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     TEMA: LIDERANÇA: QUEM DOMINA QUEM?  

 

(Da Coleção "EGO - GUIA DO COMPORTAMENTO HUMANO", Abril Cultural, 1975, volume 1, páginas 57-60, artigo "Quem domina quem?)

Por incrível que pareça, na atualidade ainda há quem sustente que os homens podem ser classificados em superiores e inferiores, e desde o ventre materno. Durante muito tempo  teorias desse tipo serviram para justificar a exploração do homem pelo próprio homem. Realmente, não há duas pessoas iguais. Mas isso nada tem a ver com "superioridade" ou "inferioridade" inatas. Qualidades e defeitos se compensam entre si. As causas da dominação de certos indivíduos sobre os outros são sociais e dependem muito da formação de cada um deles.

 

Desde épocas remotas, os agrupamentos humanos são constituídos por uma minoria de líderes e uma grande maioria de liderados. Entre as várias teorias que procuram encontrar os fundamentos dessa dominação, há aquelas que estabelecem um paralelo entre os animais e os seres humanos. Algumas delas visam a demonstrar que os indivíduos não nascem iguais, mas são dotados de características específicas, hereditárias ou genéticas, características essas que fariam deles tipos dominantes ou dominados.

 

No passado, teorias como essas serviram de fundamento para a manutenção da nobreza, cujo sangue "azul", de "ascendência divina", lhe daria o "direito" não só de reinar, como de dispor da vida dos súditos. Modernamente, quando ninguém de bom senso podia acreditar que o sangue da nobreza fosse azul ou que os nobres tivessem origem divina, esse mesmo tipo de teorias permitiu a implantação de regimes como o nazismo, dirigidos por uma "elite" que pretendia "purificar a raça" e erigir uma sociedade perfeita, governada por super-homens.  O resultado dessas idéias foi o assassínio de milhões e milhões de vítimas inocentes e a derrota final dos "super-homens" nazistas, que agiam como verdadeiros sub-homens. Mas, apesar disso, vez por outra ainda aprecem "teóricos" que revivem sem perceber, os argumentos de tipo adotados pelo regime nazista.

 

Em geral são interpretações ingênuas e simplistas de pesquisas confusas, que partem de questões mal formuladas e conceitos com duplo sentido. Certos pesquisadores, por exemplo, afirmaram que 95% dos homens e das mulheres têm uma tendência "natural" a se submeter aos restantes 5%. Para comprovar essa tese, elaboraram uma escala de características de personalidade, procurando demonstrar que existem enormes diferenças entre as pessoas. No topo da escala estariam os líderes ou aqueles que exercem seu domínio sobre os demais; no extremo oposto, um número equivalente de pessoas que se satisfazem com serem dirigidos; entre os extremos 90% com maior ou menor propensão ao domínio ou à obediência pura e simples

 

Segundo esses estudiosos, porém, não se conhece ainda a natureza da combinação de "liderança" e "magnetismo pessoal" que se manifesta no indivíduo "dominante". Mas, em suma, em cada grupo de vinte pessoas de ambos os sexos, "apenas uma teria personalidade dominante". Além disso, por razões culturais, os homens seriam mais dominantes do que as mulheres, e a proporção de 5% de dominantes (1 em 20) permaneceria extraordinariamente constante em cada tribo ou civilização, bem como em todos os tipos de situação. Os defensores dessa tese recorrem ao fato de que no reino animal existe o mesmo equilíbrio, estabelecido sobre uma hierarquia. O líder do grupo é reconhecido como dominante e os demais se seguem na escala em certa ordem já estabelecida. Mas, até que ponto um agrupamento animal pode ser comparado com a sociedade humana? Afinal,o ser humano é dotado de inteligência, capacidade de discernimento e de decisão. E, em geral, é perfeitamente capaz de dar as costas a tais "líderes naturais", caso existam, e até de levá-los à guilhotina ou à cadeia, por maior que seja o seu "magnetismo pessoal".

