pai dele, para bem longe de São Paulo, para não afetar a família com o seu comportamento e um possível escândalo...  E ele contou - continuou ela - com a cara mais lavada do mundo que preferia o secretário dele e que não gostava de mulher. E que ela aceitasse essa situação.

            Ela havia ficado chocada com a revelação do marido e não aceitou manter a farsa do casamento arranjado. Na primeira oportunidade, após a abertura das fronteiras para passar civis, logo que terminou a Revolução, viajou para São Paulo e ficou hospedada na casa de uma tia. E iniciou as negociações com o pai de seu marido e os advogados dele para anular o casamento. O ex-sogro pagou uma indenização para evitar um possível escândalo caso o processo fosse  litigioso, com repercussões negativas para os seus negócios. Após um mês e meio estava tudo resolvido e ela estava, agora, finalmente livre, oficialmente, e podia casar de novo... 

            E a moça, cheia de emoção e lágrimas nos olhos, olha bem no fundo dos olhos do Rogério e lhe diz:

            - Agora, moço, não vou deixar a felicidade escapar de novo. Já falei com meus pais sobre nós. E eles aceitaram o que eu decidi: quero viver com você, casada ou não!

            Rogério está  estupefato e sua resposta foi um longo abraço e um beijo apaixonado.

            A felicidade tinha chegado para os dois. 

            Realmente,  a vida conspira para  a felicidade...

            ... quando se quer ser feliz...

     

 

     Otávio chega sozinho ao palacete onde reside o industrial Antunes, em São Paulo. Depois de dar os cumprimentos para Eunildo e Celio, os dois cães de guarda do Antunes,  a postos na saleta de entrada do palacete, Otávio é  recebido,  a sós,  pelo seu velho amigo que lhe  oferece uma cadeira para sentar.

            Otávio prefere  falar de pé:

            - Antunes, vim aqui para lhe dizer, cara a cara, que você é um canalha!  Os paulistas precisam saber porque São Paulo perdeu a revolução. Não foi pela covardia de soldados, pois os paulistas foram heróicos nos campos de batalha. Foi pela canalhice e falta de escrúpulos de alguns como você, Antunes. Traição é que fez São Paulo ser derrotado! Traição por homens como você! Não há explicação para a derrota, após tanto esforço, tanta luta, tanto ouro doado, tanto heroísmo! Custei para juntar as peças do quebra-cabeças, pedaço por pedaço, para chegar a entender o que você tramou. Hoje sei que há certo tempo você armou tudo para atirar o povo paulista à luta, como uma boiada é atirada ao matadouro. E tramou isso com algumas pessoas e, em especial, com alguém de muito poder no governo federal.

            Entendi o seu golpe quando o meu filho lembrou da carta que o comandante do navio lhe entregou meses atrás, enviada pelo fabricante das munições e armas que você  comprou no exterior e que nós ajudamos a trazer de Angra dos Reis, pelo Caminho do Café. Nessa carta, escrita em todas as letras, o fabricante estranha você ter lhe pedido munições com areia em vez de pólvora, em 30%, uma com areia a cada três balas.  Além disso, também soube que a munição que você financiou a fabricação, travava nas armas. E entendi mais o seu golpe contra os paulistas, quando o meu serviçal me contou o que soube do pessoal do Clube dos 200, que você teve uma reunião secreta com certa pessoa importante, nesse Clube, meses antes da Revolução e os dois passaram elaborando planos. Um dos serviçais do Clube ouviu na época você acertar o recebimento de muitas indústrias após a derrota que os paulistas teriam....  Como você pode ser tão egoísta, sem escrúpulos e mesquinho, Antunes?! Na realidade você se igualou ao ditador de farda, como um ditador de cartola, com o objetivo de usurpar o que pudesse, para aumentar a sua fortuna pessoal. As indústrias encampadas pelo governo ditatorial você as recebeu para administrar e você, e seus amigos que estão nessa sujeira,  estão sobre elas como aves de rapina, tirando delas o que tem de valor, para aumentar a sua própria riqueza, e a deles. Custei a acreditar quando juntei os  fatos!

            Se eu o conheço bem, Antunes, você nunca irá desistir dos seus propósitos egoístas de dominação pela força econômica. Está claro, para mim, que o grande beneficiário disso tudo é você, no campo industrial e no campo econômico. Você e seus comparsas! Sua fortuna (e a deles) deve ter subido às alturas, não é?

            Antunes ouvia calado, sem mexer um músculo da face.

            E Otávio continuou:

            - Não, não precisa me responder! E antes que você pense em me eliminar, pois sei que você não tem escrúpulos e pode muito bem estar pensando em calar para sempre a minha boca, quero lhe avisar que três dos meus filhos estão em três lugares diferentes aqui em São Paulo, com envelopes contendo fotocópias da carta do fornecedor de armas e munições, prova suficiente para o povo julgá-lo e condená-lo, além de um carta minha contando toda a história sórdida de sua  traição (e a dos seus amigos),  ao povo paulista! E eles estão esperando ao lado de certos telefones. Se eu não sair daqui vivo, e não falar com uma pessoa que está esperando num lugar perto daqui, no prazo de duas horas, essa pessoa liberará os três para entregar a história à imprensa, nacional e internacional, ainda hoje. E amanhã, toda a nação e o mundo saberá de sua covarde traição, e a dos seus amigos!