 

Dessa maneira, ao falar em "líderes ou pessoas dominantes", não devemos imaginar que exista uma fração de humanidade de natureza superior a todo o resto. Existem, naturalmente, pessoas que costumam dominar as outras. Porém, não se trata de super-homens nem de predestinados, e nem sequer já nasceram "dominantes".

 

Como definir a dominação? A maioria das pessoas dominantes - segundo afirmam os autores da pesquisa -é, em geral, inteligente. Mas, embora o cérebro ajude a colocar o indivíduo numa posição importante, seu papel não é absolutamente essencial. Seriam necessárias capacidades menos óbvias como, por exemplo, a iniciativa. A força física pareceria ser a segunda característica mais importante, de acordo com a velha idéia de que uma boa combinação de força e cérebro constitui a receita infalível para o êxito. Mas a força física, se pode ajudar, não é fundamental. Nem sempre os homens robustos e inteligentes são dominantes. Faltam-lhes, muitas vezes, aquelas qualidades "indefiníveis" da personalidade que fazem uma pessoa realmente dominante, respeitada por todos os indivíduos que a rodeiam. Todo líder possuiria, então, uma espécie de magnetismo pessoal, de carisma, cuja base é uma ampla autoconfiança.

 

Alguns pesquisadores tentaram estabelecer quais as qualidades do homem "dominante" que resultam na autoconfiança. Segundo afirmam, essas qualidades são a força física, a inteligência, a coragem, a saúde,  grande persistência e ambição. Graças a todas essas qualidades, o indivíduo dominante seria capaz de encarar as diversas situações e sair delas relativamente ileso. Ele confia em poder superar qualquer dificuldade, porque conta com o apoio de muitas forças . Pressupõe que sua saúde jamais o trairá e está seguro também de que não perderá o bom-senso no momento crucial, permanecendo calmo numa situação de grande tensão.

 

Portanto, segundo aqueles psicólogos, o ingrediente secreto essencial para a "liderança" consistiria na combinação de qualidades muito diferentes que se somariam para formar um todo harmonioso. Cada um de nós nasceria com uma combinação de forças e fraquezas.O indivíduo dominante saberia cultivar uma dosagem especial de características que o protegeriam virtualmente contra ataque de natureza física ou psicológica. Sua estabilidade faria com que ele não fosse tão vulnerável quanto os outros. Isso talvez seja correto ao nível psicológico. Entretanto, não se pode afirmar que a liderança decorre apenas da auto-confiança fundada nas qualidades acima mencionadas. Para que exista a verdadeira liderança não basta que alguém dê ordens e alguém obedeça. É necessário também que os  liderados estejam de acordo com as ordens recebidas e que aceitem os princípios sobre as quais elas se baseiam.

 

Quando essas ordens são impostas pela força, não se pode falar numa autêntica liderança. Temos inúmeros exemplos na história de povos que obedeceram a seus líderes porque estavam submetidos pela força; mas, ao mudarem as contingências históricas, esses povos voltaram-se contra os falsos líderes e lhes arrebataram o poder. O fenômeno da liderança pode ser abordado, de um modo geral, pode ser abordado sob dois pontos de vista: o primeiro analisa o tipo de autoridade exercida pelo líder em função dos motivos pelos quais suas ordens são obedecidas; o segundo procura compreender o papel do líder num dado sistema social.

 

Max Weber, sociólogo alemão nascido em 1864, define a dominação como "a probabilidade de encontrar obediência, dentro de um grupo determinado, para certas ordens específicas ou para toda a classe de ordens". Um líder pode ser aceito por razões puramente materiais. Os funcionários de uma empresa acatam as ordens de seus superiores apenas porque estão sendo pagos para isso.

Não se pode, portanto, afirmar que o empresário seja um verdadeiro líder de seus empregados. A remuneração é muitas vezes substituída por qualquer outro tipo de vantagem ou por razões afetivas, políticas, morais ou religiosas. Segundo Weber, a aceitação dos costumes e os interesses materiais predominam na maioria das situações.