         E essa história toda será entregue, de qualquer jeito, num prazo de três dias, se você não mobilizar suas reservas de um bom senso e de caráter que ainda tiver, e procurar reparar a grande culpa de ter  feito tudo para explodir essa sangrenta revolução, que encheu de sangue o nosso solo, derramando o sangue de nossa juventude que achava que lutava por um ideal e por liberdade e pela constitucionalização do país. O modo de reparar sua culpa é doando no mínimo metade de sua fortuna, doação passada em Cartório, para um Fundo Especial que ampare as viúvas e órfãos da revolução. Três dias, Antunes, três dias você tem! Quero ler pelos jornais a sua grande ação cívica de doação. Três dias!  E dos seus outros comparsas, cuido depois...

            Otávio afasta-se do seu ex velho amigo, sem dar-lhe as costas, por precaução. Afasta-se, andando de  costas e  fecha a pesada porta de duas folhas depois de passar por ela. Caminha  rápido para a saída, passando como um vento por Eunildo e Celio na saleta de entrada, sem despedir-se deles...

            Entra resoluto em seu carro e alcança a rua, entrando no meio do trânsito dos carros, afastando-se de vez da mansão do Antunes. E respira aliviado, ao constatar que não está sendo seguido...

 

            Traição! É o pesadelo que rouba agora o sossego do povo paulista! Está irritado, rancoroso, de olhos baixos, de supercílios vincados. Não pode explicar a derrota após tanto esforço, tanta luta, tanto ouro, tanto trabalho, tanto amor ao próximo, tanto heroísmo.  Mães perderam até seis filhos! Esposas vendo o pão minguar e o lar derrocado! Criancinhas sem compreender, de olhos grandes, magrinhas, reclamam os pães! Oh! como tudo é horrível! E vem a queixa enorme: como tamanho desastre! Como tanta miséria!... Traição dos políticos! O mau político não trai - o mau político vende-se pelo melhor quinhão!

            Quando houve a disputa pelo poder formaram-se as Frentes Únicas. Gente absolutamente incompatível, que se insultava dias antes, milagrosamente fez as pazes. “Tudo por amor a São Paulo” já se vê.  Ficou combinado que São Paulo, Minas e o Rio Grande se levantariam contra o governo central.

            Alguma coisa, porém, aconteceu que os homens centrais de Minas e do Rio grande resolveram não se levantar. Mas disso não cientificaram os companheiros. Não sei bem qual é o nome que se dá a estas ações! Ora, os homens que dirigiam as Frentes Únicas, sabendo que não iriam entrar nos combates, mas dirigi-los e estimulá-los de longe, esqueceram-se por sua vez de prevenir os armamentos, as munições e os aviões.

            Só quem vai à briga é que examina se possui fuzil e se tem balas!

          São Paulo contou com o Rio Grande, este com Minas e Minas com São Paulo. O circulo vicioso. Como os meus patrícios vêem, eles não tiveram culpa. Foi só um esquecimento - atiraram o povo de São Paulo, sem armas, sem munição, sem aviões e sem canhões, contra a ditadura armada até os dentes!

        Travam-se os combates. Os soldados recuam por não ter um tiro no fuzil. Os canhões não respondem porque faltam balas. Os aviões inimigos nos metralham e bombardeiam porque não temos outros para combatê-los. O soldado, criatura humana que não é de ferro, fraqueja, hesita e dispara.

        Batalhões inteiros vieram de licença e não tornaram a regressar! Outros batalhões não quiseram combater mais!  Tivessem dado armas a esses homens e no arroubo de entusiasmo teriam passado o Catete e esbarrado na Guanabara!

         Os oficiais atordoam-se, a defesa desorganiza-se, tudo se mistura e vem as retiradas de trem ou de caminhão... Há também as traições locais, os espiões. Isto, porém, não é uma traição geral; é uma ação de guerra. Canhões, metralhadoras, soldados, munição, espiões e traidores. Tudo isso eu vi. O primeiro traidor que me caísse nas mãos seria fuzilado em dois minutos. Não pude fuzilar um só por não encontrá-lo. Fui chamado várias vezes para ver um traidor dando sinais com uma lâmpada, no alto de um morro. No local encontrei um tronco, guardando fogo, de uma queimada produzida por uma bomba incendiária. Os traidores são como os fantasmas. Existem alguns, mas são tão raros que bem examinados não se descobre um  só!... 