 

Outra característica da personalidade dominante seria a habilidade política. Essa qualidade consiste, basicamente, na capacidade de viver em harmonia com as pessoas que nos rodeiam, não só quando as coisas estão tranqüilas mas também nas crises, de tal maneira que a estrutura do grupo seja mantida e as relações entre seus membros permaneçam inalteradas.

O indivíduo realmente dominante parece suprir sua própria individualidade em função do grupo como um todo. Preocupa-se tanto com sua responsabilidade como líder que pode se esquecer de si mesmo e de suas necessidades durante algum tempo.

 

O grau de domínio do indivíduo depende do quanto lhe permitem ser dominante. O líder só terá uma ascendência estável e efetiva sobre os liderados se estes, além da vontade de obedecer, sentirem, de alguma maneira que têm o "dever" de obedecer. Só assim, no entender de Weber, a dominação pode ser considerada "legítima". No plano político, essa legitimidade decorre muitas vezes do respeito às tradições, como no caso de algumas sociedades tribais, nas quais o chefe é sempre escolhido dentro de uma determinada família ou tem como fundamento o carisma do próprio líder, que é considerado por seus dominados como um santo, um herói ou uma pessoa exemplar. No mundo moderno, predomina um terceiro tipo de dominação que Weber define como "racional legal". Neste caso, a dominação é aceita por seu aspecto legal, uma vez que os poderes do líder estão previstos por leis e regulamentos.

 

Os etólogos usam a palavra "alfa" para descrever o indivíduo dominante num determinado grupo. Numa sociedade verdadeiramente igualitária todos os homens e mulheres teriam, ao menos teoricamente, as mesmas oportunidades e, de acordo com aqueles etólogos, todos os "alfas" deveriam elevar-se automaticamente às posições mais dominantes. Entretanto isso não acontece e muitas vezes os "alfas" são frustrados em suas aspirações.

 

Para reforçar a sua tese, os referidos etólogos recorrem mais uma vez ao paralelo entre os agrupamentos animais e a sociedade humana. Segundo eles, nos agrupamentos animais os membros dominantes exercem sua ascendência sobre os demais como decorrência natural de sua condição de liderança, já que não existem deficiências de educação, falta de oportunidades, privilégios hereditário e assim por diante. Ocorre, porém, que nas sociedades humanas as posições de controle são entregues, muitas vezes, a indivíduos que os etólogos considerariam não dominantes, só porque estes mantêm ligações influentes. Desse modo, indivíduos "dominantes" são mantidos em posições inferiores em decorrência das condições de privação em que nasceram. Tal situação, segundo esses mesmos teóricos, seria determinante de numerosos problemas: os "alfas" são forçados a obedecer a indivíduos que não respeitam e que não possuem capacidade de liderança, o que gera a instabilidade social.

 

Teorias como a de liderança "natural" procuram reforçar a tese de que certos homens já nascem "alfas" e, em última análise, pretendem levar à conclusão de que uma sociedade governada por "alfas" seria perfeita e harmoniosa. Contudo, restaria saber se os tais "alfas" (supondo-se que existissem) seriam sempre, por sua simples condição natural de dominantes, os melhores chefes, os governantes mais justos, que ditam as ordens de acordo com o consenso da maioria.

 

A própria história dos tempos modernos oferece exemplos que não confirmam a tese da liderança natural. Hitler e Mussolini seriam indivíduos "alfas" que alcançaram o cume da liderança de seus respectivos povos. Entretanto, como conduziram mal os destinos de suas nações, seus "dominados" deixaram de reconhecer neles as qualidades indispensáveis à liderança, e os renegaram como "chefes". A "dominação" exercida por estes dois "alfas" existiu, portanto, enquanto ambos expressavam os anseios circunstanciais de seus liderados, No momento em que as circunstâncias determinantes da liderança sofreram modificações, sua qualidade "natural" não foi suficiente para manter o domínio sobre os dominados. Fatos como esses colocam em dúvida a tese da "liderança natural", da existência dos "alfas".

 

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