         Só a bravura do povo de São Paulo, auxiliando de um modo espantoso, podia prolongar a luta por três meses. De outro modo não duraria quinze dias.  Aí é que está a culpa dos políticos, que clamarei durante o resto da minha vida. Se não possuíamos  elementos, confessassem logo o erro e não continuassem, na doce esperança de qualquer  milagre, a mandar os pobres soldados para o açougue!

        Os comandos sentiram a situação. As tropas inimigas chegaram a Jundiaí, a batalha de Guará acabaria com a Frente Norte.

         Tenho ouvido dizer que o aviador de observação notificara vários dias que a frente inimiga não possuía tropas na linha de Campinas. Todo o mundo pergunta:

          - Por que não se avançava, então?    

           Respondo eu:

           Podia não haver tropas, mas havia canhões - e onde há canhões, ou se avança para o combate a baioneta ou se recua. Não há outro modo. A tal ineficiência dos canhões reside na mobilidade das tropas visadas. Experimente alguém ficar no campo de tiro e sentirá a apregoada ineficácia!

          Perdida Campinas, viria a invasão da capital. Combates nas proximidades, nas ruas, destruição, saques e violentação das mulheres. A pata do vencedor se assentaria sobre São Paulo!

           O Comando da Força cedeu mais depressa do que devia, é verdade! Ainda mesmo que se não tivesse precipitado em aceitar a paz, não sobraria a São Paulo outro recurso. Era questão de mais dois dias. Campinas representava a chave das estradas de ferro e consequentemente do abastecimento da capital e das tropas em operações.

            Acreditais paulistas que a burguesia e o capitalismo que vivem convosco partilhariam da vossa abnegação e coragem indo até o sacrifício da cidade e da população?  Se assim é, estais enganados. O burguês e o capitalista só conhecem  a casa e o dinheiro. Julgai, meu povo!” [1]


          
E  dois dias depois os jornais dão a notícia:  “Empresário  Antunes suicida-se... depois de doar toda a sua fortuna para os órfãos e as viúvas  da Revolução de 1932”.

          Segundo o noticiário dos jornais e das rádios naquele dia,  era um  paulista que não havia  aguentado a derrota  de São Paulo, preferindo a morte...

        

 

 



[1]  Dr. Luiz Vieira de Mello, “Renda-se, Paulista!”,  pp. 75 - 84.

 





[1] Dr. Luiz Vieira de Mello, Renda-se, Paulista!, pp. 75-77.

[2] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 303.

[3] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 168.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 1



[2] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 153.

[3] Ibid., pp. 154.

[4] Antônio Carlos Pereira, Folha Dobrada I, pp. 217.

[5] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 32, pp. 39.

[6] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 59

[7] Ibid., pp. 59

[8] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 176.

[9] Ibid., pp. 177.

[10] Ibid., pp. 179.

[11] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 179.

[12] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 63.

[13] Ibid., pp. 63.

[14] Ibid., pp. 64.

[15] Ibid., pp. 63.

[16] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 64.

[17] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 181.

[18] Ibid., pp. 182

[19] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 65.

[20] Ibid., pp. 65

[21] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 65.

[22] Antonio Carlos Pereira, Folha Dobrada, I, pp. 361.

[23] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 191.

[24] Ibid., pp. 193

[25] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 70.

[26] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 69.

[27] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 194.

[28] Ibid., pp. 204

[29] Ibid., pp. 204

[30] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 70.

[31] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 210.

[32] Ibid., pp. 217

[33] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 32, pp. 49-53.

[34] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 219.

[35] Ibid., pp. 219

[36] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 77.

[37] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 229.

[38] Ibid. pp. 224.

[39] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 76.

[40] Ibid., pp. 77.

[41] Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 237.

[42] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 85.

[43] Ibid., pp. 84.

[44] Capitães Heliodoro tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 237.

[45] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 86.

[46] Capitães Heliodoro tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra a ditadura, pp. 238.

[47] Hernani Donato, A revolução de 32, pp. 88.

[48] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932, pp. 143.

[49] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 93.

[50] Ibid., pp. 221

[51] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 221.

[52] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932, pp. 59.

[53] Ibid., pp. 60.

[54] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932, pp. 60

[55] Ibid., pp. 60.

[56] Ibid., pp. 59

[57] Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932, pp. 61-64.

[58] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 106.

[59] Ibid., pp. 95.

[60] Jornal O Estado de S.Paulo, 11/07/1932.

[61] Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 104.

[62] Maria Apparecida Nogueira Coupé e Edson José Galvão Nogueira, Heróis Desconhecidos, pp. 29. Os 12 voluntários são: Braz Esteves, Celso Rodrigues Alves, Francisco de Paula Santos, Geraldo Francisco do Nascimento, João Galvão de França Rangel, João Tamborindeguy, José Juvenal Monteiro dos Santos, José Limongi Moreira, Manoel de Castro Nogueira, Nicolau Abdalla, Peppino Aliandro e Virg[ílio Rodrigues Gonçalves.

 

 

 

 

 

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